Acabei de terminar um parecer para o Conselho Administrativo da UnB, minha
esposa está assistindo um filme, mas como perdi mais da metade não quis assistir,
então, entediado em uma noite calorenta de Brasília, resolvi fazer uma
provocação gratuita, barata e desnecessária (mas nem tanto) a alguns colegas.
Olhem o gráfico abaixo:
Trata-se do saldo em transações correntes da economia
brasileira, para não economistas grosso modo valores negativos representam o
quanto de dinheiro temos de pegar no exterior para fechar nossas contas aqui no
Brasil. Reparem que o valor mais baixo na série ocorre em 1983. Não é por
acaso, no final da década de 1970 o mundo entrou em recessão por conta do
Segundo Choque do Petróleo, mas o Brasil decidiu que não queira uma recessão e
tratou de “comprar” a saída da crise, afinal a estratégia parecia ter dado
certo no início da década de 1970 quando do Primeiro Choque do Petróleo. Para
isso precisou se financiar no exterior, em 1983 esse financiamento ultrapassou
6% do PIB. Como ninguém pode se endividar para sempre era necessário reverter a
tendência e ainda conseguir um extra para pagar a dívida acumulada.
A equipe econômica da época, então capitaneada por Delfim
Netto, teve então uma daquelas ideias simples, claras e desastrosas. A lógica
foi mais ou menos assim: temos que conseguir dólares, portanto temos de
exportar, logo uma grande desvalorização do câmbio resolveria nossos problemas.
Segundo esta lógica o câmbio desvalorizado estimularia as exportações e de
quebra ainda dificultaria as importações o que, além de gerar caixa em dólares,
seria um bom estímulo para a indústria nacional. Com esta certeza Delfim protagonizou
o que foi para a história como a Maxi do Delfim (para um relato da época ver
aqui), o então cruzeiro, nossa moeda da época, foi desvalorizado em 30%! Na sequência
o déficit em transações correntes de fato foi revertido (as razões são motivos
para outro post), mas tivemos mais de uma década de hiperinflação e estagnação,
iniciou-se o processo de redução da participação da indústria de transformação
no PIB e ainda vimos um aumento da concentração de renda. Como desgraça pouca é
bobagem também decretamos moratória, salvo engano em 1987. Quase que
literalmente matamos o paciente para curar a doença.
No final de década de 1999 vimos aparecer novamente o
fantasma da crise externa, o déficit em transações correntes se aproximava de
5% e a trajetória de queda lançava temores que poderiam voltas aos níveis do
começo da década de 1980. Não faltaram os que pediam uma nova (maxi)desvalorização,
agora do Real, para resolver o problema. Porém a equipe econômica de 1999,
capitaneada por Pedro Malan e com papel fundamental de Armínio Fraga, não caiu
na tentação da saída fácil e potencialmente desastrosa de desvalorizar o
câmbio. No lugar disto adotou o famoso Tripé Macroeconômico com o câmbio flutuante,
a busca pelo ajuste fiscal e o regime de metas de inflação. Imagino ter sido
uma escolha difícil, até hoje os responsáveis por esta decisão são acusados de
inimigos do povo e outros impropérios, entre os acusadores é possível encontrar
os que causaram a grande depressão e a hiperinflação da década de 1980. De
saída o Tripé parecia que não ia funcionar, aconteceu uma desvalorização do
câmbio, porém levada pelo mercado e não decidida pelo BC, e o saldo em transações
correntes começou a subir. Mas a alegria durou pouco, em 2001 o problema estava
de volta fazendo com que Fernando Henrique Cardoso declarasse que o novo grito
de independência era “exportar ou morrer” (link aqui). Mas o governo persistiu
com o Tripé, mesmo em 2002 quando ocorreu uma grande desvalorização do Real e a
inflação parecia estar de volta o governo persistiu com o Tripé. Os resultados
começaram a aparecer...
