Uma nota da Universidade Federal da Bahia (UFBA) a respeito
de um corte de 75% no total de recursos do PROAP (programa do governo federal
que financia a maior parte da pós-graduação) gerou alguma comoção entre a comunidade
de pesquisadores no Brasil. A nota da UFBA (link aqui) fala da possibilidade da
paralisação das atividades de pós-graduação não apenas na UFBA como na maioria
das universidades do país. Tenho experiência com pós-graduação, durante seis
anos fui coordenador de pós-graduação no Programa de Pós-Graduação em Economia
da UnB, não chego a dizer que um corte de 75% do PROAP vá paralisar a
pós-graduação mas vai chegar perto, nas ciências duras, onde os custos e a
necessidade de um fluxo continuo de financiamento são maiores, é possível que
ocorra uma paralisação de fato.
Como chegamos a tal situação? Para tentar responder essa
questão fui na página da CAPES e avaliei os orçamentos disponíveis (link aqui).
Começo com a quantidade destinada a pós-graduação. A figura abaixo mostra o
orçamento executado com fomento a pós-graduação em entre 2004 e 2013, são os
anos disponíveis, não é igual ao PROAP pois existem outros programas destinado
a apoiar a pós-graduação, mas creio que é um bom indicador do quanto a CAPES
tem gasto para estimular a pós-graduação no Brasil. Repare que houve um aumento
considerável no período, o crescimento real entre 2004 e 2013 foi de
impressionantes 667%, os 25% que sobram após o corte equivalem ao total
executado em 2005, corrigido para valores de 2013, e é maior que o executado em
2006. A figura ao lado mostra o crescimento dos recursos destinados ela CAPES ao fomento da pós-graduação.
Ocorre que não foram apenas os recursos destinados à
pós-graduação que cresceram entre 2004 e 2013, o número de cursos de
pós-graduação e o número de professores e estudantes de pós-graduação também
cresceram. Não vou entrar aqui na questão da qualidade, é uma boa discussão mas
desviaria o foco do post. O que me interessa saber é se o crescimento foi
sustentado, ou, dito de outra forma, se o aumento de recursos para
pós-graduação é sustentável. Desconfio que não. Assim como em inúmeras outras
áreas o governo acreditou que a prosperidade puxada por juros baixos e
commodities caras seria eterna e estimulou um crescimento excessivo.
Os números para bolsas de estudo reforçam a tese do
crescimento insustentável. O total de recursos gastos com bolsas no país
cresceram 213% em termos reais entre 2004 e 2013, os recursos gastos com bolsas
no exterior diminuíram 11% no mesmo período. O comportamento da taxa de câmbio
pode explicar parte da redução no gasto com bolsas no exterior, mas não creio
que explique tudo e nem que seja capaz de mudar a comparação com as bolsas no
país. O fato que as bolsas no país mais do que dobraram enquanto as bolsas no
exterior diminuíram revelam um padrão de prioridade preocupante. As experiências
asiáticas, geralmente usadas como referência, foram caracterizadas por um
grande envio de bolsistas de pós-graduação para o exterior. O dado fica mais
preocupante quando o Ciência sem Fronteira é inserido na história, deixar de
mandar estudantes de pós-graduação para o exterior, que de fato tem potencial
de desenvolver pesquisa de ponta, para mandar alunos de graduação me parece uma
política simplesmente indefensável. Para que o leitor tenha ideia em 2013 os
gastos com as bolsas do Ciência sem Fronteira alcançaram R$ 1,2 bilhões
enquanto os gastos com bolsa no exterior foram de R$ 130 milhões.
Outro ponto que pode ser relevante é que a partir de 2007 a
CAPES passou a ser responsável por vários programas não necessariamente ligados
a pós-graduação. Entre 2008 e 2011 uma parte significativa dos recursos de
fomento da CAPES eram para o Programa Universidade Aberta (UAB, link aqui), nos
anos de 2008 e 2009 o programa foi equivalente a 60% do gasto em fomento, em
2010 e 2011 caiu para aproximadamente 30%. A partir de 2010 a CAPES também
passou a cuidar da formação de professores da educação básica, os gastos com
esse programa corresponderam a 16% do gasto de fomento em 2010, chegaram a 60%
em 2012 e recuaram para 52% em 2013. Além do fomento a CAPES também destina
bolsas para o programa de educação básica, o pico destas bolsas ocorreu em 2012
quando chegaram a 21% do gasto total com bolsas. Por fim a CAPES assumiu o
Ciência sem Fronteira.
Longe de mim questionar a importância da educação básica,
pelo contrário, acredito que o governo deve dar prioridade à educação básica. A
questão é se a CAPES é o instrumento adequado para a função. Na época que se
preocupava apenas com pós-graduação a CAPES conseguia executar 100% do
orçamento destinado a pós-graduação, em 2013, já com novas atribuições, a CAPES
executou menos de 50% do orçamento destinado as atividades de fomento, é bem
verdade que se considerado apenas o fomento à pós-graduação a CAPES executou
91% do previsto em 2013, mas em 2012 executou apenas 63%. Entre 2004 e 2007 a
CAPES executou praticamente 100% dos gastos destinado ao fomento da
pós-graduação em todos os anos. Ao que parece ao assumir novas tarefas a CAPES
comprometeu a execução das tarefas antigas. A figura ao lado mostra a dotação e
a execução dos gastos de fomento da CAPES entre 2004 e 2013, a partir de 2007 a
CAPES começou a fomentar outras atividades não estritamente ligadas à pós-graduação.
