Fiz um post no FB onde comentei uma entrevista de Winston
Ling (link aqui) e registrei que apesar de concordar com as linhas gerais apresentadas na entrevista me incomodei com a referência a China pois não acredito que a maioria dos brasileiros
queiram viver em uma nova China e que eu definitivamente não quero que o Brasil
vire uma espécie de China. Vários amigos me alertaram que a referência a China
era no sentido do crescimento econômico em contraponto a hipóteses que fosse em
termos de instituições. Fiquei meio sem graça de dizer aos amigos que eu me
referia ao crescimento econômico, isso mesmo, eu não quero que o Brasil busque
uma trajetória de crescimento chinesa. Por certo não digo isso por conta do
crescimento propriamente dito, mas por conta do que seria necessário para obter
tal trajetória.
O crescimento da China vem de uma combinação de abertura
para o setor privado, altas taxas de poupança e forte presença do estado nas
decisões de investimento. A aparente contradição entre abertura para o setor
privado e a forte presença do estado na economia é desfeita quando consideramos
o ponto de partida da China. Depois de uma das mais brutais e desastrosas
tentativas de implementar uma economia planificada o Partido Comunista Chinês
percebeu que aquilo não levaria a lugar algum e começou um processo de abertura
para investimentos privados, porém esse processo não retirou do estado o papel
de condutor do processo de crescimento econômico. Nesse sentido a China de hoje
vive uma experiencia similar a do Brasil do começo da década de 1970 onde o
estado “comandava” uma dinâmica de crescimento que passou para história como
Milagre Econômico. O que veio depois do Milagre não foi o paraíso das riquezas,
pelo contrário, passamos a viver em um inferno econômico com direito a décadas
perdidas, hiperinflação, calote de dívida pública e etc.
Não estou dizendo que esse será o destino da China, existem
diferenças importantes que podem permitir que a China siga o rumo do Japão e da
Coreia em vez de seguir o rumo do Brasil e da América Latina. Tais diferenças
passam pela taxa de poupança absurdamente alta e um sistema de educação que parece
ser bem superior ao brasileiro, pelo menos considerando os dados do PISA. Se
isso vai ser suficiente é assunto para outro post, da minha parte creio que sem
uma profunda mudança nas instituições de forma a garantir liberdades individuais
a China não vai muito além de onde está em termos de PIB per capita, mas entendo
quem discorda da minha avaliação. A questão desse post não é sobre a China, a questão
é saber se um novo milagre econômico levará o Brasil ao paraíso ou nos manterá
no inferno em que estamos.
Minha avaliação é que um novo milagre nos levará a um novo
desastre. Para começo de conversa não vejo como ter poupança asiática sem
desmontar a rede de proteção social aprofundada desde a redemocratização, mas
existente desde muito antes. Basta ver a dificuldade para aprovar a reforma da
previdência para que tenhamos noção de onde vai dar uma tentativa de acabar ou
reduzir significativamente iniciativas como o SUS, o bolsa família, a rede de
universidades públicas, as férias remuneradas, o seguro desemprego e tantas
outras políticas públicas que tornam quase impossíveis níveis de poupança pública
e privada com padrões asiáticos. Qual o nível de repressão necessário para
reduzir drasticamente os ditos direitos sociais e trabalhistas? Qual o nível de
repressão necessário para desmontar a rede de proteção social? Não sei e não
quero pagar para saber.
Creio que se o Brasil quiser entrar em uma trajetória de crescimento
deve esquecer os milagres asiáticos e buscar inspiração nos casos de sucesso dos
Estados Unidos e Europa ou mesmo Austrália. Digo isso desde muito tempo, a
referência mais antiga que encontrei em tempos de “print ou não aconteceu” foi
uma matéria da Exame de 2010 (link aqui) onde digo que o Brasil não deve buscar
crescimento chinês e que insistir nesse caminho acabaria levando a uma crise.
Muita coisa mudou de lá ´para cá, mas não mudei minha avaliação, pelo
contrário, a busca pelo PIBão nos levou a uma gigantesca crise e reforçou minha
impressão que naõ devemos buscar milagres.
Para ilustrar a experiência de crescimento dos países hoje
ricos usei a base de dados do projeto Maddison (link aqui) que apresenta dados
de crescimento para vários países por um longo período de tempo. Selecionei
nessa base todos os países com PIB per capita cima de $30.000 em 2016, depois
escolhi os que tinham dados completos desde 1801, fiquei com Reino Unido,
Itália, Suécia e Estados Unidos, por conta de anomalias no período da II Guerra
retirei a Itália da amostra.
A figura abaixo mostra a taxa de crescimento dos EUA entre
1801 e 2016. Note que são poucos os anos em que os EUA cresceram mais de 10%,
para ser preciso isso aconteceu em 1909, 1916, 1923, 1935, 1941 e 1942. Em 1909
a economia se recuperava de uma queda de 9,9% ocorrida em 1908, em 1935 era a
recuperação da sequência de quedas iniciadas em 1930 com a Grande Depressão,
1941 e 1942 foram anos de guerra. Se baixarmos o sarrafo para um crescimento de
7,5% a lista passa a incluir os anos de: 1879, 1880, 1892, 1895, 1901, 1906,
1918, 1934, 1936, 1937, 1940, 1943 e 1950, repare que apenas nos períodos
1879-80 e 1936-37 os EUA cresceram mais de 7,5% por dois anos seguidos, note
também a presença marcante de anos de guerra e da recuperação da Grande
Depressão na lista. Baixando ainda mais o sarrafo para 5% entram na lista os
anos de 1830, 1831, 1844, 1853, 1863, 1899, 1905, 1926, 1929, 1939, 1944, 1951,
1959, 1965, 1966 3 1984, mais uma vez não observamos sequencias de crescimento
capazes de configurar um milagre. Considerados os 216 anos entre 1801 e 2016 os
EUE cresceram mais que 5% em apenas 38 anos e em apenas dois casos o crescimento
acima de 5% ocorreu em três ou mais anos seguidos: na recuperação da Grande Depressão
entre 1934 e 1937 e no período da II Grande Guerra entre 1939-1944. De fato,
não há uma só década em que os EUA tenham crescido mais de 5% ao em média, nem
na década de 1950.
