quinta-feira, 13 de julho de 2017

BNDES, Investimento e TLP

Nos últimos anos o BNDES assumiu o papel de financiador do desenvolvimento brasileiro. A ideia era usar o banco para criar grandes empresas, as chamadas campeãs nacionais, e garantir financiamento a juros bem abaixo do mercado para essas grandes empresas, projetos de infraestrutura e outras empresas que se qualificassem. O auge dessa estratégia aconteceu em 2010 quando o BNDES emprestou aproximadamente R$ 260 bilhões em valores de hoje. Nos anos seguintes os empréstimos do banco ficaram sempre acima de R$ 200 bilhões, com exceção de 2011 que ficou em torno de R$ 197 bilhões. Apenas em 2015, com a crise instalada, o volume de empréstimos caiu do patamar de R$ 200 bilhões ficando próximo a R$ 152 bilhões, em 2016 o volume de empréstimos caiu abaixo de R$ 100 bilhões voltando aos valores observados antes de 2008. A figura abaixo mostra os desembolsos do BNDES entre 2001 e 2016.




A figura também mostra a taxa de investimento no Brasil. Note que a partir de 2006, quando começou o uso do BNDES como motor do crescimento a taxa de investimento começa a subir. A queda brusca em 2009 reflete a crise financeira de 2008. O aumento dos empréstimos do BNDES parece ter conseguido reverter essa queda ou pelo menos adiar até 2014. Variações dessa figura são usadas para defender a atuação do BNDES, a tese é que sem o BNDES não teria ocorrido a elevação do investimento a partir de 2006 e, mais importante, não teria ocorrido a recuperação do investimento na sequência da crise de 2008.




Será que foi isso mesmo? Difícil de responder, no momento estou trabalhando em uma pesquisa com o Adolfo Sachsida visando dar uma resposta mais sólida a essa pergunta. Até lá aponto o que me leva a duvidar do papel central que alguns dão ao BNDES nesse processo. Comecemos com uma provocação. A figura abaixo repete a figura anterior, porém no lugar da taxa de investimento do Brasil aparece a taxa de investimento do Peru. Podemos contar uma história muito parecida a da primeira figura. A taxa de investimento começa a subir por volta de 2006, segue subindo até cair com a crise de 2008, se recupera e depois torna a cair. Ocorre que o BNDES não fica no Peru e é difícil imaginar que as ações do BNDES no Brasil possam ter determinado essa dinâmica na taxa de investimento peruana. O que causou essa trajetória no Peru? Seja lá o que tiver sido é razoável supor que também causou a trajetória da taxa de investimento no Brasil?




Eu poderia repetir o exercício para outros países da América Latina e Caribe, porém, para não abusar da paciência do leitor, passo logo para comparação da taxa de investimento no Brasil com a média da taxa de investimento dos outros países da América Latina e Caribe. Repare que a trajetória começa de forma bastante semelhante: crescimento a partir de meados da década passada e queda em 2008. A partir de 2008 as trajetórias mudam: no resto do continente não observamos a recuperação pós-crise foi bem menor que no Brasil, por outro lado não há uma queda tão intensa como no Brasil a partir de 2013. De fato, enquanto no Brasil já estamos bem abaixo de 2009 o resto da América Latina e Caribe está no nível de 2009. Em resumo: os bilhões do BNDES, quando muito, parecem ter adiado a queda, porém podem ter feito a queda mais drástica. Vale notar também que mesmo os bilhões do BNDES não conseguem fazer que nossa taxa de investimento dique acima da média do continente.

Os benefícios do uso do BNDES para financiar investimento parecem duvidosos e, quando muito, de curto prazo. Mas o que dizer dos custos? Comecemos com os mais óbvios: o custo fiscal dos subsídios. Desde 2015, por força de lei, o Ministério da Fazenda tem a obrigação de publicar na internet relatórios com os impactos fiscais das operações com o BNDES (link aqui). Por conta disso é possível encontrar dados oficiais relativos aos subsídios associados ao banco, aqueles que o Paulo Rebello de Castro, presidente do BNDES, afirma que, na realidade, não são subsídios (link aqui). Para fins de análise a Secretaria do Tesouro Nacional (STN), responsável pelo relatório, trabalha com duas categorias de subsídios: o subsidio financeiro ou explícito e o subsidio creditício ou implícito.

O subsidio financeiro, explícito, se refere à diferença entre a taxa de juros recebida pelo financiador dos empréstimos concedidos no âmbito do Programa de Sustentação do Investimento (PSI) e a taxa de juros paga pelo mutuário, essa diferença é paga pelo Tesouro e constitui em um subsidio explícito. O subsidio creditício, implícito, se refere a diferença entre o custo que o Tesouro tem para captar os recursos e a taxa que o BNDES paga ao Tesouro. Grosso modo no primeiro caso, subsídios explícitos, o tomador do empréstimo para uma taxa menor que a recebida pelo emprestador e a diferença é paga pelo Tesouro. Existe um desembolso que é contabilizado de forma explícita. No segundo caso o Tesouro pega emprestado a uma determinada taxa e empresta ao BNDES a uma taxa menor, não um desembolso explícito e, por isso, é chamado de subsidio implícito. A figura abaixo mostra os subsídios implícitos, explícitos e total entre 2009 e 2016.



