sexta-feira, 10 de abril de 2020

Crescimento do PIB em tempos de Gripe Espanhola


Em tempos de pandemia foi impossível resistir à tentação de olhar para o passado e observar o que aconteceu em outros casos do tipo. É um exercício arriscado, os tempos são outros e tanto a medicina quanto a economia são muitos diferentes do que eram naquela época para permitir comparações impunemente.

Tome como exemplo a Gripe Espanhola, uma das grandes pandemias da história que atingiu o mundo nos anos de 1918, 1919 e 1920. Naquela época o mundo saia da Grande Guerra e observava a Revolução Russa de 1917, como separar os efeitos da Guerra, da Revolução e da Gripe Espanhola? A integração do mundo também era diferente, por mais que existisse comércio entre empresas e famílias de diferentes nações não é possível comparar com o mundo atual de aviões gigantes cruzando os céus e tecnologia da informação conectando as pessoas. A medicina então nem se fala, vivemos em outro planeta em relação a nossos antepassados que enfrentaram aquela pandemia.

Mesmo com todas essas diferenças, não resisti e fui olhar o crescimento do PIB nos diversos países entre 1918 e 1920. Não pretendo com isso estimar o que vai acontecer com o PIB nos próximos anos, deixo a tarefa para colegas mais chegados às artes das previsões, faço principalmente por curiosidade. Como se trata anterior à II Guerra usei os dados do Maddison Project (MPD 2018), uma das melhores e mais usadas fontes de dados históricos em economia. Selecionei os países com mais de um milhão de habitantes e dados completos para o período 1915 e 1925, para calcular o PIB multipliquei a variável rgdpnapc (medida de PIB per capita mais adequada para comparação de taxas de crescimento) e multipliquei pela população. A amostra ficou com trinta e oito países.

A média de crescimento dos países da amostra foi de 0,3% em 1918, 4,64% em 1919 e 3,12% em 1920, em nenhum dos anos a média foi negativa. A maior queda de PIB em 1918 foi de 21,1% e aconteceu na França, em 1919 a maior queda foi de 19,5% na Alemanha. É muito provável que o desastre na França em 1918 esteja mais associado à I Guerra do que à Gripe Espanhola, a segunda maior queda de 1918 foi na Bélgica, e o da Alemanha esteja mais associado as reparações de guerra, o Tratado de Versalhes foi assinado em junho de 1919 e a segunda maior queda foi na Áustria. Reforça a tese de que a queda está associada à I Guerra o fato que em 1919 a Bélgica cresceu 18% e a França cresceu 17,8%. A maior queda de 1920 foi de 20,4% e ocorreu no Uruguai.

A figura abaixo mostra a menor variação do PIB em cada ano para cada um dos países da amostra. Em 21 dos 39 dos países a menor variação ocorreu em 1918, linhas em verde, o que pode ser um indício de um forte efeito da I Guerra nesses números. Em dez países a maior queda foi em 1919 e em sete países a maior queda foi em 1920. Dos cinco países com maiores queda no período, quatro (Áustria, Bélgica, Alemanha e França) estiveram diretamente envolvidos na I Guerra. O quinto da lista, o Uruguai, teve uma nova Constituição promulgada em 1918 que entrou em vigor em 1919 e trouxe reformas importantes para o país.



Sete países da amostra não tiveram queda de PIB em nenhum dos anos entre 1918 e 1920, na Colômbia o menor crescimento foi de 6,2% em 1918, no ano seguinte o crescimento foi de 8,9%. Nos Estados Unidos ocorreu queda do PIB apenas em 1920 (-0,95%), em 1918 o PIB cresceu 9%. O Reino Unido, que também teve grande envolvimento na i Guerra, teve queda do PIB nos três anos, a maior foi de 12% em 1919. A figura abaixo mostra o crescimento do PIB no Brasil entre 1916 e 1925, a queda de 2% em 1918 foi bem mais do que compensada pelos crescimentos de 13,2% em 1919 e 9,9% em 1920.




Como disse no começo é difícil tirar lições para nossos tempos da pandemia de 1918-1920, o exercício deve ser visto mais como uma curiosidade do que como uma busca por insights. De toda forma é interessante registrar que as maiores quedas de PIB em 1918 e 1919 parecem mais associadas à guerra e as reparações de guerra do que à Gripe Espanhola e que, pelo menos no Brasil, a queda de 1918 foi mais do que compensada nos anos seguintes.


2 comentários:

  1. Que legal o estudo, Roberto! Aprendo muito com os seus posts. Grande abraço, Guilherme

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  2. Nessa época os países, as empresas e as pessoas tinham níveis de dívida comparáveis aos que temos hoje?
    O que mais me preocupa nessa pandemia, em termos econômicos, são os níveis de endividamento.
    Será que há um século o mundo estava tão endividado?

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