sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Cometários a respeito das medidas de "Crescimento, Produtividade e Desburocratização"

Ontem o governo anunciou um conjunto de medidas para estimular a economia. Li muita gente reclamando que o pacote era modesto e não trazia nada de impacto para retomar o crescimento de curto prazo. Na minha avaliação a modéstia e falta de medidas de impacto de curto prazo são os pontos forte do conjunto de medidas. O foco em reformas e produtividade, por mais que tenham um tanto de retórica, mostram de forma clara a mudança na estratégia de construção na política econômica, porém, como ninguém é de ferro, alguns pontos ficaram parecidos com políticas que deram errado no passado recente, pior, a festa dos compadres se infiltrou nas medidas. A seguir comento os dez eixos do programa Crescimento, Produtividade e Desburocratização conforme a apresentação na página do Ministério da Fazenda (link aqui).

1. Regularização Tributária
O Programa de Regularização Tributária (PRT) é mais um REFIS. Programas assim sempre podem ser criticados pela possibilidade de risco moral, ou seja, de algumas empresas ou indivíduos deixarem de pagar impostos esperando uma próxima anistia do tipo. Por outro lado, o PRT pode ser uma maneira de aliviar o problema fiscal de curto prazo, todas as formas de adesão exigem entrada à vista ou parcelada em até 36 meses, e organizar empresas e famílias que estão com dificuldades financeiras, vale lembrar que carga tributária brasileira é muito alta em comparação com outros países emergentes.

2. Incentivo ao Crédito Imobiliário
O título desse eixo dá nervoso ao remeter para experiências ruins do passado recente, mas a medida não trata de mais crédito a juros subsidiados. Na verdade, a ideia é regulamentar a Letra Imobiliária Garantida (LIG), um título com garantias dadas pelos ativos do banco emissor e que direcionaria poupança para o crédito imobiliário. No lugar de estimular demanda via manipulação de preços o governo está tentando estimular a oferta criando novos ativos. Não sei avaliar o impacto da medida, mas, conceitualmente, é muito superior às políticas que foram aplicadas para o setor em passado recente.

3. Redução do Spread
Não se trata de uma intervenção tentando tabelar o spread, o que seria repetir o erro que Mantega cometeu lá por 2012. O objetivo é criar um ambiente centralizado para registro de duplicatas de forma a facilitar que o credor tenha mais informações sobre a qualidade do ativo e, por consequência, tenha mais segurança sobre o retorno do empréstimo. Também serão feitas mudanças no cadastro positivo como forma de aumentar a adesão ao sistema e reduzir riscos dos credores. Se bem sucedidas as medidas podem reduzir o spread. Se acompanhadas de medidas de aumento da competição no setor bancário, reduzindo o ganho de poder de mercado dos bancos, podem ter um impacto forte nos juros cobrados a empresários e famílias.
Termino fazendo um registro sobre o risco de sistemas de informações centralizados, de fato é possível que governos e empresas usem o sistema contra outras empresas e os cidadãos. Exemplos recentes mostram que esse risco existe e não é paranoia de liberais. Pelo que sei a adesão será voluntária, o que é muito bom, também seria bom que o governo deixasse claro que autoridades, especialmente as fiscais, não poderão usar as informações do cadastro contra empresas ou famílias que se inscreverem.

4. Cartões de Crédito
A esta altura já está claro o tom das medidas, de forma que o título não me assustou. A primeira medida permite que lojas cobrem preços diferentes de clientes que usam diferentes meios de pagamento. Na prática a medida revoga decisões absurdas que impedem um lojista de dar descontos para quem paga em dinheiro, repare que a medida permite, não obriga, a diferenciação, sendo assim se o lojista quiser continuar cobrando o mesmo de quem paga com dinheiro ou cartão não será punido nem nada do tipo. Leis que permitem algo costumam ser boas leis, esta não é exceção.
Reduzir o prazo para reembolsar os lojistas ou reduzir os juros cobrados é uma medida técnica, a princípio parece ir na direção correta, impressão reforçada pela informação que em outros países os prazos são mais curtos. Por outro lado é perigoso quando o governo começa a regular questões tão específicas como o prazo de reembolso e é assustador quando o governo tenta regular preços. Aqui o ideal seria permitir que bancos, lojistas e consumidores se entendessem enquanto o governo tomaria medidas para aumentar a competição no setor. Entendo, porém, que o ideal nem sempre é possível e que algumas vezes não fazer o possível por não ser o ideal leva a resultados ruins.
A universalização das formas de pagamento, ou seja, obrigar que as máquinas aceitem todas as bandeiras de cartão, me parece uma intervenção indevida. Entendo que o governo tenta estimular a concorrência, mas não se deve obrigar uma firma a trabalhar com outra por força de lei. A medida pode criar custos desnecessários, habilitar máquinas para trabalhar com cartões não utilizados na região e pode dar um excessivo poder de barganha aos donos das bandeiras de cartões.

