sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

Produtividade: As empresas brasileiras precisam de mais competição.


Um tema que considero central para a economia brasileira e que eu sempre coloco em destaque nas palestras que apresento pelo Brasil é a questão da produtividade. Aqui no blog já tratei do tema em outros posts (aqui, aqui e aqui para alguns exemplos). Nas apresentações começo o tema comparando o desempenho da produtividade no Brasil, na Coreia do Sul e nos EUA, deixo claro que comparar com a Coreia é apelação, mas que é válido por ilustrar a diferença entre o crescimento da produtividade em um país que deu certo no processo de convergência para um país rico e em um país que não conseguiu completar esse processo. A comparação está na figura abaixo.




As linhas foram feitas de forma que todos os países começam de cem em 1970, dessa forma a figura não diz nada sobre o nível da produtividade e só serve para comparar crescimento da produtividade nos três países. O que se espera de um país emergente que entre em trajetória de crescimento é um crescimento da produtividade maior que o observado nos EUA, uma das explicações para isso é que nos EUA a produtividade cresce apenas com a criação de novas tecnologias enquanto em um país emergente o crescimento da produtividade pode ocorrer por conta de novas tecnologias e/ou adoção de tecnologias já existentes. A Coreia é um bom exemplo de país que conseguiu um ritmo de crescimento da produtividade superior ao dos EUA. Países com um crescimento de produtividade entre a linha azul, que representa o crescimento da produtividade nos EUA, e a linha marrom, que representa o crescimento da produtividade na Coreia, também podem ser chamados de caso de sucesso. Países com a linha de crescimento da produtividade abaixo da linha azul estão com problemas, é o caso do Brasil onde o crescimento da produtividade é representado pela linha verde. Note que nossa produtividade em 2014, último ano da série, é menor que em 1970. Outras fontes de dados dão resultados menos drásticos, mas o padrão de quase estagnação é o mesmo (para quem se interessar pelo tema ver o link aqui).

Comparações com mais países reforçam a tese que a produtividade no Brasil é baixa. Na figura abaixo comparo o Brasil com os países de renda média alta com mais de cinco milhões de habitantes que constam nas bases de dados do Banco Mundial e da Penn World Table. Dos dezenove países da amostra apenas Paraguai, Tailândia e China possuem produtividade menor que a do Brasil, fica pior, nos três países menos produtivos que o Brasil a produtividade cresce mais do que por aqui. No caso da China, tal como a Coreia do passado, a produtividade cresce mais do que a dos EUA.




A verdade é que hoje existem poucos economistas que discordem que a produtividade no Brasil é baixa e cresce pouco e que esse é um dos maiores, se não o maior, desafio para que tenhamos uma trajetória de crescimento de longo prazo que nos aproxime de países ricos. Se hoje existe pouca polêmica quanto ao diagnóstico o mesmo não pode ser dito em relação ao tratamento. Uma lida em blogs e colunas de jornais assinadas por economistas interessados no tema apresenta uma série de soluções para questão, algumas dessas soluções são complementares outras podem até ser excludentes. Não é difícil encontrar textos colocando capital humano, infraestrutura, estímulo a indústria de transformação e uma série de outras medidas que isoladamente ou combinadas podem resolver o problema da nossa baixa produtividade. Cada uma dessas variáveis pode contar parte da história (tenho dificuldades de comprar a tese da indústria de transformação, mas isso é assunto para outro post), mas creio que sem um ingrediente chave nenhuma medida vai resolver o problema. O ingrediente a que me refiro é competição.

Edward Prescott, prêmio Nobel de Economia em 2004, afirma que a principal causa para explicar o desempenho da produtividade é a grau de resistência a adoção de novas tecnologias e ao uso eficiente das tecnologias existentes, esse grau de resistência está associado a arranjos institucionais de uma determinada sociedade (link aqui). O grau de competição entre as firmas é uma das peças fundamentais desse arranjo, em uma sociedade com pouca competição entre firmas os incentivos para adotar tecnologias e usar de forma eficiente as tecnologias existentes podem de ser tal monta que a firma prefira ser ineficiente. Tanto adotar tecnologias novas quanto usar tecnologias de forma eficiente tem custos e sem a pressão de um concorrente pode não ser interessante incorrer em tais custos para ganhar eficiência.

Se aceitarmos a tese de que competição é a chave para o crescimento da produtividade, deixo essa decisão para cada leitor, o principal desafio para resolver nosso problema de baixa produtividade é aumentar a competição entre as firmas brasileiras. O aumento da competição pode ocorrer por meio de forças internas e/ou externas. Por forças internas falo de facilitar a entrada de novas firmas no mercado brasileiro, por forças externas falo de abrir a economia para que nossas empresas tenham de competir com empresas em outros países. Estamos mal nos dois critérios.

O ambiente de negócios do Brasil está longe do ideal, de fato pode ser considerado hostil (link aqui). Em relação a facilidade de fazer negócios ocupamos a 109º posição em uma lista de 190 países, estamos entre Papua-Nova Guiné e o Nepal. Para que o leitor tenha uma melhor ideia de nossa posição registro que o México aparece no 54º lugar, o Chile no 56º, a Colômbia está na 65º posição e o Peru na 68º. A China está na 46º posição. No quesito “começar um negócio” estamos na 140º posição, para conseguir permissão para construção nossa posição é a 175º e para pagar impostos estamos na 184º posição. A figura abaixo compara o Brasil com os países de renda média alta nos vários quesitos analisados, na maioria deles estamos abaixo da média do grupo. Para aumentarmos a competição interna é urgente fazer reformas que melhorem o ambiente de negócios e reduzam as barreiras a entrada de novas firmas no mercado.



A outra opção para aumentar a competição é abrir a economia. Tratei do tema em outros postos do blog (aqui e aqui). A figura abaixo mostra a tarifas média no Brasil comparada com a de outros países de renda média alta, os links que coloquei mostram outros critérios de abertura da economia, é fácil constatar que estamos bem acima da média no quesito protecionismo. Dos países listados na figura abaixo apenas Irã e Venezuela possuem tarifas médias maiores do que a nossa.




