Nos últimos meses vários economistas se manifestaram a
respeito da volta de um imposto sobre transações nos moldes da infame CPMF. Vídeo do Marcos Lisboa na Globonews com críticas duras e consistentes ao imposto sobre transações (link aqui), Armínio
Fraga declarou à Jovem Pan que “Qualquer imposto na linha do CPMF é um lixo” (link aqui), Bernardo Appy
não poupou de críticas a proposta de Imposto Único sobre Transações Financeiras
que corretamente classificou como desastrosa (aqui e aqui), Affonso Pastore, no
Estadão, chamou impostos na linha da CPMF de “esparrela simplista” (link aqui) e,
finalmente, Maílson da Nóbrega, na Veja fala de tributo disfuncional (link
aqui). A lista pode crescer com mais tempo no Google, na Folha tem textos do Marcos Lisboa que não cito porque não tive acesso e não pude ler.
Empenhado em seguir colecionando avaliações a respeito de
impostos sobre transações saí do Google e fui para o Ideas/Repec (link aqui)
procurar textos acadêmicos. O mais recente que encontrei é de 2019, foi citado pela
Pastore no artigo do Estadão e creio que eu já tinha compartilhado no FB.
Trata-se de um artigo do Felipe Restrepo publicado no Journal of International
Money and Finance (link aqui). Nele o autor usa a experiência de países da
América Latina para avaliar o impacto de taxar transações bancárias sobre o crédito
e o crescimento industrial. Já no abstract ele deixa claro o que encontrou:
“I find
that taxing bank transactions has a significant negative effect on economic
growth, mainly by reducing the growth prospects of industries that are more
susceptible to financing frictions.”
O tipo de imposto que o governo parece querer trazer de
volta tem impacto negativo no crescimento econômico. O autor identifica uma
redução no crédito disponível para o setor privado com aumento da retenção de
dinheiro vivo e redução do uso de depósitos bancários. Essa redução no crédito
afeta o crescimento penalizando principalmente indústrias mais sensíveis a
distorções no mercado de crédito. O autor faz testes para verificar se os
resultados são robustos e se não podem ser explicados por outros fatores, esses
testes não mudam a conclusão que imposto sobre transações reduz crescimento.
Andrei Kirilenko e Victoria Summers escreveram um capítulo
do livro “Taxation of Financial Intermediation: Theory and Practice for
Emerging Economies” intitulado “Bank Debit Taxes: Yield versus
Disintermediation” (link aqui). Não tive acesso ao livro completo, no capítulo
em questão os autores encontram que a introdução de impostos sobre depósitos
bancários aumentou a quantidade de dinheiro fora dos bancos e que estimulou a
abertura de contas bancárias em outros países. Os autores também encontraram
evidências de criação de novos tipos de operações para driblar o imposto, entre
elas passar o mesmo cheque várias vezes antes de descontá-lo. Os autores concluem
que as perdas de peso morto relacionadas a esses impostos foram altas e que
houve desintermediação financeira na maioria dos países que adotaram o imposto.
Esses últimos efeitos não foram encontrados no Brasil, os autores acreditam que
por falta de dados, a isso eu acrescentaria que as altíssimas taxas de juros da
época podem ter amenizado os efeitos da CPMF. Com as taxas de juros atuais os estragos da
nova CPMF, parece que vai se chamar CP, devem ser bem maiores.
Em um texto intitulado “The Rates and Revenue of Bank
Transaction Taxes” que está na série de textos para discussão da OCDE, Jorge
Baca-Campodónico, Luiz de Mello e Andrei Kirilenko também estudam as
experiencias da América Latina com impostos sobre transações (link aqui). Os autores encontram
que para uma dada alíquota os valores arrecadados caem com o tempo de forma que
para manter a arrecadação a alíquota precisa subir de tempos em tempos. Fica
pior, os aumentos sucessivos de alíquotas não compensam a redução da base de
arrecadação e quanto mais rápido ocorrem, mais rápido a base de arrecadação
diminui. A redução da base ocorre por conta das mudanças de comportamento que
comentei nos parágrafos anteriores. Vale ressaltar que esse comportamento da
arrecadação pode justificar o apelo para esse tipo de impostos em casos de emergência,
mas deixa claro o erro de colocá-lo como parte de uma reforma que pretende
reorganizar o sistema tributário do país.
A conclusão que tais impostos podem funcionar em tempos de
crise por levantarem receitas rapidamente pode ser encontrada em um texto
assinado por Isaias Coelho, Liam Ebrill e Victoria Summers disponível na página
do FMI (link aqui). Em 2001 ainda não era possível avaliar os efeitos de médio
e longo prazo dos impostos sobre transações, mas os autores alertam para distorções
alocativas e para o risco de desintermediação financeira. Vale registrar que autores recomendam
evitar esse tipo de tributo.