5. Desburocratização
Medidas para reduzir burocracia são sempre bem-vindas, tenho dúvidas se a plataforma do eSocial de fato simplificas as coisas, pelo que me lembro empresários reclamam da plataforma e quando famílias foram obrigadas a usar foi um caos, também me incomoda o uso que pode ser feito das informações em sistemas do tipo. Creio que tais problemas poderiam ser reduzidos tornando a adesão voluntária e fazendo leis claras a respeito de quem e como pode usar as informações no eSocial. As preocupações anteriores também se aplicam à Nota Fiscal de Serviços Eletrônica (NFS-e), cujo a implementação nacional é uma das propostas desse eixo.
O Sistema Público de Escrituração Contábil (SPED) pode de fato reduzir o tempo gasto com burocracia no Brasil com efeitos positivos no longo e, tentando ser otimista, no médio prazo. Quem me acompanha sabe que reduzir o tempo gasto com burocracia é uma das medidas que considero essenciais para o crescimento. Agilizar a compensação e restituição de tributos é outra boa medida que pode ajudar muito as famílias e as empresas. A última medida do eixo é implantação da Rede Nacional para Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (Redesim). Assim como outras medidas deste eixo a Redesim está na direção correta, facilitar o processo de abrir e fechar empresas facilita a chegada de novas ideias no mercado, nunca esqueçam que a transformação de ideias em produtos e serviços é o principal motor do crescimento econômico de longo prazo.

6. Melhoria de Gestão
Pelo menos pela apresentação da página da Fazenda esse eixo ficou frustrante. Há tanta coisa para fazer na melhoria da gestão que implementação do Sistema Nacional de Gestão de Informações Territoriais (Sinter), por mais que possa ser uma boa ideia, fica minúscula diante do problema. O Sinter propriamente dito segue a linha de outras medidas que visam simplificar e facilitar o acesso a informação reduzindo burocracia ao custo de dar mais informações ao governo. É um dilema de nossa época, quanto mais tecnologia mais simplicidade e agilidade às custas de menos privacidade, todo usuário de redes sociais sabe bem disso. Uma alternativa que também pode ser o caminho em algumas das medidas anteriores é que a informação fique com o setor privado e o governo possa consultá-las por meio de convênios. Antes de me acusar de pregar uma utopia anarquista considere o funcionamento do FB ou do WhatsApp, se ainda assim quiser me acusar, tudo bem, mas leve em conta que se o governo vai fazer um convênio é porque existe um governo.

7. Competitividade e Comércio Exterior
A expansão do Portal Único do Comércio Exterior é mais uma medida que usa da tecnologia para reduzir os custos da burocracia. A promessa de reduzir em 40% o tempo para procedimentos relacionados a importação e exportação é animadora, acredito que medidas como esta tem mais impacto nas exportações que as aventuras cambiais que fazemos de tempos em tempos com a vantagem que não criam crises nem aumentam a inflação quando dão errado. A expansão do Operador Econômico Autorizado, outra medida do eixo, promete reduzir o tempo de desembaraço das mercadorias, quem já comprou no exterior sabe dos problemas causados por longos períodos para que uma mercadoria saia da alfândega.

8. BNDES – Acesso ao Crédito e Renegociação de Dívidas
Lembra de um personagem da Escolinha do Professor Raimundo, salvo engano interpretado pelo Brandão Filho, que sempre errava no final e se lamentava dizendo que “vinha tudo tão bem”? É o meu sentimento com este eixo.
A primeira medida do eixo é facilitar o a cesso ao crédito para MICRO, PEQUENAS e MÉDIAS EMPRESAS (assim em caixa alta). O destaque para micro, pequenas e médias empresas perdem parte do apelo quando recebemos a informação que nesta categoria estarão empresas que faturam até R$ 300 milhões por ano, atualmente são R$ 90 milhões. Não é uma piada. No mais um monte de facilidades para dar crédito subsidiado aos amigos pequenos empresários que faturam R$ 300 milhões por ano. O mesmo vale o refinanciamento de dívidas. Podemos resumir este eixo dizendo que empresários amigos que pegaram dinheiro a juros subsidiados poderão para mais dinheiro e terão condições favoráveis para renegociar as benesses que receberam. Esse eixo é um escândalo!

9. FGTS
A redução da multa adicional de 10% é uma medida que já deveria ter sido tomada há muitos anos. Indenizar o empregado demitido sem uma causa que o legislador de plantão considere justa já é para lá de questionável, indenizar o governo por isso é expropriação. Salvo engano a tal multa foi criada no governo FHC para ajudar a cobrir o rombo do FGST e foi ficando assim como quem não quer nada. A distribuição de 50% dos resultados do FGTS para os trabalhadores que dinheiro no fundo reduz um pouco o confisco do FGTS pois aumenta a rentabilidade do dinheiro tomado dos trabalhadores para alimentar o fundo. Fique claro que a medida não garante uma rentabilidade decente e nem muito menos muda o caráter confiscatório do FGTS. Imagine seu dinheiro aplicado em um fundo que rende menos que a inflação e o gestor do fundo te oferece metade do resultado do fundo. Mande o governo para o mesmo lugar que você mandaria o gestor.
Não está na apresentação, mas foi divulgado na imprensa que o governo vai permitir o uso do FGTS para saldar dívidas. A este respeito repito o que disse no FB: “Permitir o uso do FGTS para pagar dívidas antes de uma questão econômica é uma questão moral. Tomar parte do salário de um cidadão para colocar em fundo que rende TR mais 3% enquanto o sujeito paga mais de 400% de juros nas dívidas que tem no cartão de crédito é imoral.”