No Reino Unido a história não é muito diferente, assim como
nos EUA não há uma década entre 1801 e 2016 com crescimento médio acima de 5%
ao ano. No período o Reino Unido nunca cresceu mais que 10% ao ano, apenas em
1815, 1863, 1922, 1927, 1940 e 1941 o crescimento ficou entre 7,5% e 10%, entre
5% e 7,5% nos anos de 1807, 1810, 1827, 1835, 1844, 1856, 1894, 1915, 1934 e
1973. Dos 216 anos da amostra apenas em 17 a taxa de crescimento ficou acima de
5% ao ano. A figura abaixo mostra os dados.
Na Suécia, assim como nos EUA e no Reino Unido, não há
registro de uma década com crescimento médio acima de 5% ao ano. O único ano
com crescimento acima de 10% foi 1870, nos anos de 1810, 1883, 1906, 1946 e
1947 o crescimento ficou entre 7,5% e 10%, entre 5% e 7,5% em 1805, 1811, 1855,
1876, 1879, 1891, 1903, 1907, 1913, 1916, 1920, 1922, 1924, 1929, 1934, 1939,
1961, 1964, 1970 e 2010. Dos 2016 anos analisados em apenas 28 o crescimento
ficou acima de 5% ao ano, não há casos de três anos seguidos com mais de 5% de
crescimento. A figura abaixo mostra os dados da Suécia.
O número de países disponíveis para análise aumenta de forma
considerável se em vez de escolher 1801 como ponto de partida a escolha for
1901. Para não deixar o post ainda mais cansativo vou me limitar a dois países
nesse novo intervalo de tempo: Suíça e Austrália. No primeiro o crescimento
ficou acima de 10% em 1922, 1937 e 1946, entre 7,5% e 10% em 1924 e entre 5% e
7,5% em 1904, 1916, 1920, 1927, 1951, 1955, 1956, 1959, 1961 e 1970. Considerando
os 116 anos decorridos entre 1901 e 2016 a Suíça cresceu mais de 5% em 14 desses
anos. Não há registro de três ou mais anos seguidos com crescimento acima de
5%, o único caso de dois anos seguidos com esse crescimento foi 1955 e 1956,
não há caso de década com crescimento médio de mais de 5% ao ano. A figura
abaixo mostra a taxa de crescimento na Suíça.
Dos 116 anos analisados a Austrália cresceu acima de 10%
apenas em 1941 e 1942, não há caso de crescimento entre 7,5% e 10% e
crescimento entre 5% e 7,5% aconteceu em 1903, 1904, 1906, 1909, 1935, 1940 e
1984. No total o crescimento foi maior que 5% em 10 dos 116 anos considerados,
não há caso de década com crescimento médio de mais de 5% ao ano. A figura abaixo
ilustra os dados.
O contraste com a Ásia é claro, considerando os dados do
projeto Maddison a China cresceu em média 5,9% ao ano na década de 1990 e a uma
média de 8,6% ao ano na década passada. A Coreia cresceu em média 5,9% ao ano
na década de 1960, 6,7% ao ano na década de 1970, 7,8% ao ano na década de 1980
e 6,1% ao ano na década de 1990, foram quatro décadas seguidas crescendo a uma
média superior a 5% ao ano. O Japão cresceu a uma média de 7,6% ao ano na década
de 1950 e 9,3% ao ano na década de 1960. Singapura cresceu a uma média anual de
6,9%, 7,4% e 5,3% nas décadas de 1960, 1970 e 1980 respectivamente. Se
recordarmos que Estados Unidos, Suécia e Reino Unido não tiveram uma década
sequer de crescimento médio acima de 5% ao ano entre 1801 e 2016 e que
Austrália e Suíça também não tiveram esse crescimento em nenhuma das décadas entre
1901 e 2016 fica claro o contraste entre a experiência de crescimento desses
países e a experiência de crescimento dos países asiáticos no pós-guerra.
Talvez o caminho do Brasil, ou mesmo da América Latina como
um todo, não seja nem o dos países ricos do ocidente nem o dos milagres
asiáticos, é muito provável que “nuestra” América tenha de encontrar o próprio
caminho para riqueza. O ponto que tento fazer nesse post é que comparando o
quadro geral e as experiências anteriores de países como Brasil, Argentina, Colômbia
e México é muito mais provável que nosso caminho para riqueza envolva uma
marcha lenta e constante como a dos primeiros países analisados do que uma
marcha forçada como as da Ásia. Já tivemos nossa marcha forçada e não gostamos
dela, no que depender de mim andaremos devagar porque já tivemos pressa e já
choramos demais.
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