A valer as previsões do Relatório Focus, divulgado pelo
Banco Central, este ano vamos terminar em média 3,49% mais pobres do que
começamos. Dois anos seguidos de queda do PIB era algo que não se via desde a
década de 1930, não por acaso estamos assustados e preocupados com a economia.
Porém eu arrisco dizer que, apesar dos números ruins de crescimento e emprego,
2016 pode ainda vir a ser lembrado como o ano em que começamos a tentar arrumar
o desastre econômico que foi construído entre 2006 e 2015, vou além, se o
governo tivesse forçado a barra para ter números melhores para crescimento e
emprego ainda em 2016 eu estaria mais preocupado do que estou. De certa forma
2016 foi o tipo de ano em que quanto melhor, pior.
Para facilitar meu ponto será preciso fazer uma breve
explicação da origem da crise, para uma explicação mais cuidadosa recomendo um
post de 2015 chamado “Billie Jean“ (link aqui), um post de 2016 chamado “Sobre
a dupla natureza da crise econômica” (link aqui) e um post de 2013 chamado “Oferta,
Demanda e o Erro de Diagnóstico de 2011” (link aqui). Grosso modo a crise tem
duas origens. A primeira e mais importante foi uma série de investimento ruins estimulados
por políticas erradas, a partir de 2006 o governo resolveu tomar a liderança no
processo de crescimento da economia e começou uma política de escolher empresas
campeãs e setores que deveriam crescer. O resultado desta política foi uma
série de investimento em projetos de baixo retorno ou sem retorno, uma má
alocação de capital a nível macroeconômico. Na lista estão o Grupo X de Eike
Batista, a Oi, os estaleiros construídos para “retomada da indústria naval”, o
Comperj, a refinaria de Abreu Lima em Pernambuco, as refinarias prometidas para
o Ceará e Maranhão, bem como obras gigantescas que nunca ficam prontas (ver
link aqui), das quais destaco a transposição do rio São Francisco. Todo esse
capital mal direcionado comprometeu a produtividade de nossa economia, que
desde muito já não vinha bem, e criou a crise de médio e longo prazo. A outra
origem da crise está nas políticas que o governo usou para minimizar os efeitos
da crise de 2008 e criar a sensação que a guinada de 2006 estava dando resultados.
Neste grupo está a redução forçada de juros que comprometeu a credibilidade do Banco
Central, as operações de swap para influenciar o câmbio que pesaram na dívida
pública e o adiamento do ajuste nos gastos que levou à crise fiscal.
Em 2015 o governo parece ter chegado ao limite das políticas
que levaram à crise, na verdade já tinha ultrapassado tal limite, e precisou
começar o processo de ajuste. Ocorre que, depois da campanha presidencial de 2014,
era impossível para a presidente Dilma Roussef liderar um esforço de ajuste
fiscal, aperto monetário e acabar com os instrumentos de direcionamento do
investimento, ou seja, Dilma não tinha como liderar uma agenda que visava
destruir tudo que ela tinha feito pelo menos desde 2005 quando derrotou a
proposta de ajuste fiscal de longo prazo apresentado por Palocci, então
ministro da Fazenda. Esta impossibilidade fez com que a crise econômica virasse
uma crise política que culminou com o impeachment de Dilma e chegada ao poder
de Michel Temer. O vice-presidente de Dilma, agora ocupando a presidência, sofre
do mesmo mal que Dilma: venceu as eleições garantindo que não existia crise e que
não havia necessidade de ajustes e mudanças de rumo e tem que governar fazendo
o oposto do que prometeu na campanha. A situação de Temer é agravada por não
ter o apoio da máquina petista que o considera traidor de Dilma e do PT e
amenizada por não ter a mesma resistência das forças políticas e dos eleitores
que se sentiram trapaceados em 2014.
Temer teve de escolher entre dois caminhos quando chegou ao
poder. O primeiro seria tomar medidas de curto prazo para aliviar a crise, é o
caminho das saídas fáceis, e o segundo seria apostar em medidas de médio e
longo prazo para resolver os problemas criados nos últimos dez anos de governos
petistas, é o caminho das reformas. Tivesse tomado o primeiro caminho, Temer
estaria com melhores índices de popularidade, porém teria colocado o país em
rota de uma crise ainda mais profunda que quase certamente viria acompanhada de
taxas de inflação altas e crescentes, não falo de uma Venezuela, mas
provavelmente teríamos tido uma inflação semelhante a observada na Argentina.
Até agora tudo indica que Temer escolheu o segundo caminho, montou uma equipe
econômica que impressiona qualquer observador que entenda do assunto e tem
usado capital político para bancar as decisões da equipe liderada por Henrique
Meirelles. A decisão de vetar a manobra de Rodrigo Maia, deputado do DEM do RJ
que preside a Câmara, é um sinal forte do compromisso de Temer com as reformas.
