Já tinha visto em comentários no FB e em outros espaços
virtuais argumentos que tentam culpar a abertura da economia pelo baixo crescimento,
pela redução da participação da indústria de transformação no PIB e pela que
saldo comercial. Porém o que era “coisa de internet” ganhou tons oficiais
quando Mauro Borges, Ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior
(MDIC), resolveu usar do argumento da abertura em entrevista à Folha de São
Paulo (link aqui). De saída deixo claro que tenho grande admiração por Mauro
Borges e que se é para ter um desenvolvimentista no MDIC que seja ele. Dito
isso não posso deixar de registrar minha discordância em relação à fala do
ministro. Durante a entrevista foram feitas várias críticas mais ou menos
veladas à abertura comercial, mas a passagem que motivou este post foi quando o
ministro respondeu a questão sobre a queda do superávit comercial no governo
Dilma e culpou o fato de sermos uma economia “relativamente aberta”. Ressalto
que, hábil no uso das palavras, o ministro colocou o relativamente, mas a
estrutura dos argumentos deixa claro que o ministro dá um peso significativo a
abertura para explicar nossos problemas.
Os que acompanham o blog sabem que minha explicação para
nossas mazelas econômicas, inclusive o fim do superávit comercial, é de outra natureza.
Ao estimular a demanda em uma economia com restrição de oferta o governo induz
o aumento dos preços, daí a inflação resistente, e faz com que a demanda seja
atendida por produção externa, visto que a produção interna não tem como ser
expandida para atender à demanda. Essa explicação também justifica a manutenção
do emprego, até que as distorções comecem a retrair a oferta, e o baixo crescimento.
Pois bem, não vou entediá-los ainda mais com considerações teóricas sobre a
origem de nossos problemas, os interessados podem ver aqui ou em outros posts
do blog. Vou comparar países que é um exercício mais interessante para posts de
blogs.
Para efeitos de comparação escolhi Chile (minha carta
favorita), México (exemplo do ministro) e Rússia (para ter um BRIC e não ser
acusado de apelar com Índia e China). Antes que alguém venha com a conversa que
não pode comparar Brasil com outros países da América Latina, particularmente o
Chile, por sermos uma economia industrializada e coisa e tal peço que leiam o
posto sobre o assunto (link aqui) ou que tenham em mente que a participação da
indústria de transformação no PIB do Chile é de 11,48%, não muito diferente do
Brasil, no México é de 17,76% e na Rússia é de 14,77%. A ideia é comparar os
graus de abertura e os saldos de bens e serviços dos quatro países. Para isso
usei os dados do Banco Mundial (aqui e aqui), o grau de abertura foi calculado
como a soma das importações e das exportações como proporção do PIB, o saldo
foi calculado como a diferença entre essas mesmas variáveis.
A figura abaixo mostra o grau de abertura nos quatro países,
fica claro que o Brasil é bem menos aberto que os outros. Em 2013 o grau de
abertura do Brasil foi 27,6% contra 65,3% do Chile, 64,2% do México e 50,9% da
Rússia, na média do período o grau de abertura do Brasil foi de 25,6%, o do
Chile foi de 68,3%, o do México foi de 56,6% e o da Rússia foi de 55,3%. Desta
forma é possível dizer que no período 2000 a 2013 o grau de abertura do Brasil
foi menor que a metade do segundo mais baixo da amostra, o da Rússia. A partir
destes números fica difícil dizer que o Brasil é uma economia aberta, mesmo
colocando o relativamente, me parece inadequado. Mais apropriado seria dizer
que é uma economia relativamente fechada.
É possível relacionar o grau de abertura com o desempenho do
saldo de bens e serviços e com o
desempenho da economia? Afinal, essa foi a sugestão do ministro e é exatamente
o que quero questionar. Comecemos pelo desempenho da economia. A figura abaixo
mostra a evolução da renda per capita corrigida por paridade do poder de
compra, novamente usei dados do Banco Mundial (link aqui). Entre 2000 e 2013 o
país que mais cresceu foi a Rússia e depois o Chile. No mesmo período o grau de
abertura da Rússia foi quase o dobro do grau de abertura do Brasil, o grau de
abertura do Chile foi ainda maior que o da Rússia. O Brasil cresceu mais que o
México, sendo que o grau de abertura do último é maior que o da Rússia e menor que
o do Chile. Se grau de abertura impedisse crescimento seria de se esperar que o
Brasil fosse o país com maior crescimento dos quatro, não foi.
O resultado muda depois da crise? Muda. A figura abaixo
mostra a renda per capita dos quatro países depois da crise. Note que o Chile,
país com maior grau de abertura do quatro foi o que mais cresceu no período
posterior a crise. Novamente o desempenho do Brasil é pior que o da Rússia e
comparável ao do México. Como concluir que o Brasil é uma economia
relativamente aberta? Mais grave, como a partir desta conclusão culpar a
abertura pelo desempenho da economia?
Falemos agora da balança de bens e serviços. É fato que
Rússia e Chile tiveram queda no resultado externo, nos dois países a queda vem
de antes da crise. Nos dois países é possível que a queda esteja relacionada ao
setor externo, afinal são economias “relativamente” abertas, mas no Brasil?
Considere que em 2007, ano anterior à crise, as exportações brasileiras eram
13,4% do PIB e em 2013 foram de 12,6% do PIB, isso mesmo, a queda nas exportações
entre 2007 e 2013 correspondeu a menos de 1% do PIB. Ainda não está satisfeito?
Em 2010, ano em que a economia cresceu mais de 7%, as exportações foram 10,9%
do PIB. A verdade é que durante o governo Dilma as exportações aumentaram em
relação ao PIB. A redução do saldo na balança de bens e serviços não decorre de
queda nas exportações, decorre de aumento das importações. Então o ministro
está certo quando afirma que empresas estrangeiras estão tomando mercado das
empresas nacionais? Não creio. Se fosse o caso deveríamos estar vendo um
aumento do desemprego, a tese que as empresas estrangeiras estão atendendo a
demanda criada pelo governo e que as empresas locais não conseguem atender me
parece mais convincente. Até porque boa parte do aumento das importações vem do
petróleo...
A figura baixo ilustra o saldo de bens e serviços dos quatro
países. Repare que o único que não caiu foi o México, exatamente o país que o
ministro aponta como mau exemplo e o país que aumentou de forma significativa o
grau de abertura depois da crise. Mais uma vez fica difícil defender a tese que
o comércio exterior é o culpado de nossos males.
Enfim, o post foi um exercício para ilustrar o que considero um erro de diagnóstico do ministro Mauro Borges. O risco é que enquanto persistirmos no
diagnóstico errado nossos problemas não serão resolvidos. Para terminar com uma
provocação pergunto se faz sentido um governo que apresentou a vinda da Foxconn
como trunfo de política econômica acusar alguém de querer transformar o
Brasil em um país de maquiladoras? Não me entendam mal, não tenho nada contra a
Foxconn montar produtos eletrônicos em terras tupiniquins, mas também não faço
apologia à indústria nem muito menos defendo política industrial.
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