Sempre que falo em abrir a economia aparece alguém dizendo que isso seria o tiro de misericórdia na indústria nacional. Essa é uma discussão gigantesca que foge ao propósito desse post, mas vale registrar que o padrão de queda da participação da indústria de transformação no PIB, seja lá o que isso estiver medindo, está presente na América Latina, mas no México, desde 2005 o padrão não aparece. A figura abaixo ilustra esse fenômeno. Para quem não lembra em 2005 nossos defensores da indústria comemoram a implosão do tratado que criaria o livre comércio em toda a América deixando o acordo restrito aos países da América do Norte. É curioso que em 2018 López Obrador o presidente esquerdista do México queira manter o tratado enquanto Donald Trump, eleito pelo Partido Republicano, queira rever o tratado alegando que o México está tomando empregos industriais dos EUA. Talvez abertura não faça tão mal a indústria como pensam alguns aqui pelo Brasil.



Um último ponto interessante diz respeito ao timing das reformas. Os economistas Jose Asturias, Sewon Hur, Timothy Kehoe e Kim Ruhl argumentam que a ordem das reformas importa (link aqui). Segundo eles o ideal seria primeiro abrir a economia e depois facilitar a entrada de novas no mercado. A abertura coloca um filtro mais restritivo nas empresas que vão sobreviver no mercado, empresas pouco produtivas podem ser expulsas pela competição das empresas estrangeiras. Se isso for verdade uma agenda de reformas que primeiro facilite a criação de empresas e depois faça a abertura da economia pode gerar frustrações a medida que algumas das empresas criadas serão expulsas do mercado após a abertura*. Não sei com certeza o quanto desse argumento pode ser aplicado ao Brasil, mas estou convicto que devemos fazer as reformas necessárias para aumentar o grau de competição no Brasil. Sem isso temo que outras medidas adotadas para estimular a produtividade não tenham o sucesso desejado e até acabem atrapalhando.


*No artigo o argumento vai na direção que se a abertura vier primeiro empresas menos produtivas não vão nem chegar a entrar no mercado, isso ocorre porque os autores não modelam a decisão da firma sair do mercado. De toda forma vale que abrir primeiro e depois facilitar a entrada tem um impacto maior que a ordem contrária por conta do filtro a empresas pouco produtivas que é imposto pela abertura.


segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Carta Brasil - Um conjunto de propostas para o novo governo

Hoje foi divulgado um documento assinado por vários economistas com propostas para o Brasil, o documento, chamado Carta Brasil, será entregue a Paulo Guedes, futuro ministro da Economia, recebeu ampla divulgação na imprensa, em uma pesquisa rápida encontrei referências a Carta Brasil em veículos como Valor Econômico (link aqui), Estadão (link aqui), Revista Exame (link aqui) e Infomoney (link aqui). Longe de representar um consenso, que seria impossível, a Carta Brasil aponta direções que refletem uma opinião média dos participantes do grupo. Eu poderia listar facilmente algumas propostas das quais discordo, mas deixo isso para outra ocasião, no momento compartilho com os leitores a apresentação escrita pelo amigo Flávio Ataliba Barreto, o herói que é o principal responsável pela existência do grupo de carta, e um link para o texto completo da Carta Brasil (link aqui).

Apresentação
Flávio Ataliba Barreto

Imaginem mais de duzentos economistas a conversar e a debater em seus celulares todos os dias sobre os mais diversos problemas econômicos do país e do mundo. Isso só é possível graças à revolução digital e seus aplicativos que, nos últimos anos, vêm possibilitando a conexão, em tempo real, de um grande número de pessoas. Aproveitando o surgimento dessa nova tecnologia digital, em 13 de agosto de 2015 foi criado no Ceará, inspirado no dia do economista, um grupo de economistas usando a plataforma do whatsapp, que rapidamente teve várias adesões, até chegar ao formato atual, nomeado Economistas do Brasil.

O início dos debates do grupo coincide, entretanto, com o aprofundamento da crise econômica no Brasil, iniciada já em 2014 e que se agrava com o impeachment da Presidente Dilma em 2016, tendo consequência até os dias atuais. É nesse ambiente de incertezas econômicas e instabilidade política que os Economistas do Brasil intensificaram as discussões, procurando levantar e compartilhar diagnósticos dos problemas, assim como apontar possíveis soluções. Evidentemente, mesmo que o grupo seja formado majoritariamente por economistas com forte formação em teoria econômica e ótimo domínio das ferramentas de análises quantitativas, muitas vezes, durante os debates internos, observou-se entendimentos um pouco diferentes sobre certas questões, isso fruto da própria complexidade dos fenômenos econômicos e sociais envolvidos nas discussões.

Por outro lado, a riqueza dos debates realizados gerou também grandes convergências na compreensão das principais causas dos diversos problemas e possíveis soluções, como a necessidade de se dar sustentabilidade às contas públicas. Isso de alguma forma contagiou a todos no sentido que se mostrou viável redigir um documento condensando as ideias debatidas. O primeiro passo foi a realização de um seminário de dois dias que ocorreu no final de janeiro de 2018, no Rio de Janeiro, em que mais de 70 economistas reunidos, discutiram de forma mais detalhada vários temas como a questão tributária, mercado de trabalho, previdência, comércio exterior, entre outros, que estão apresentados nessa carta, intitulada Carta Brasil.

A partir desse seminário, foi iniciada a elaboração desse documento em que se procurou condensar o pensamento médio do grupo nos diversos temas. Conscientes de que o debate sobre a sucessão presidencial nas eleições de 2018 iria colocar em discussão várias dessas questões o objetivo inicial foi ainda mais fortalecido no sentido de querer apresentar ao próximo Presidente eleito um conjunto de ideias concatenadas que possam ajudar o Brasil a superar os tempos difíceis presentes e futuros.

A Carta Brasil constitui-se assim do esforço de cada um, seja de forma direta escrevendo os textos, ou indiretamente através de opiniões e comentários durante os debates no grupo. Este documento não tem a pretensão de querer representar de forma fidedigna a opinião de cada um, o que é mesmo impossível, mas colocar em grande relevo as diretrizes gerais de um pensamento o mais próximo da ideia comum daqueles que o subscrevem. De fato, o mais importante de todo esse processo, materializado agora nessa Carta, é o desejo de colaborar e oferecer de forma honesta e desapaixonada ideias que possam efetivamente contribuir para o progresso do país e a melhoria de vida do povo brasileiro.


sexta-feira, 9 de novembro de 2018

Sem milagres nem marchas forçadas, é devagar que vamos mais longe.


