Vez por outra a frase “não comemos PIB” aparece nas redes e nos jornais, lembro que apareceu quando o PIB começou a cair no governo Dilma e agora no governo Bolsonaro quando o PIB subiu acima do esperado. Curiosamente a frase não lembro da frase ter ganho destaque quando o PIB crescia bem no governo Lula, deve ser porque sou esquecido. De toda forma a frase é interessante e merece atenção. Realmente não comemos PIB, também não vestimos PIB, não moramos no PIB e não sairmos para dançar no PIB. PIB é uma construção teoria usada por economistas para tentar mensurar o quanto é produzido em uma região.
No PIB estão computadores, relógios, trigo, cortes de
cabelos, massas e maças. Quem é tanta coisa acaba por não ser nada, pode dizer
algum observador, mas, creio eu, esse observador estaria sendo injusto. Como
outras medidas do tipo o PIB simultaneamente carece e abunda de significados. A
frase “não comemos PIB” é correta e bastante útil para apontar que existem
coisa que o PIB não capta bem, porém a frase se torna enganosa quando usada
para tirar relevância de uma queda ou de um aumento do PIB.
Logo no primeiro capítulo do livro Introduction to Modern
Economic Growth (link aqui), Daron Acemoglu, economista merecidamente
festejado pelo livro Por que as nações fracassam? (link aqui), trata de
relação entre PIB per capita, que nada mais é do que o PIB dividido pela
população, e os níveis de bem-estar de um país. Para ilustrar o ponto ele
apresenta dois gráficos que vou reproduzir aqui, o primeiro mostra a correlação
(que não é causalidade!) entre o logaritmo do PIB per capita e o logaritmo do
consumo per capita. Fica clara a relação positiva entre as duas variáveis, ou
seja, não comemos PIB, mas onde o PIB por pessoa é maior o consumo por pessoa
também é maior.
O segundo gráfico mostra a correlação entre PIB per capita e expectativa de vida ao nascer. PIB não comida nem remédio, mas onde o POB per capita é maior as pessoas tendem a viver mais. Isso óbvio, alguém pode dizer, correto, responderia eu, mas também deveria ser óbvio que crescimento do PIB é uma boa notícia e queda do PIB é uma notícia ruim.
Como sou chato, não sou tão cuidadoso quanto o Acemoglu e
isso é um blog onde tento conversar com leitores e não um livro tomei a
liberdade de mostrar outras correlações entre o PIB per capita e variáveis que alguém
pode considerar relevantes. A figura abaixo mostra a correlação entre PIB per
capita e o percentual da população com acesso a saneamento básico. Além de
consumir mais e viver mais, quem vive em locais com PIB per capita maior tem
menos problemas de acesso a água tratada. Por causa do PIB? Não dá para dizer
isso, lembre que correlação não é causalidade, mas se é difícil, talvez
impossível, estabelecer empiricamente uma relação de causalidade, não é tão
difícil teorizar sobre tal relação, mas deixo isso para outra ocasião.
Consumir mais é bom, viver mais é bom, ter acesso a esgoto e
água tratada é bom... mas o que vale tudo isso sem tomar uma? Pensando nisso
fui olhar a correlação entre PIB per capita e consumo de álcool. Deu positiva,
sim meu caro, se nada que falei até aqui te convenceu da importância do PIB
talvez saber que onde o PIB per capita é maior se bebe mais mude sua opinião.
Belchior, meu conterrâneo, cantou que nada é maravilhoso,
temo que ele esteja certo, mas definitivamente não é em conceitos econômicos que vamos
encontrar algo para contradizer o poeta cearense. O PIB também está
correlacionado com coisa indesejáveis, como, por exemplo, a poluição. Países
com maior PIB per capita emitem mais CO2. Muita gente acredita que isso é
motivo para não comemorar aumento de PIB, nem tanta gente parece disposta a
migrar para países que emitem pouco CO2. Não sou especialista no assunto, mas
creio que sacrificar PIB para preservar meio ambiente é uma estratégia
complicada e limitada, resta apostar que a chegada de novas tecnologias, em
parte estimuladas pelo aumento de custos do uso de tecnologias poluentes que é
induzido por políticas ambientais, resolvam o problema e permitam a redução da
correlação entre PIB e emissão per capita de CO2.
A última figura retorna à frase que motivou o post (já dizia
meu saudoso pai que a maior prova que o mundo é redondo é que andamos muito e
retornamos ao mesmo lugar). Não comemos PIB, fato, mas onde o PIB per capita é
maior o percentual da população subnutrida é menor.
Paro aqui, as provocações do post não têm como objetivo
contestar a frase que não comemos PIB, que é obviamente verdadeira, mas
contextualizar a importância do crescimento do PIB e como uma maior PIB per
capita está correlacionado com algumas características desejáveis de uma
sociedade. Nunca é demais lembrar que, como também está registrado no livro de
crescimento do Acemoglu, o processo de aumento do PIB per capita, embora
geralmente bom para o bem-estar, cria perdedores e ganhadores, daí, talvez as
resistências.
P.S. Se você é aluno de graduação da UnB o post também é uma
propaganda do curso de crescimento que vou oferecer no próximo semestre (começa
em julho, mas é o 2021/1). Os gráficos estarão lá e, nas aulas, “práticas” você
vai aprender a fazer gráficos do tipo.
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