Qualquer um que me acompanhe ou tenha prestado atenção nos
parágrafos anteriores sabe que considero que o segundo caminho, o caminho das
reformas, é o que eu considero correto. Infelizmente, apesar de correto, o caminho
das reformas é longo e árduo, pior, é cheio de promessas de atalho que levam a
lugar nenhum e oportunidades de retorno ao caminho das saídas fáceis. O grande
desafio de Temer é não cair na tentação de pegar os atalhos e retornos. Assim
como Thatcher, que até hoje é lembrada pelo “You turn if you want to. The
lady's not for turning” em referência à possibilidade de retorno (U-turn),
Temer terá de convencer que não fará retorno, até agora ele parece que vai
conseguir.
A primeira grande medida de Temer foi aprovar a PEC do teto
de gastos, com a provação a Constituição quase que obriga a aprovação de outras
reformas que permitam o ajuste fiscal, destaque para a reforma da previdência.
Na sequência Temer propôs as medidas de "Crescimento, Produtividade e
Desburocratização", o fato de ligar crescimento à produtividade e
desburocratização no lugar de investimento e valores específicos para preços
como juros e câmbio ilustra o compromisso do governo com as reformas.
Analisando as medidas (link aqui) é possível perceber a preocupação com a
melhora do ambiente de negócios, fator que considero fundamental para o
crescimento da produtividade. Como não poderia deixar de ser os retornos e os
atalhos estão presentes nas medidas, especificamente no item oito que trata do
BNDES e direciona crédito para micro, pequenas e médias empresas não sem antes
definir que uma empresa com faturamento de R$ 300 milhões é uma média empresa.
No lado monetário o Banco Central resistiu às pressões iniciais para reduzir
juros, quando começou o processo de redução o compromisso do governo com o
ajuste fiscal estava bem sinalizado e, mesmo assim, está fazendo a redução
lentamente. O resultado é que mesmo com a queda de juros a inflação deve fechar
o ano dentro do intervalo da meta, algo que era considerado impossível não faz
muito tempo. Assim como no lado real é preciso tomar cuidado no lado monetário,
os atalhos e retornos estão convidativos, mesmo dentro do intervalo da meta
nossa inflação continua muito alta, um descuido do Banco Central pode comprometer
todo o esforço dos últimos meses. É certo que a pressão por redução dos juros
vai crescer nos próximos meses, mas o Banco Central já mostrou que resiste a pressões,
melhor assim.
Salvo alguma surpresa, especialmente no ritmo de elevação de
juros nos EUA, 2017 pode começar com um cenário fiscal mais promissor do que
2016, a inflação estará dento da meta, em 2016 foi de 10,6%, a taxa de juros
caindo e o ambiente de negócios, principalmente na questão trabalhista, um pouquinho
melhor. Então em 2017 a crise acaba? Creio que não, talvez lá pelo segundo
semestre apareça algum crescimento, mas não é o crescimento que precisamos ou
queremos. O estrago da década de contrarreformas, grosso modo de 2006 a 2015,
foi grande, todo aquele capital mal direcionado ainda tem que ser recriado e/ou
redirecionado, vários postos de trabalho e respectivas qualificações de mão de
obra também terão de ser recriados e/ou redirecionados, um processo longo e
penoso. Muitos servidores públicos foram contratados não necessariamente para
os postos onde se fazia necessário contratar, o que significa mais um longo processo
de ajuste.
Me parece justo dizer que 2016 foi o ano em que o governo
voltou a falar seriamente de reformas para melhorar o ambiente de negócios, reformas
para flexibilizar as relações de trabalho, reformas para melhorar a educação, reformas
para controlar a questão previdenciária, reformas para permitir o ajuste fiscal
e outras reformas importantes. Espero que 2017 seja o ano da volta definitiva
das reformas e decrete o tardio fim da agenda de contrarreformas que durou uma
década e pode ter nos tomado mais de duas décadas. Se assim for em 2018 o
terreno estará favorável para que plantemos um crescimento saudável, um
crescimento puxado pela oferta via aumento da produtividade. Se persistirmos no
caminho das reformas e escaparmos dos cantos de sereia de aventureiros e da
turma da contrarreforma nas eleições de 2018, na próxima década estaremos no
caminho que abandonamos lá por 2006 e podemos ter um crescimento sustentado de
longo prazo. Quase certamente Temer não estará no Planalto quando os frutos das
reformas começarem a aparecer. Se tudo ser certo será um daqueles governantes que
ajudaram a construir suas nações, mas foram repudiados quando no poder. Pode
não ser uma boa perspectiva para um político profissional, mas é o suficiente para
que eu diga que 2016, no que tange à economia, foi um ano melhor que 2015.