Fiz um post no FB onde comentei uma entrevista de Winston Ling (link aqui) e registrei que apesar de concordar com as linhas gerais apresentadas na entrevista me incomodei com a referência a China pois não acredito que a maioria dos brasileiros queiram viver em uma nova China e que eu definitivamente não quero que o Brasil vire uma espécie de China. Vários amigos me alertaram que a referência a China era no sentido do crescimento econômico em contraponto a hipóteses que fosse em termos de instituições. Fiquei meio sem graça de dizer aos amigos que eu me referia ao crescimento econômico, isso mesmo, eu não quero que o Brasil busque uma trajetória de crescimento chinesa. Por certo não digo isso por conta do crescimento propriamente dito, mas por conta do que seria necessário para obter tal trajetória.

O crescimento da China vem de uma combinação de abertura para o setor privado, altas taxas de poupança e forte presença do estado nas decisões de investimento. A aparente contradição entre abertura para o setor privado e a forte presença do estado na economia é desfeita quando consideramos o ponto de partida da China. Depois de uma das mais brutais e desastrosas tentativas de implementar uma economia planificada o Partido Comunista Chinês percebeu que aquilo não levaria a lugar algum e começou um processo de abertura para investimentos privados, porém esse processo não retirou do estado o papel de condutor do processo de crescimento econômico. Nesse sentido a China de hoje vive uma experiencia similar a do Brasil do começo da década de 1970 onde o estado “comandava” uma dinâmica de crescimento que passou para história como Milagre Econômico. O que veio depois do Milagre não foi o paraíso das riquezas, pelo contrário, passamos a viver em um inferno econômico com direito a décadas perdidas, hiperinflação, calote de dívida pública e etc.

Não estou dizendo que esse será o destino da China, existem diferenças importantes que podem permitir que a China siga o rumo do Japão e da Coreia em vez de seguir o rumo do Brasil e da América Latina. Tais diferenças passam pela taxa de poupança absurdamente alta e um sistema de educação que parece ser bem superior ao brasileiro, pelo menos considerando os dados do PISA. Se isso vai ser suficiente é assunto para outro post, da minha parte creio que sem uma profunda mudança nas instituições de forma a garantir liberdades individuais a China não vai muito além de onde está em termos de PIB per capita, mas entendo quem discorda da minha avaliação. A questão desse post não é sobre a China, a questão é saber se um novo milagre econômico levará o Brasil ao paraíso ou nos manterá no inferno em que estamos.

Minha avaliação é que um novo milagre nos levará a um novo desastre. Para começo de conversa não vejo como ter poupança asiática sem desmontar a rede de proteção social aprofundada desde a redemocratização, mas existente desde muito antes. Basta ver a dificuldade para aprovar a reforma da previdência para que tenhamos noção de onde vai dar uma tentativa de acabar ou reduzir significativamente iniciativas como o SUS, o bolsa família, a rede de universidades públicas, as férias remuneradas, o seguro desemprego e tantas outras políticas públicas que tornam quase impossíveis níveis de poupança pública e privada com padrões asiáticos. Qual o nível de repressão necessário para reduzir drasticamente os ditos direitos sociais e trabalhistas? Qual o nível de repressão necessário para desmontar a rede de proteção social? Não sei e não quero pagar para saber.

Creio que se o Brasil quiser entrar em uma trajetória de crescimento deve esquecer os milagres asiáticos e buscar inspiração nos casos de sucesso dos Estados Unidos e Europa ou mesmo Austrália. Digo isso desde muito tempo, a referência mais antiga que encontrei em tempos de “print ou não aconteceu” foi uma matéria da Exame de 2010 (link aqui) onde digo que o Brasil não deve buscar crescimento chinês e que insistir nesse caminho acabaria levando a uma crise. Muita coisa mudou de lá ´para cá, mas não mudei minha avaliação, pelo contrário, a busca pelo PIBão nos levou a uma gigantesca crise e reforçou minha impressão que naõ devemos buscar milagres.

Para ilustrar a experiência de crescimento dos países hoje ricos usei a base de dados do projeto Maddison (link aqui) que apresenta dados de crescimento para vários países por um longo período de tempo. Selecionei nessa base todos os países com PIB per capita cima de $30.000 em 2016, depois escolhi os que tinham dados completos desde 1801, fiquei com Reino Unido, Itália, Suécia e Estados Unidos, por conta de anomalias no período da II Guerra retirei a Itália da amostra.

A figura abaixo mostra a taxa de crescimento dos EUA entre 1801 e 2016. Note que são poucos os anos em que os EUA cresceram mais de 10%, para ser preciso isso aconteceu em 1909, 1916, 1923, 1935, 1941 e 1942. Em 1909 a economia se recuperava de uma queda de 9,9% ocorrida em 1908, em 1935 era a recuperação da sequência de quedas iniciadas em 1930 com a Grande Depressão, 1941 e 1942 foram anos de guerra. Se baixarmos o sarrafo para um crescimento de 7,5% a lista passa a incluir os anos de: 1879, 1880, 1892, 1895, 1901, 1906, 1918, 1934, 1936, 1937, 1940, 1943 e 1950, repare que apenas nos períodos 1879-80 e 1936-37 os EUA cresceram mais de 7,5% por dois anos seguidos, note também a presença marcante de anos de guerra e da recuperação da Grande Depressão na lista. Baixando ainda mais o sarrafo para 5% entram na lista os anos de 1830, 1831, 1844, 1853, 1863, 1899, 1905, 1926, 1929, 1939, 1944, 1951, 1959, 1965, 1966 3 1984, mais uma vez não observamos sequencias de crescimento capazes de configurar um milagre. Considerados os 216 anos entre 1801 e 2016 os EUE cresceram mais que 5% em apenas 38 anos e em apenas dois casos o crescimento acima de 5% ocorreu em três ou mais anos seguidos: na recuperação da Grande Depressão entre 1934 e 1937 e no período da II Grande Guerra entre 1939-1944. De fato, não há uma só década em que os EUA tenham crescido mais de 5% ao em média, nem na década de 1950.



No Reino Unido a história não é muito diferente, assim como nos EUA não há uma década entre 1801 e 2016 com crescimento médio acima de 5% ao ano. No período o Reino Unido nunca cresceu mais que 10% ao ano, apenas em 1815, 1863, 1922, 1927, 1940 e 1941 o crescimento ficou entre 7,5% e 10%, entre 5% e 7,5% nos anos de 1807, 1810, 1827, 1835, 1844, 1856, 1894, 1915, 1934 e 1973. Dos 216 anos da amostra apenas em 17 a taxa de crescimento ficou acima de 5% ao ano. A figura abaixo mostra os dados.