10. Microcrédito Produtivo
Microcrédito é uma coisa boa, mas não é para governo. A burocracia do governo é muito pesada para agilidade exigida pelo microcrédito, mantenho a afirmação mesmo se tirarmos o excesso de burocracia que existe no Brasil. É da natureza do setor público o controle rígido das operações feitas por servidores públicos, por exemplo, corretamente o governo é obrigado a cobrar judicialmente de seus devedores, imaginem o perigo de um burocrata decidindo quem vai e quem não vais ser cobrado na justiça, porém não judicialização é quase uma característica de programas de microcrédito. A incompatibilidade da ação do governo com a natureza do microcrédito aparece de forma clara no limite de R$ 200 mil de faturamento por ano para ter direito ao microcrédito o no limite de endividamento de R$ 87 mil.



2 comentários:

  1. Comentário off-topic:
    Roberto, quando você tiver tempo, gostaria que você desse uma analisada no raciocínio abaixo, versando sobre a reforma da Previdência (quem sabe um artigo?)
    É claro que precisamos alterar vários pontos na Previdência, mas está parecendo que o Governo está "garfando" o servidor.
    Embora a conta seja "de padeiro", utilizando uma HP 12C, constata-se que, se aplicássemos o desconto previdenciário do servidor público, acrescido da contribuição "dobrada" do ente público (Lei 10/887, art. 8º), por 35 anos, ele deveria receber um valor (bem) maior de aposentadoria do que o que o Governo pretende pagar!
    Exemplo: Salário- 2000. Contribuição mensal do servidor: (11%*2000) = 220. "Contribuição patronal"= 440. Contribuição mensal “corrigida” total (em razão do 13º para não dar problema no PMT)= 715

    Fase de acumulação:
    VP=0;
    PMT= 715
    i= 5% a.a. (veja que estimei um juro real ridículo)= 0,407412% a.m.
    n= 420 (35 anos)
    VF= 792.550,23

    Fase de aposentadoria:
    VP= 792.550,23
    PMT= -2.166,67 (diluí o 13º em 12 pgtos mensais, para evitar problemas no cálculo) e **atenção***, aqui o salário está integral, e não parcial como na PEC.
    I= 3% a.a. (valor ridículo) = 0,246627% a.m.
    VF= 0
    Resultado: n= 944 meses, ou 78 anos.
    Ou seja: se o servidor se aposentar aos 65 anos, poderia receber seu vencimento INTEGRAL, por 20 anos (que é acima da expectativa de vida restante **das mulheres** aos 65 anos), e ainda deixar pensão INTEGRAL, para um dependente, por exemplo, que acabou de nascer (por mais 21 anos), e ainda haveria “sobra” de 37 anos.... Isto é, mesmo se o servidor vivesse 105 anos (!!), sobraria dinheiro “no fundo”...
    Para mim, o nome da proposta é “tungada”.

    Jeca Tatu

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  2. Porém quantos Refis foram abertos desde 2008 para cá? O governo usou e abusou desse mecanismo, transformando-o em uma ferramenta de arrecadação quase que um instrumento de política fiscal perene. Empresários sonegarão tributos, pois sabem que lá na frente o governo lhes abre um programa generoso de regularização frente ao fisco, isentando-os de multas e juros de mora. É um estímulo a sonegação e outra coisa que os economistas deveriam começar a falar é qual o montante perdido com esses programas (REFIS e PRT- Programa de Regularização Tributária), principalmente, quando o débito em questão é referente ao PIS, COFINS e CSLL.
    Aliás, muito economista fala sobre os gastos com a previdência e é correto. Porém, por que os economistas não falam sobre as perdas que o REFIS e o PRT causaram e ainda causam a previdência? Por que os economistas não comentam a enorme perda em termos de arrecadação previdenciária com isenções e reduções de alíquotas de tributos que servem para o custeio do sistema? Por que os economistas não comentam a perda em termos de arrecadação com as desonerações da folha de pagamento?
    A política desastrosa de desoneração afetou dramaticamente o sistema de seguridade social e nunca vi economista criticar isso. Que se faça justiça ao José Afonso Pastore da FGV que havia feito um estudo a respeito desse tema constatando que entre 2009-2014 as desonerações causaram uma perda de 250 bilhões a previdência.
    Temos um debate pobre e desonesto que exigirá mais sacrifícios de quem começa a trabalhar mais cedo.

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