Em resumo. Nos últimos anos a CAPES teve um aumento
significativo de recursos, atividades como fomento a pós-graduação e bolsas no
país também tiveram ganhos orçamentários significativos. Das grandes atividades
da CAPES apenas as bolsas no exterior tiveram perdas reais de orçamento entre
2004 e 2013. Além de ter mais recursos para desenvolver as atividades que já
desenvolvia a CAPES recebeu novas atribuições que passaram a ser parte
significativa do orçamento dela. O resultado dos dois fenômenos é captado no
aumento real de 407% no total de gastos executados pela CAPES entre 2004 e
2013. Para que o leitor tenha uma ideia de dimensão o PIB real cresceu 36,4% no
mesmo período. Entre 2004 e 2013 os gastos realizados pela CAPES cresceram dez
vezes mais que o PIB, os gastos com fomento da pós-graduação cresceram dezoito
vezes mais que o PIB e os gastos com bolsas no país cresceram quase seis vezes
mais que o PIB.
Assim como em outros setores da economia a pós-graduação vai
ter de se ajustar à realidade. É provável que o ritmo de abertura de novos
cursos caia, não descarto nem mesmo uma redução no número de cursos. Fica
difícil dizer porque nos últimos anos foram contratados muitos professores para
as universidades federais e não é impossível que grupos de professores tentem
abrir novos programas mesmo sem recursos da CAPES. Porém também pode ser a hora
perfeita para discutir reformas na pós-graduação, em particular reformas no
financiamento da pós-graduação.
Talvez por um comodismo que pode ter sido estimulado pelo
longo período de bonança não é comum ver programas de pós-graduação preocupados
com formas alternativas de financiamento. Durante os anos que fui coordenador
de pós-graduação, quase todos no período de bonança, lembro de ter participados
de várias reuniões de coordenadores de pós-graduação em economia, em nenhuma
delas o financiamento da pós-graduação estava em pauta. Discutimos muito a respeito
dos critérios de avaliação da CAPES, tratamos do exame da ANPEC e falamos a
respeito de homenagens e premiações, a conversa a respeito de financiamento
ficava confinada aos corredores ou ao almoço, mesmo entre economistas parece
que dinheiro não é um assunto relevante o suficiente para entrar em uma pauta
oficial de reunião.
Uma ação orquestrada para pressionar pela regularização do
mestrado profissional nas universidades federais? Nem pensar, isso não parece
ser um tema relevante mesmo que a grande maioria dos programas de pós-graduação
estejam abrigados em universidades federais. Formas de tirar da zona cinzenta a
captação de recursos para pesquisa? De jeito nenhum, isso é conversa de quem
quer transformar a universidade em balcão de negócios. A comunidade acadêmica,
inclusive a de economia, parece acreditar que é obrigação da sociedade
financiar completamente toda e qualquer pesquisa imaginada pelos professores
doutores que atuam em programas de pós-graduação. A possibilidade de procurar um financiador privado mesmo que para algumas pesquisas chega a ser
ofensiva.
Pois bem, com o aparente fim da fartura na CAPES é possível
e desejável que os programas de pós-graduação sejam obrigados a escolher entre
buscar novas formas de financiamento ou definhar. Espero que a escolha seja
pelas formas alternativas de financiamento e não por sair de cena ou pedir que
o governo corte programas voltados para educação básica para continuar nos
financiando. Quem sabe a ANDIFES ainda não apresenta uma proposta pragmática a
respeito do financiamento da pós-graduação. Quem sabe os coordenadores de
pós-graduação dão o exemplo e na rodada de reuniões de área que deve ocorrer em
agosto aceitem reduzir um pouco a milésima discussão do ano sobre critérios de
avaliação e dediquem um tempinho que seja a questão do financiamento. É
difícil, eu sei, mas assim como o choro é livre o sonho também é, tenho direito
de sonhar.
Roberto, o Sachsida te fez uma pergunta
ResponderExcluirhttp://bdadolfo.blogspot.com.br/2015/07/uma-pergunta-sobre-produtividade.html
A situação da pós-graduação brasileira está tão deploravel, que estou tendo que fazer uma vaquinha para financiar minha participação no IEEE SMC, em Hong Kong.
ResponderExcluirSe alguém aqui quiser ajudar, tem mais informações nesse link:
https://www.vakinha.com.br/vaquinha/apresentacao-de-trabalho-no-ieee-smc-em-hong-kong-china
Interessante o post, principalmente após a divulgação da PLOA 2020. Orçamento da Capes foi de 4.2 bi para 2.2 bi. Ação 0487, de onde saem as bolsas e o PROAP, foi de 2.6 bi para 1.2 bi.
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