Também em 2001, Sérgio Mikio Koyama e Márcio Nakane escreveram
o texto “Os Efeitos da CPMF sobre a Intermediação Financeira” (link aqui) para
a série de trabalhos para discussão do Banco Central. As conclusões dos autores
foram que: “i) a CPMF corrói a sua própria base de arrecadação; ii) a CPMF
reduziu o número de cheques utilizados na economia; iii) o efeito da CPMF sobre
o M1 é positivo, porém de pequena magnitude; iv) do ponto de vista de alocação
de SRUWIROLR, a CPMF provocou um deslocamento das aplicações financeiras dos
depósitos a prazo para os fundos financeiros; v) a CPMF aumenta o VSUHDG
bancário bruto e reduz o VSUHDG bancário líquido, implicando uma menor
rentabilidade para todas as partes envolvidas, ou seja, para os tomadores de
empréstimos, aplicadores e os intermediários financeiros.” Cabe registrar que
taxas de juros de 2001 eram bem mais altas que hoje, naquele ano a meta para
Selic variou entre 15,25% e 19% contra 6% de hoje. Com taxas maiores o efeito
da CPMF nos empréstimos fica menos perceptível.
Estudando o caso da Colômbia Luis Ignacio Lozano e Jorge
Enrique Ramos escreveram o texto “Análisis sobre la incidencia del impuesto del
2 x 1000 a las transacciones Financieras” (link aqui) que está disponível na
página do Banco de la República, o Banco Central da Colômbia. Assim como outros
artigos foi encontrado o padrão de arrecadação alta logo após a implementação
do imposto com queda na sequência. Padrão compatível com a tese que as famílias
e as empresas reagem ao imposto buscando formas de driblar as transações que
passam a ser tributadas. Os autores destacam a queda no número de cheques compensados.
Também é observada uma mudança na composição nos portfólios das famílias e empresas.
O artigo “Bad Taxation: Disintermediation and Illiquidity in
a Bank Account Debits Tax Model” do Pedro Albuquerque e publicado no “International
Tax and Public Finance” (link aqui) não podia ficar de fora. O BAD em “BAD taxation” é um acrônimo
para “bank account debits” que não foi escolhido por acaso e dá bem o tom das
conclusões do artigo. O autor usa um modelo de equilíbrio geral dinâmico e faz
avaliações empíricas de experiências com impostos sobre transações. As
conclusões apontam para sensibilidade da base de incidência em relação às
alíquotas, aumento na taxa de juros e perdas de peso morto altas mesmo para
receitas pequenas. Assim como Isaias Coelho, Liam Ebrill e Victoria Summers o
autor não recomenda ouso desse tipo de impostos para aumentar receitas.
Essa breve revisão de literatura termina com um artigo
escrito por William D. Lastrapes e George Selgin e publicado em 1997 no The
Journal of Economic History intitulado “The Check Tax: Fiscal Folly and the
Great Monetary Contraction” (link aqui). O artigo trata de uma taxa de dois cents por cheques
que valeu entre junho de 1932 e dezembro de 1934 nos EUA. Os autores concluem
que a taxa contribuiu para a contração monetária da época. A conclusão termina
com um registro sobre a irresponsabilidade dos legisladores que aprovaram a
taxa mesmo tendo recebido alertas sobre o efeito da taxa na economia. Preferiram
acreditar nas promessas de Andrew Mellon, então secretário do Tesouro, que a
taxa era inofensiva. Curiosamente a taxa foi rejeitada pelos deputados e ressuscitada
por senadores. Espero que nossos legisladores sejam mais responsáveis que os
dos EUA do começo da década de 30.
Espero que a pequena revisão de literatura que fiz nesse
post tenha convencido os leitores a respeito dos efeitos nefastos de impostos
sobre transações na economia, especialmente em relação ao uso do sistema
financeiro. Considerando o Brasil de hoje temos um agravante. Desde 2016
começamos uma série de reformas visando fortalecer o financiamento privado no país.
Nessa leva estão, por exemplo, o cadastro positivo, a redução dos recursos
disponibilizados ao BNDES e a substituição da TJLP pela TLP reduzindo a
atratividade do BNDES. A ideia é que o Brasil pós-crise tenha um sistema de
financiamento mais saudável, mais acessível e menos dominado pelo compadrio.
Tenho certeza que a atual equipe econômica concorda com esse diagnóstico.
Colocar um imposto sobre transações é um desserviço ao esforço
de fortalecer o financiamento privado. Some-se a isso as alíquotas altas, falam
de 0,5% ou 0,6% nas duas pontas contra 0,38% da antiga CPMF, e as taxas de
juros baixas e a imagem da bomba atômica usada pelo secretário especial da
Receita Federal pode muito bem ser usada para o sistema financeiro. Jogar uma
bomba atômica no mercado de intermediação financeira será um dos maiores ataques
à agenda de reformas desde que ela foi retomada com a chegada de Temer ao Planalto.
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