Na Suécia, assim como nos EUA e no Reino Unido, não há registro de uma década com crescimento médio acima de 5% ao ano. O único ano com crescimento acima de 10% foi 1870, nos anos de 1810, 1883, 1906, 1946 e 1947 o crescimento ficou entre 7,5% e 10%, entre 5% e 7,5% em 1805, 1811, 1855, 1876, 1879, 1891, 1903, 1907, 1913, 1916, 1920, 1922, 1924, 1929, 1934, 1939, 1961, 1964, 1970 e 2010. Dos 2016 anos analisados em apenas 28 o crescimento ficou acima de 5% ao ano, não há casos de três anos seguidos com mais de 5% de crescimento. A figura abaixo mostra os dados da Suécia.




O número de países disponíveis para análise aumenta de forma considerável se em vez de escolher 1801 como ponto de partida a escolha for 1901. Para não deixar o post ainda mais cansativo vou me limitar a dois países nesse novo intervalo de tempo: Suíça e Austrália. No primeiro o crescimento ficou acima de 10% em 1922, 1937 e 1946, entre 7,5% e 10% em 1924 e entre 5% e 7,5% em 1904, 1916, 1920, 1927, 1951, 1955, 1956, 1959, 1961 e 1970. Considerando os 116 anos decorridos entre 1901 e 2016 a Suíça cresceu mais de 5% em 14 desses anos. Não há registro de três ou mais anos seguidos com crescimento acima de 5%, o único caso de dois anos seguidos com esse crescimento foi 1955 e 1956, não há caso de década com crescimento médio de mais de 5% ao ano. A figura abaixo mostra a taxa de crescimento na Suíça.




Dos 116 anos analisados a Austrália cresceu acima de 10% apenas em 1941 e 1942, não há caso de crescimento entre 7,5% e 10% e crescimento entre 5% e 7,5% aconteceu em 1903, 1904, 1906, 1909, 1935, 1940 e 1984. No total o crescimento foi maior que 5% em 10 dos 116 anos considerados, não há caso de década com crescimento médio de mais de 5% ao ano. A figura abaixo ilustra os dados.




O contraste com a Ásia é claro, considerando os dados do projeto Maddison a China cresceu em média 5,9% ao ano na década de 1990 e a uma média de 8,6% ao ano na década passada. A Coreia cresceu em média 5,9% ao ano na década de 1960, 6,7% ao ano na década de 1970, 7,8% ao ano na década de 1980 e 6,1% ao ano na década de 1990, foram quatro décadas seguidas crescendo a uma média superior a 5% ao ano. O Japão cresceu a uma média de 7,6% ao ano na década de 1950 e 9,3% ao ano na década de 1960. Singapura cresceu a uma média anual de 6,9%, 7,4% e 5,3% nas décadas de 1960, 1970 e 1980 respectivamente. Se recordarmos que Estados Unidos, Suécia e Reino Unido não tiveram uma década sequer de crescimento médio acima de 5% ao ano entre 1801 e 2016 e que Austrália e Suíça também não tiveram esse crescimento em nenhuma das décadas entre 1901 e 2016 fica claro o contraste entre a experiência de crescimento desses países e a experiência de crescimento dos países asiáticos no pós-guerra.

Talvez o caminho do Brasil, ou mesmo da América Latina como um todo, não seja nem o dos países ricos do ocidente nem o dos milagres asiáticos, é muito provável que “nuestra” América tenha de encontrar o próprio caminho para riqueza. O ponto que tento fazer nesse post é que comparando o quadro geral e as experiências anteriores de países como Brasil, Argentina, Colômbia e México é muito mais provável que nosso caminho para riqueza envolva uma marcha lenta e constante como a dos primeiros países analisados do que uma marcha forçada como as da Ásia. Já tivemos nossa marcha forçada e não gostamos dela, no que depender de mim andaremos devagar porque já tivemos pressa e já choramos demais.


quarta-feira, 7 de novembro de 2018

Votos por partido para o aumento do salários dos ministros do STF

Hoje o Senado aprovou o aumento dos salários dos ministros do STF de R$ 33,7 mil para R$ 39,2 mil. O impacto da medida é significativo pois esse aumento de salários pode levar a aumento de salários em outras carreiras inclusive nos estados. Estimativas preliminares sugerem que o impacto fiscal deve ser de, no mínimo, R$ 4 bilhões por ano (link aqui e aqui), algumas estimativas sugerem que pode chegar a R$ 6 bilhões por ano. O UOL listou como votou cada senador (linik aqui), foram 41 votos favoráveis, 16 votos contrários e uma abstenção do senador José Maranhão do MDB da Paraíba. A figura baixo resume os votos favoráveis por cada partido.



O PSDB foi o partido que mais contribuiu com votos para aprovação do aumento, em segundo lugar veio o MDB e depois Podemos, PR e PSD aparecem empatados. Os partidos que mais deram votos contrários foram o DEM e o PT seguidos por MDB e PSB, a figura abaixo mostra os votos contrários dados por cada partido.



Confesso que esperava dos tucanos, o momento é de ajuste fiscal e esse tipo de medida além de elevar o gasto público e passar um péssimo sinal para a população que em breve vai ser chamada para pagar parte da conta do ajuste fiscal. Registro que estou ciente da promessa de cortar auxílios moradia para juízes e promotores como forma de compensar parte do aumento de gastos, é difícil não ver essa barganha como uma espécie de chantagem com o pagador de impostos, afinal se o auxílio é ilegal não deveria existir e se é legal apenas uma mudança na legislação deveria poder acabar com o referido auxílio. De toda forma, mesmo que a promessa seja cumprida fica o péssimo exemplo dado pelo Senado hoje.

sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Doing Business 2019: melhorou, mas nosso ambiente de negócios continua ruim


Nesta semana tivemos a boa notícia que o Brasil melhorou de posição no ranking de facilidade de fazer negócios elaborado pelo Banco Mundial (link aqui), conhecido como Doing Business (link aqui). Quem acompanha o blog sabe que considero o ambiente hostil aos negócios um dos maiores problemas de nossa economia, isso é verdade porque um ambiente desfavorável aos negócios penaliza empresas menores e/ou que tentam entrar no mercado. Na prática o ambiente de negócios acaba funcionando como uma barreira a entrada que protege empresas estabelecidas que já pagaram os custos fixos associados ao ambiente de negócios ruim da concorrência das empresas que seriam viabilizadas em um bom ambiente de negócios. Melhorar o ambiente de negócios significa facilitar a entrada de novas empresas no mercado o que aumenta a competição e estimula a produtividade.

