quinta-feira, 30 de julho de 2015

Inflação, economia real e o aumento da taxa de juros.

Não é possível contar a história recente da economia brasileira sem mencionar o esforço para trazer a inflação para níveis civilizados. Durante muitos anos o debate econômico no Brasil girou em torno de temas relacionados à inflação, alguns debatiam como conviver com a inflação, outros debatiam como reduzir a inflação e outros se dedicavam a entender as origens e as causas da inflação. Não vou questionar a validade de tais debates, grosso modo acredito que foram em vão, entrar nessa questão desviaria o foco do post, apenas registro que quando finalmente conseguimos controlar a inflação fizemos o que todo mundo faz: usamos política monetária. Sem o uso da política monetária o Plano Real quase certamente teria sido mais um exemplo de fracasso, o controle inicial da inflação teria evaporado em menos de um ano.

Os críticos do uso da política monetária para controlar a inflação costumam apontar efeitos coletarias reais ou imaginários da elevação da taxa de juros. Uma leitura nos jornais é suficiente para encontrar dezenas de autores falando como a elevação da taxa de juros pode causar desemprego, acabar com o crescimento da economia, reduzir investimento, valorizar o câmbio, comprometer as exportações e ainda destruir as contas públicas. Particularmente creio que a maior parte dos efeitos listados são fantasiosos ou são falácias, a relação entre a política monetária e as variáveis reais da economia (e.g.: emprego, crescimento e taxa de investimento) é, para dizer o mínimo, mal compreendida pelos economistas. Porém não nego que alguns efeitos existem, no final do dia a taxa de juros é um preço e mudanças em qualquer preço beneficiam uns e prejudicam outros, via de regra beneficia vendedores, no caso os donos dos recursos emprestados, e prejudica os compradores, no caso os que pegam dinheiro emprestado. Nada de catastrófico e nada de impressionante, apenas o dia a dia da economia.

São tantos argumentos e tantos autores criticando o aumento da taxa de juros que o leitor pode estar se perguntando se eu estou louco ou eu sou um economista do mercado financeiro. A primeira dúvida eu não posso tirar, acredito que não sou louco, mas dizer que não é louco é uma característica dos loucos. A segunda dúvida eu posso esclarecer, não sou ligado a nenhum banco ou corretora ou nada que tenha relação com o sistema financeiro, sou professor na Universidade de Brasília e trabalho com produtividade, não faço nada que interesse diretamente aos investidores no mercado financeiro. Ocorre que sou um macroeconomista aplicado e tenho por hábito olhar os dados. A figura abaixo foi elaborada com dados do Ipeadata e mostra a taxa Over/Selic e a diferença entre a taxa Over/Selic e o IGP-DI, uma proxy para juros reais, desde agosto de 1994, ou seja, desde o mês seguinte ao Plano Real. Repare que nem a taxa nominal (linha azul) nem a diferença entre a taxa nominal e a inflação (linha laranja) estão em valores particularmente altos, pelo contrário, a média da taxa nominal mensal entre agosto de 1994 e junho de 2015 foi de 1,4% e em junho de 2015 o valor foi de 1,06%, a média da diferença entre a taxa nominal e a inflação no mesmo período foi de 0,72%, em junho de 2015 o valor foi 0,39%, pouco mais que metade da média.




Visto que a taxa de juros atual, nem a nominal nem a proxy que usei para taxa real, estão abaixo da média observada desde a estabilização seria o caso de perguntar se a economia está melhor do que quando as taxas de juros estavam mais altas. Talvez seja útil saber que apenas nos últimos meses do primeiro mandato de Lula a taxa nominal foi menor que de junho de 2015, ainda assim Lula foi reeleito e se tornou o presidente mais popular da história recente. Da mesma forma a taxa de juros média dos dois mandatos de Lula foi de 1,14% ao mês, maior que a de junho de 2015, no mandato de Dilma a média foi de 0,8%, bem menor que a de Lula. Alguém está disposto a argumentar que a economia teve melhor desempenho no governo Dilma do que no governo Lula?

A verdade é que como acontece com vários preços não sabemos muito a respeito de como mudanças na taxa de juros afetam o lado real da economia, porém sabemos que a taxa de juros é um bom instrumento para combater a inflação e que a inflação não apenas transfere recursos da sociedade para o governo (e para os bancos) como penaliza as famílias que tem dificuldade para reajustar suas rendas, sendo assim a inflação prejudica sobremaneira a pensionistas, assalariados e beneficiários de programas sociais. Não entendo porque tantos criticam o uso de um instrumento que já mostrou ter feito para combater a inflação por conta de efeitos colaterais mal definidos e que parecem contrários aos fatos.... talvez eu entenda...




Um comentário:

  1. O que eu também tenho visto e uma RE-INDEXAÇÃO dos preços! Logo, logo isto vai virar pauta de campanha salarial!
    Anos 80?????

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