Repare que o valor total dos subsídios chega a perto de R$ 40 bilhões em 2016. É muito dinheiro, para quem gosta de programas sociais é quase o dobro do Bolsa Família, para quem gosta de educação a soma é da ordem do que o governo gasta com as universidades federais, finalmente, para quem gosta de ficar com o próprio dinheiro, é mais do que o dinheiro das contas inativas do FGTS que o governo devolveu aos trabalhadores. Mas fica pior, como são operações de longo prazo, o custo dos subsídios continua pelos próximos anos mesmo que o BNDES para de fazer empréstimos hoje. A figura abaixo mostra as projeções de gastos com subsídios das operações já contratadas. É isso mesmo, já temos gastos contratados até 2060! Para uma política de benefícios duvidosos e de curto prazo os custos parecem bem claros e de longo prazo.



Os custos de subsídios não são os únicos associados a atuação do BNDES. Um custo particularmente grave é o de alocação de capital. Ao direcionar empréstimos a taxas muito abaixo do mercado para algumas empresas o BNDES acaba por definir como será feita a alocação de capital no país. Como está claro a alocação feita pelo BNDES leva em conta fatores políticos que não estão relacionados a ganhos de produtividade, mas, mesmo que não levasse em conta tais fatores haveriam distorções. Empresas menores tem dificuldades para enfrentar a burocracia necessária para consegui um empréstimo do BNDES, em meados do século XX isso poderia não ser um grande problema, no século XXI, onde grande parte das inovações chegam ao mercado por pequenas empresas, as famosas startups, essa distorção pode ter ume feito avassalador. Não é fácil medir o custo causado pela má alocação de capital, uma maneira de aproximar esse custo é observar a trajetória da produtividade no Brasil e em outros países. A figura abaixo faz isso, note que nossa produtividade é baixa e está caindo de forma mais intensa que em outros países, em particular note que dos quatro países da amostra somos os únicos onde ocorreu queda de produtividade quando comparamos 2014 e 2001.




Existem ainda outros custos associados ao BNDES. Dentre eles vale registrar o efeito na política monetária e na concentração regional e pessoal de renda. Ao isolar parte do financiamento do investimento dos efeitos da política monetária o BNDES acaba levando o Banco Central a elevar a taxa de juros mais do que seria necessário se todos estivessem sujeitos aos efeitos da política monetária. É como se os “sem BNDES” tivesse de apertar o cinto por eles e pelos “com BNDES”. Ao concentrar o financiamento em grandes empresas o BNDES aumenta a concentração de renda agindo como um Robin Hood ao contrário e, como tais empresas estão concentradas nas regiões mais ricas do país, o BNDES acaba por tornar mais desigual a distribuição regional da renda.

Resolver tudo isso é uma tarefa hercúlea. Uma alternativa seria simplesmente encerrar as atividades do BNDES, apesar de muito cara aos liberais, esse blogueiro é um liberal, a proposta não parece viável do ponto de vista político. Excluída a hipótese de fechar ou privatizar o BNDES sobra tentar diminuir os custos e aumentar os benefícios da ação do banco. É nesse contexto que entra a MP 777 que cria a TLP em substituição a TJLP. A TLP será a nova taxa de juros cobrada pelo BNDES. Ao contrário da TJLP que é definida administrativamente e costuma ficar abaixo da taxa que o Tesouro usa para captar os recursos que empresta ao BNDES a TLP refletirá o custo de captação do Tesouro. De cara acaba o subsídio implícito, o maior e mais opaco subsídio pago ao BNDES. Estritamente falando o subsídio implícito permite que o presidente do BNDES tenha o poder de realizar gastos públicos em montantes superiores ao do Bolsa Família ou dos gastos com as universidades federais sem ter de pedir autorização ao Congresso. Tal mecanismo é um ataque ao regime de repartição de poderes que está na base de nossa República.

Para tristeza dos liberais, com a possível exceção de José Rabello de Castro, a TLP não tira a característica do banco de desenvolvimento do BNDES. O BNDES continuará ofertando com juros abaixo do praticado no mercado, o BNDES continuará ofertando crédito para programas de baixo retorno financeiro e alto retorno social, o BNDES poderá continuar financiando atividades de alto risco e grande potencial de inovação, a TLP oferece um seguro contra aumento da taxa de juros real e etc., enfim, o BNDES continua sendo um banco de desenvolvimento. O que acaba ou fica drasticamente reduzido é o custo fiscal e o poder excessivo da burocracia do banco para destinar dezenas de bilhões de reais a empresários amigos. Mesmo a possibilidade de uso político do banco continua presentes, na verdade tal possibilidade vai existir enquanto o banco existir.

Alguns amigos talvez achem que a TLP é uma mudança pequena, não creio que seja. Pode estar aquém do desejado, mas uma mudança importante que vai na direção correta.



3 comentários:

  1. Parabéns, professor! Excelentes e sempre muito didáticos os teus posts. Abraço!

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  2. Boa tarde, qual foi a série de desembolso do BNDES que você usou para fazer a análise?

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    1. A que está disponível na página do BNDES, salvo engano nesse link: https://www.bndes.gov.br/wps/portal/site/home/transparencia/estatisticas-desempenho/desembolsos

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