Apesar da melhora ainda há muito ser feito para melhorar o ambiente de negócios no Brasil, nesse post comparo nossa classificação geral e nos vários indicadores que compõem a nota geral com a pontuação dos países do grupo de renda média alta, nosso grupo de comparação segundo o Banco Mundial. A figura abaixo resume a análise que segue e mostra as notas do Brasil no índice de facilidade de fazer negócios e nos diversos indicadores usados para construção do índice, em vermelho estão os indicadores onde a nota do Brasil ficou abaixo da nota média dos países de renda média alta, em azul os indicadores em que nossa nota ficou acima da média.



Na classificação geral ficamos na 109º posição com um total de 60,01 pontos. Nossa pontuação ficou um pouco abaixo da média (63,57) e da mediana (63,59) do grupo, não é de todo ruim, mas também não é bom. A figura abaixo mostra a pontuação (nas barras) e a classificação (número ao lado da barra) e cada país do grupo de renda média alta, estamos logo abaixo da Namíbia e acima do Paraguai.



Por interessante que seja o índice geral não permite observar as razões que determinam o desempenho de cada país, para resolver esse problema é necessário analisar os indicadores específicos de cada grande grupo: começar um negócio, permissões para construções, acesso à eletricidade, registro de propriedade, acesso ao crédito, proteção a investidores minoritários, pagamento de tributos, comércio internacional, impor contatos e solução de falências. Cada um desses indicadores pode ser decomposto em indicadores ainda mais específicos, não analisarei essa decomposição mais fina nesse post para não forçar a paciência do leitor com muitos detalhes.

O primeiro indicador a ser analisado diz respeito a facilidade de começar um negócio. Quando mais fácil for começar um negócio mais ideias se transformam em empresas que podem introduzir novas tecnologias no mercado e trazer competição para empresas estabelecidas. Nesse indicador nossa pontuação foi de 80,23, ficamos entre África do Sul e Costa Rica, a média do grupo foi de 82,36 e a mediana foi de 85,38, ou seja, estamos abaixo da média e é mais difícil começar uma empresa por aqui do que em mais da metade dos países de renda média alta. A figura abaixo mostra a pontuação e a classificação no ranking geral de todos os países do grupo.




O próximo indicador mede a burocracia necessária para construir, nesse quesito ficamos em último lugar entre os países avaliados. Nossa pontuação foi de 49,86 contra uma média de 68,67 no grupo. É mais difícil conseguir permissão para construir no Brasil do que na Venezuela, na prática essa dificuldade age como barreira à entrada a medida que dificulta a construção de novas plantas. A figura abaixo mostra esse indicador para os países do grupo. É importante registrar que melhorar esse indicador envolve mudanças na burocracia, o que pode impor um significativo custo político por ir contra grupos de interesse estabelecidos, mas não exige grandes custos financeiros. Um esforço para facilitar as construções também pode estimular a construção civil sem ter de apelar para incentivos de crédito ou fiscais.



No indicador de acesso a eletricidade tivemos um bom desempenho, nossa nota foi 84,37 contra uma média de 72,22 e uma mediana de 71,22, de fato ficamos em nono lugar nesse quesito entre todos os países do grupo, dentre os países da América Latina e Caribe ficamos atrás apenas da Costa Rica. A figura abaixo mostra esse indicador.



O quarto indicador mede a facilidade de registrar propriedades, a nota do Brasil foi 51,94 contra um média de 63,71 e uma mediana de 65,43. Ficamos logo abaixo de Belize e logo acima da Venezuela, não estou enganado, olhei de novo para ter certeza, registrar uma propriedade no Brasil é quase tão difícil quanto na terra do Maduro. Mais uma vez temos um desempenho ruim em um quesito que envolve burocracia, afigura abaixo mostra o desempenho dos países de renda média em relação a facilidade de registrar propriedades.



A nota do Brasil no quesito acesso ao crédito foi 50, a média do grupo nesse indicador foi 56,12 e a mediana 60,00, mais uma vez ficamos na parte de baixo. Antes que alguém se anime e comece a pedir queda nos juros informo que esse quesito está ligado a questões institucionais como proteção a direitos e registros de crédito e não a indicadores de volume de crédito e coisas do tipo, mais uma vez é burocracia que dificulta a vida dos empreendedores no Brasil.



Na proteção a investidores minoritários o Brasil teve um bom desempenho, ficou com nota 65,00 contra uma média de 54,51 e uma mediana de 55,00. Dentre os países de renda média alta da América Latina e Caribe apenas a Colômbia teve um desempenho melhor que o do Brasil. A proteção a investidores minoritários é importante para atrair financiadores dispostos a apostar em negócios promissores. A figura abaixo mostra esse indicador.



Facilidade em pagar tributos é um quesito que o Brasil costuma se destacar negativamente com o subitem tempo para pagar impostos, não se trata do tempo para conseguir o dinheiro e sim do tempo para preencher a papelada. No Brasil uma empresa precisava dedicar cerca de 2.600 horas para conseguir pagar tributos, o segundo pior desempenho nesse quesito era da Bolívia com 1.025 horas, menos da metade do Brasil. Este ano o tempo gasto com papelada para pagar tributos no Brasil caiu para 1;958 horas, um valor ainda absurdamente alto. Considerando o indicador como um todo o desempenho do Brasil também é muito ruim, nossa nota foi 34,40 contra uma média 68,09 e uma mediana de 76,14 dos países de renda média alta. De fato, apenas a Venezuela, com 15,35, teve um desempenho pior que o Brasil nesse indicador. Não há razão aceitável para justificar a dificuldade para pagar impostos no Brasil, não bastasse a carga tributária ser alta para um país emergente ainda criamos dificuldades necessárias para que empresas fiquem em dia com fisco. A figura abaixo mostra esse indicador.



Muito se fala nas barreiras tarifarias que tornam o Brasil uma economia excessivamente fechada, aqui mesmo no blog já tratei do assunto (link aqui) em um post onde mostrei que nossas tarifas são mais altas que a do grupo de países de renda média alta e comparáveis a de países pobres. Para além da tarifa a dificuldade de fazer comércio também pode explicar o isolamento econômico brasileiro. Nossa nota no quesito comércio internacional foi 69,85 contra uma média de 71,93 e uma mediana de 74,26 no grupo de países de renda média alta. Não é o horror do tempo de pagar tributos e do registro de propriedades, mas é um desempenho que nos coloca na parte de baixo da distribuição. A figura abaixo ilustra esse indicador.



