segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

É uma pena, mas a Argentina não é um bom exemplo a ser seguido.

Semana passada o processo de reformas na Argentina foi interrompido por protestos ditos populares (link aqui), especificamente os protestos impediram a aprovação da reforma da previdência proposta pelo presidente Macri. Não vou analisar os méritos da proposta, pelo que vi tem um aumento da idade mínima de aposentadoria, por lá isso existe, e uma redução dos prazos de reajustes das pensões que atualmente são semestrais e passariam a ser trimestrais. O aumento da idade me parece uma medida necessária, queiramos ou não os sistemas previdenciários vão ter de se adaptar às mudanças demográficas. O reajuste trimestral me parece um equívoco, reduzir prazos de reajustes alimenta a inércia inflacionária e deixa ainda mais difícil controlar a inflação que por lá já anda em absurdos 25% ao ano. Pelo que entendi a confusão foi por uma malandragem na mudança da regra de reajuste que adiaria a correção e implicaria em perdas reais para os aposentados, coisas de países que vivem com inflação gigantesca. Mas uma análise da proposta exigiria um estudo do que exatamente está sendo proposto e quais os efeitos nas contas públicas argentinas, coisa que não estou em condições de fazer.

O que me chamou atenção foi a reação de certos setores aqui no Brasil. Talvez empolgados pelo fato que alguns argentinos gritavam que “aqui não é Brasil”, alguns brasileiros resolveram dizer que deveríamos ser como a Argentina. Em um universo paralelo talvez fizesse sentido querer ser como nossos vizinhos, um universo alternativo onde os argentinos não teriam cometido um suicídio econômico de longo prazo acabando com uma economia que já foi próspera. Mas no universo em que vivemos é melhor sermos Brasil. A figura abaixo mostra o desastre econômico de longo prazo vivido na Argentina, nela o PIB per capita argentino aparece como proporção do brasileiro e do PIB per capita da América Latina e Caribe. Usei dados em dólares de 2010 porque nem o Banco Mundial nem o FMI possuem séries longas de PIB per capita corrigido por paridade de poder de compra (PPP) e as séries de PIB com correção de PPP que a PWT tem para o Brasil não são confiáveis, minto, as séries estão erradas.





Em 1960 o argentino médio tinha uma renda 65% maior que o brasileiro médio e 55% maior que o latino americano médio, em 2015 o argentino médio tinha uma renda um pouco menor que a do brasileiro médio e 13% maior que o latino americano médio. Será mesmo que devemos ser como os argentinos? Será que devemos ir para as ruas barrar reformas importantes? Se aqui existe a desculpa da falta de legitimidade do Presidente da República, uma tese que ignora que a aprovação das reformas é feita pelo Congresso, lá nem isso pode ser dito. Macri derrotou a líder das esquerdas argentinas nas eleições presidenciais e repetiu a dose nas recentes eleições legislativas. Por certo isso não é motivo para que a população aceite todas as propostas de Macri, mas não há como falar em falta de legitimidade para propor reformas.

Um outro problema crônico que afeta a Argentina é a inflação, é tudo tão confuso que mesmo os dados são difíceis de obter. O Banco Mundial não mostra a inflação ao consumidor medida nos últimos anos na Argentina, para não ficar sem referência usei o deflator do PIB como forma de aproximar uma comparação de inflação. O deflator do PIB não é uma medida adequada de inflação ao consumidor pois considera a “cesta produzida” no lugar da “cesta consumida” de forma que não capta de modo adequado o aumento do custo de vida dos moradores do país, por outro lado o deflator é o índice usado para deflacionar o PIB. A figura abaixo mostra a inflação medida pelo deflator do PIB para o Brasil, a Argentina e a América Latina e Caribe.




É fácil ver que os argentinos estão diante do desafio considerável de reduzir a inflação no meio de um período de crises na economia. Os protestos que impediram a aprovação da reforma da previdência proposta por Macri encheram os olhos de setores de nossa esquerda, infelizmente a reação a reformas mostra um apego a um conjunto de leis e instituições que acompanharam a Argentina durante as várias crises que formaram o desastre econômico que eles viveram no século XX (para conhecer melhor as crises econômicas da Argentina recomendo o livro “Las crisis económicas argentinas: Una historia de ajustes y desajustes” de Miguel Kiguel com colaboração de Sebástian Kiguel). Assim como o Brasil a Argentina precisa de reformas para enfrentar o futuro, se lá a resistência às reformas é ainda maior que por aqui é algo que lamento. Aliás a esquerda brasileira tivesse ido as ruas com força em 2015 talvez tivéssemos, além da crise, um problema inflacionário como o deles, com uma crise e uma inflação por aqui talvez nós estivéssemos lamentando que “a Argentina é aqui”.


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