A grande surpresa veio em 2003, para espanto de muitos
(inclusive deste blogueiro) o governo Lula manteve o Tripé, na realidade aprofundou
e reforçou a política que vinha sendo implementada desde 1999. O ajuste fiscal
de 2003 foi um dos maiores da história recente, o Banco Central, agora
presidido por Henrique Meirelles, teve liberdade para agir contra a inflação e
assim fez. Até o vice-presidente da república, José Alencar, reclamou
publicamente do aumento dos juros, mas Lula não desautorizou Palocci, seu Ministro
da Fazenda, nem o BC. Ainda em 2003 o saldo em transações correntes se tornou
positivo, seguindo tendência que vinha desde 2001. Na sequência tivemos
crescimento, inflação controlada, distribuição de renda e redução da pobreza, é
fato que a indústria continuou crescendo menos que o PIB, mas isto já vinha
desde meados da década de 1980.
Em 2005 o governo começou a muda o discurso e retomar
algumas ideias desenvolvimentistas, timidamente, mas para um paranoico como eu
já era bem concreto. Na minha avaliação o PAC foi a senha que acenou para a mudança
no discurso (um registro de minha preocupação em maio de 2008 está aqui). Com a
crise de 2008 a ideia do governo estimular a economia virou dominante. O saldo
em transações correntes, que já vinha caindo, ficou novamente negativo, mas a
economia crescia e os que alertaram passaram por pessimistas incorrigíveis. Em
2014 vemos que o saldo em transações correntes continua caindo, a estabilidade
do último período pode decorrer mais de criatividade do que de ajustes na
economia, novamente vemos o discurso do câmbio. Vale lembrar que no começo do
governo Dilma o câmbio estava em R$ 1,60, chegou a R$ 2,40 e agora está em R$
2,30, uma desvalorização de mais de 40%! Mesmo com esta gigantesca
desvalorização sem efeito aparente tem ex-ministro pedindo câmbio acima de R$
3,00 (ver aqui) com o argumento de que é preciso reverter o déficit em
transações correntes, talvez não por acaso na época que o atual ex-ministro
estava no cargo o Brasil vivia uma hiperinflação.
Depois de toda esta história, que nada mais é que uma
provocação de um sujeito calorento e entediado, me pergunto qual será a
estratégia para o próximo ano. Vão apostar na saída mágica da desvalorização
cambial? Vão fazer os ajustes necessários? Aprendemos algo? Esquecemos algo?
Bom Dia, Roberto.
ResponderExcluirQual seria então o melhor caminho? Ajuste fiscal? Levará tempo para elevarmos o superavit primário, o orçamento é muito engessado. Que outras medidas relativamente rápidas poderiam ser tomadas para corrigir o deficit em contas correntes, a inflação, etc? Observação: não sou economista, nem MAV e muito menos simpatizante das ideias (?!) do forodesãopaulo.
Obrigado,
Gabriel
Não existe saída fácil e/ou rápida, os atalhos costumam levar a desastres econômicos. Dito isto o primeiro passo é recuperar a confiança na estabilidade macroeconômica, mesmo com margem pequena creio que algum ajuste pode ser feito, nem que seja apenas para sinalizar. Algo que definitivamente pode e deve ser feito é eliminar todo tipo de "criatividade" nas contas públicas e permitir o ajuste dos preços administrados. Uma vez recuperada a confiança é possível que o próprio crescimento facilite o ajuste fiscal. Este processo é lento e arriscado, mas não conheço outro caminho. A boa notícia é que várias medidas que podem estimular o crescimento de longo prazo podem ser tomadas mesmo no período de ajuste, me refiro especialmente às medidas de simplificação e racionalização de nossa legislação.
ExcluirQual a alternativa ao câmbio como instrumento de ajuste? Elevação do superávit primário? Mas o orçamento federal não é muito engessado, impedindo um ajuste rápido? (Creio que o Mansueto abordou isso). Poderia comentar?
ResponderExcluirObrigado,
Gabriel