Para fazer valer contratos estamos na parte de cima da distribuição, nossa nota foi 66,00 contra uma média de 58,37 e uma mediana de 58,59 no grupo de países. Considerando os países da América Latina e Caribe que estão no grupo de comparação apenas o México tem um desempenho melhor que o nosso. A figura abaixo ilustra esse indicador.



O último indicador trata da solução de falências, por certo ninguém abre um negócio pensando em ir à falência, mas essa é uma realidade que não pode ser esquecida. Facilitar processos de falência é importante para incentivar a criação de novas empresas e para permitir a realocação de fatores alocados em empresas que deram errado. Nossa nota nesse item foi 48,48 o que nos deixa um pouco acima da média dos países do grupo que foram avaliados nesse quesito, 47,44, e acima da mediana, 45,93. A figura abaixo ilustra o indicador.



Em resumo o Brasil obteve nota inferior a média do grupo de países de renda média alta no indicador geral de facilidade de fazer negócios e nos indicadores que medem a facilidade para começar um negócio, fazer comércio internacional, registrar propriedades, acessar crédito, obter permissão para construir e pagar tributos. Ficamos acima da média nos quesitos: acesso a eletricidade, fazer valer contratos, proteção a investidores minoritários e solução de falências. Não é um bom desempenho, temos muito a melhorar se quisermos um ambiente de negócios saudável e capaz de permitir o nascimento e crescimento de novas empresas que trarão inovações e, por meio da competição, vão induzir as empresas estabelecidas a adotar tecnologias mais modernas e usar de maneira mais eficiente as tecnologias existentes. Um dos grandes desafios para melhorar nosso ambiente de negócios e enfrentar grupos de interesse formados pela burocracia estatal e por empresas estabelecidas no mercado.


sábado, 27 de outubro de 2018

A volta do Pessimildo: desafios para 2019


Domingo à noite vamos saber quem será o novo presidente, cerca de dois meses depois, no dia primeiro de janeiro de 2019, o eleito tomará posse. Estou escrevendo no final da tarde de sábado, as pesquisas sugerem fortemente que Bolsonaro será eleito, mas nada é impossível quando se trata de eleições e pode ser que ocorra uma surpresa. O fato é que independente do que aconteça no domingo o próximo governo terá grandes desafios pela frente, pior, esses desafios não foram discutidos na campanha. Enquanto um lado promete fazer o povo feliz de novo congelando o preço do gás e forçando aumento de salário mínimo o outro diz que vai entregar saúde e educação de primeiro mundo combatendo a corrupção. Lamento informar, mas nada disso cai acontecer, não nos próximos anos e muito menos por esses caminhos.

O texto abaixo é inspirado em uma apresentação que preparei para a equipe do senador Álvaro Dias e serviu de base para algumas palestras que fiz nos últimos meses, na apresentação aponto três grandes desafios para a economia brasileira e faço algumas propostas para enfrentar esses desafios. No presente texto vou me limitar aos desafios, deixo as propostas para um próximo post. São três os desafios que vou discutir: o da produtividade, o do investimento e o ajuste fiscal. Em ordem de importância creio que os desafios seguem a lista, mas em ordem de urgência a lista está de trás para frente.

O primeiro desafio, que eu chamo de desafio de longo prazo, é a questão da produtividade. Como já disse Paul Krugman produtividade não é tudo, mas no longo prazo é quase tudo. No longo prazo a produtividade é o motor do crescimento e, verdade seja dita, esse nosso motor anda mal das pernas há cerca de quarenta anos. A figura abaixo mostra o crescimento da produtividade na Coreia do Sul, nos Estados Unidos e no Brasil, sei que Coreia do Sul é meio apelação, mas a figura ilustra o que é um caso de sucesso, o mínimo a se esperar de um país que pretende ficar rico e o desastre brasileiro. O crescimento da produtividade acima do ocorrido nos EUA permitiu a Coreia do Sul se aproximar das economias desenvolvidas. Um crescimento semelhante ao dos EUA não garante uma aproximação, mas pelo menos impede o distanciamento, no mais é razoável supor que uma economia emergente saudável tenha ganhos de produtividade acima dos EUA visto que, grosso modo, os americanos precisam inovar para ficarem mais eficiente e os países emergentes podem inovar ou adaptar tecnologias existentes. Como mostra a figura abaixo o Brasil não atende o teste básico e tem um crescimento da produtividade menor que os EUA, pior, após a subida na década de 1970, a produtividade no Brasil caiu e ficou praticamente estagnada nos níveis de 1970.




A figura abaixo faz uma comparação da produtividade no Brasil com a de países de renda média alta, grupo de países a que pertencemos de acordo com a classificação do Banco mundial. Repare que apenas Tailândia e China são menos produtivas que o Brasil. Com uma produtividade tão baixa não há como oferecer condições de trabalho, saúde, educação e uma rede de proteção social semelhante a de países de primeiro mundo. Não tem combate a corrupção nem congelamento de preços que mude isso.




Fica pior, a figura abaixo mostra o crescimento da produtividade no mesmo grupo de países da figura anterior. Lembra da China que estava em último lugar? Lá a produtividade é baixa, mas está crescendo bem, aqui nem isso. Temos a terceira produtividade mais baixa e só ficamos na frente da África do Sul em crescimento, no caso encolhimento, da produtividade. O assunto é relevante, em 2013, a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, na época sob o comando do Marcelo Neri, fez uma pesquisa chamada “Determinantes da produtividade do trabalho para a estratégia sobre sustentabilidade e promoção da classe média” (link aqui). A equipe foi coordenada pelo Ricardo Paes Barros e eu tive a boa sorte de participar, a avaliação era que sem uma mudança na trajetória da produtividade a nova classe média estava em risco. Em 2014 foi a vez do IPEA colocar a questão da produtividade no centro das atenções em dois volumes intitulados “Produtividade no Brasil: desempenho e determinantes” (link aqui), também participei desse trabalho, novamente aparecia a necessidade de mudar a trajetória da produtividade no Brasil. Em 2018 foi a vez do Banco Mundial lançar o documento “Emprego e crescimento: a agenda da produtividade” (link aqui), novamente a necessidade de ganhos de produtividade entra em cena. Sem resolver a questão da produtividade não vamos ter renda suficiente para entregar o que foi prometido nesta e em outras campanhas.






Se hoje é relativamente fácil concordar que nosso maior problema é a produtividade, não há nada parecido com um consenso quando o assunto é como aumentar a produtividade. Edward Prescott, Nobel de economia em 2004, diz que boa parte do baixo desempenho da produtividade pode ser explicada pela resistência a adoção de novas tecnologias e uso eficiente das tecnologias existentes e que essa resistência está relacionada às políticas empregadas por uma sociedade. Se Prescott está certo, eu acredito que está, nossa baixa produtividade está relacionada à nossas políticas. O lado bom é que pode ser o caso de uma mudança de políticas levar a uma rápida mudança no quadro de estagnação, o lado ruim é que essa mudança de políticas não é fácil. De fato, acredito que tais mudanças não estão no horizonte, pelo não com a intensidade necessária.

O próximo desafio, o desafio do médio prazo, é o do investimento. A figura abaixo mostra a taxa de investimento nos países da renda média alta, repare que apenas a Argentina tem uma taxa de investimento menor que a nossa. Esse é um problema sério, o investimento aumenta a capacidade de produção da economia, viabiliza a entrada de novas tecnologias embutidas em máquinas mais modernas e, para os que gostam de olhar para demanda, o investimento é parte da demanda agregada. Em tese é possível crescer apenas com ganhos de produtividade, na prática, sem um aumento da taxa de investimento isso dificilmente vai acontecer.




A baixa taxa de investimento traz um dos maiores perigos para o nosso futuro, a tentação de usar de estímulos para aumentar o investimento sempre ronda os palácios de governo. O que pode dar errado? O estímulo ao investimento em tempos de crise gera emprego, produção e impostos que acabam pagando parte do custo do estímulo. O que parece perfeito á primeira vista muitas vezes resulta em crises ainda maiores no futuro. Tratando desse assunto os economistas Timothy Kehoe e Gonzalo Córdoba alertara que usar estímulos para elevar investimento e emprego durante uma crise, se causar distorções suficientes, pode levar um país a uma depressão. Eu concordo com eles, vou além, acredito que boa parte da grande crise que começou em 2014 foi consequência das distorções causadas pelos estímulos ao investimento entre 2009 e 2014

Investimos mal. Construímos estádios que não têm uso, fizemos refinarias que não ficam prontas, grandes obras que não acabam, hidroelétricas de alto impacto ambiental e questionável eficiência econômica e energética, financiamos investimentos no Grupo X e na Oi, fizemos estaleiros, e, para fechar a lista com cave de ouro, investimos no Comperj. Alguém colocaria o próprio dinheiro nesses projetos? Duvido muito, mas com ajuda do governo o negócio ruim passa a ser bom (para poucos) e tudo passa a valer. Todo esse investimento poderia ter sido destinado a projetos mais relevantes tanto do ponto de vista social como econômico. Entre 2003 e 2016 apenas os subsídios implícitos nos empréstimos do Tesouro ao BNDES custaram cerca de R$ 150 bilhões (em valores de 2016). Qual teria sido o impacto de todo esse dinheiro se tivesse ido para saneamento básico? Quantos pequenos empreendedores apostaram suas economias em empresas na área do Comperj apostando em uma demanda que nunca veio? Quantos se mudaram em busca dos empregos que não chegaram? Qual o custo social e econômico de tudo isso? Esses investimentos ruins pioraram muito a alocação de capital no Brasil e dificultaram o crescimento da produtividade. Para investir mal às vezes é melhor não investir.

Mais uma vez a solução para o problema não é fácil. Os empregos destruídos na crise de fato nunca existiram, eram uma miragem sustentada com centenas de bilhões de reais dos pagadores de impostos. O tempo para que as mudanças necessárias para criar novos empregos em setores saudáveis, não ilusórios, é longo, é preciso que empresas que só existem por conta dos estímulos fechem e outras com vida própria cresçam, O processo além de longo é dolorido, mas é necessário para a construção de uma economia saudável. Para que os bons projetos virem empresas é necessário um aparato legal que minimize incertezas, o governo não precisa adicionar incertezas regulatórias as incertezas existentes no mercado. Não falo aqui de eliminar todas as regulações, sou mais modesto, peço apenas regras estáveis e tão claras quanto possíveis. A construção a aprovação desse novo marco regulatório leva tempo, assim como levará tempo para que faça efeito. Mais uma vez não vejo soluções de curto prazo.

O último e mais urgente desafio é o fiscal, o desafio do curto prazo. A figura abaixo mostra a projeção da dívida bruta do governo como proporção do PIB feita pelo FMI. Se seguirmos esse caminho vamos chegar a 2022 com uma dívida bruta acima de 95% do PIB, isso é inconcebível para um país emergente.




Sei que alguns citam países como Espanha e Japão para dizer que dívidas de cem por cento ou mais do PIB não são um grande problema, considero essa abordagem um erro grave. Países ricos conseguem se financiar a taxas de juros baixas, bem próxima de zero ou zero, não é o caso do Brasil. A figura abaixo mostra a dívida bruta como proporção do PIB para os países emergentes conforme a classificação do FMI. Apenas a Ucrânia tem uma dívida bruta acima de 80% do PIB, apenas Ucrânia e Sri Lanka têm dívidas brutas como proporção do PIB maiores que a do Brasil. Mantida a trajetória prevista pelo FMI podemos nos tornar o país emergente com a maior bruta como proporção do PIB. Sei que nos achamos especiais, que Deus é brasileiros e coisas do tipo, mas temos que os financiadores de nossa dívida não pensem o mesmo e comecem a procurar outros lugares para colocar o dinheiro, não faltam opções.



A solução para o problema fiscal passa por redução de gastos, aumento de impostos ou, mais provável, alguma combinação das duas coisas. Eu sou contra aumento de impostos, para minha sorte eu não estou (nem pretendo estar) no governo, um ajuste apenas por meio de gastos seria longo e exigiria uma reforma da previdência o mais rápido possível, não me parece crível que tamanho ajuste tenha um caminho fácil no Congresso. É verdade que o teto de gastos em tese nos deu vinte anos para fazer o ajuste, mas para que isso funcione é necessário mandar os sinais corretos, sem a reforma da previdência aprovada no próximo ano creio que poucos terão a coragem de nos dar vinte anos de crédito. Um ajuste por impostos poderia ser feito em um prazo menor, as propostas teriam de ser enviadas ao Congresso no começo do próximo ano, tão logo quanto possível, de forma que até o fim do ano alguns impostos já tivessem em vigor. Uma versão da CPMF podia aliviar o problema fiscal, mas se isso acontecer o lado que perder as eleições de domingo vai ter todo direito de acusar estelionato eleitoral do lado vencedor. Depois não adianta acusar de golpista quem for as ruas reclamar que foi enganado, se o plano é elevação geral de impostos e trazer de volta a CPMF os candidatos tinham obrigação de ter anunciado na campanha. É melhor perder uma eleição que ganhar enganando o eleitor, quem acompanhou os eventos políticos de 2015 e 2016 deve saber disso.

Desta forma, considerando que um ajuste fortemente ancorado em novos impostos pode minar o apoio do eleitor ao governo e que um ajuste com base nos gastos e lento e requer reformas difíceis não vejo solução de curto prazo nem mesmo para o mais urgente dos problemas. Posso estar enganado? Deus queira que eu esteja, mas se eu estiver certo vamos ter um período pesado pela frente. A campanha precisava de alguém com a grandeza de prometer trabalho e lágrimas até a superação final da crise, no lugar disso tivemos semeadores de ilusões.


segunda-feira, 8 de outubro de 2018

Limite de isenção do Imposto de Renda em termos de salários mínimos durante os governos petistas


Fernando Haddad, candidato a presidente pelo PT, reafirmou hoje no Jornal Nacional o compromisso de isentar de Imposto de Renda quem ganha menos de cinco salários mínimos. Como o PT governo o país de 2003 a 2016 me parece justo checar se a promessa é consistente com a prática petista. Para isso peguei o histórico de limite de isenção do Imposto de Renda (link aqui) e o valor do salário mínimo (link aqui) a cada reajuste da tabela de faixas do Imposto de Renda. Depois calculei quantos salários mínimos era o limite de isenção a cada ano, os resultados estão na tabela abaixo:

Data de correção da tabela do IR
Valor do limite de isenção
Valor do salário mínimo
Limite de isenção em termos de salário mínimo
Janeiro/2003
R$ 1.058,00
R$ 200,00
5,29
Fevereiro/2006
R$ 1.257,12
R$ 300,00
4,19
Janeiro/2007
R$ 1.313,69
R$ 350,00
3,75
Janeiro/2008
R$ 1.372,81
R$ 380,00
3,61
Janeiro/2009
R$ 1.434,59
R$ 415,00
3,46
Janeiro/2010
R$ 1.499,15
R$ 510,00
2,94
Abril/2011
R$ 1.566,61
R$ 545,00
2,87
Janeiro/2012
R$ 1.637,11
R$ 622,00
2,63
Janeiro/2013
R$ 1.710,78
R$ 678,00
2,52
Janeiro/2014
R$ 1.787,77
R$ 724,00
2,47
Janeiro/2015
R$ 1.903,98
R$ 788,00
2,42
Abril/2016
R$ 1.903,98
R$ 880,00
2,16

Como é possível observar quando o PT assumiu o governo em janeiro de 2003 o limite de isenção do Imposto de Renda era de 5,39 salários mínimos, durante os governos petistas esse limite caiu para 2,16 salários mínimos. O aumento do salário mínimo ajuda a contar parte dessa história, mas só uma parte, a verdade é que em seus treze anos de governo o PT teve margem para em vez de aumentar os gastos atrelar o limite de isenção ao salário mínimo evitando a queda observada na tabela, se não fez foi porque não quis. Para os que, como eu, preferem figuras segue abaixo o limite de isenção em termos de salários mínimos durante os governos do PT.




A figura ilustra de forma clara a queda no limite de isenção do Imposto de Renda em termos de salários mínimos nos governos petistas. Haddad pode estar propondo uma reversão do que foi feito no governo de Lula e Dilma, mas, em nome da transparência, seria bom ele deixar claro que pretende desfazer o que foi feito em mais de uma década de governos petistas e, ainda melhor, explicar porque o PT mudou de opinião a respeito de qual deve ser o limite de isenção do Imposto de Renda em termos de salário. Afinal se Haddad é Lula fico curioso em saber a razão de Lula, ou seria Haddad, prometer hoje o oposto do que foi feito antes.

quarta-feira, 26 de setembro de 2018

Investimento do governo federal e teto dos gastos


Hoje no debate do SBT o candidato do PT culpou o teto de gastos pela queda do investimento do governo. Fui checar os dados para ver se a tese se sustenta ou se é só mais uma tentativa do PT de terceirizar a crise que o governo Dilma criou. Os dados estão disponíveis na página da Secretaria do Tesouro Nacional (link aqui) e descrevem o investimento do governo federal por órgão de janeiro de 2007 a julho de 2018. Olhar dado mensal é sempre perigoso pois existem padrões sazonais que podem distorcer comparações mês a mês, para evitar esse problema comparei o investimento acumulado em doze meses.




Repare que a grande queda ocorre em setembro de 2014, antes de Levy e na época que a presidente em campanha garantia que não havia problemas fiscais no país. A queda se aprofunda durante 2015 de 2016. No final de 2016, já no governo Temer ocorre uma pequena subida, em 2017 a trajetória de queda é retomada. Sei que esse negócio de causalidade é complicado, mas me parece bem difícil apontar uma emenda aprovada no final de 2016 por um fenômeno que começa em 2014.


O próximo exercício foi compara o investimento do governo federal ano a ano. Fica fácil ver que a queda iniciada em setembro de 2014 não evita que o investimento em 2014 fique maior que o de 2013 dando a impressão que o corte começou em 2015 com Levy. Repare que o aumento em 2016 e a queda em 2017 também aparecem na figura com dados anuais.




Uma última pergunta que fiz foi quando ocorreu a maior queda. De acordo com os dados em 2015 a queda foi de 34,3% e em 2017 foi de 31,9%. Os valores são próximos, mas há uma diferença importante: para explicar o aumento do investimento no final de 2016 exige olhar os dados com mais cuidado que estou olhando, para explicar o aumento do investimento entre setembro de 2013 e setembro de 2014 basta lembrar que 2014 foi ano eleitoral.




Em resumo a olhada dos dados permitiu concluir que a trajetória de queda do investimento do governo federal começa bem antes da aprovação do teto de gastos e antes da chegada de Levy ao governo. Também foi possível constatar que a maior queda proporcional aconteceu de 2014 para 2015, antes da chegada de Temer ao Planalto. Ao culpar o teto de gastos pela queda no investimento do governo federal o candidato do PT ignora os dados ou propõe uma nova forma de causalidade onde o futuro causa o passado, deve ser uma espécie de economia quântica... ou só cara de pau mesmo.