Se existe uma tese persistente no debate político e
econômico brasileiro é que os bancos são os grandes beneficiários dos juros
altos. É fácil entender a razão da tese: como pagamos juros aos bancos
acreditamos que quanto maiores os juros mais os bancos lucram. Atualmente esta
tese é explorada no debate político por conta da proposta da candidata Marina
Silva de dar independência ao Banco Central. Os críticos dizem que o BC independente
aumentaria os juros por conta de pressão dos banqueiros em busca de lucros
altos e fáceis. Devo alertar ao leitor que o debate a respeito da independência
do Banco Central é um debate complexo. Eu sou favorável à existência de um BC
independente, dito isto eu reconheço argumentos válidos tanto dos que são
contra a independência do BC quanto dos que são contra a existência do BC. O
que vou explorar neste post é a tese que bancos são os grandes ganhadores
quando a taxa de juros aumenta.
Existem duas questões que me incomodam na tese. A primeira é
que bancos são intermediários, recebem juros dos que pegam dinheiro emprestado
e pagam juros aos que emprestam dinheiro aos bancos. Sendo assim não é óbvio
que o aumento dos juros aumente os lucros dos bancos, isto só acontecerá se os
bancos conseguirem repassar o aumento dos juros mais algum adicional para os
que pegam dinheiro emprestado. Dada a concentração do mercado bancário
brasileiro é bem possível que isto aconteça, mas aí a solução seria combater a
concentração no mercado. Outro ponto, mais relacionado à macroeconomia, é que tipicamente
o BC aumenta juros como forma de combater a inflação. Se existe uma coisa que
traz lucro para bancos é inflação alta, o motivo é que os bancos recebem um
enorme volume de dinheiro sem pagar juros nenhum. O dinheiro que está na minha
conta corrente, na sua também, não rende juros algum, não obstante os bancos emprestam
parte deste dinheiro e ganham juros com isto. Como a inflação é facilmente
repassada para os juros dos empréstimos quanto maior for a inflação maior será
o ganhos dos bancos com estas operações. Os que já passaram dos quarenta devem
lembrar que nos anos 80 e 90 diziam que os bancos jamais permitiriam o fim da inflação
porque seria o fim do dinheiro fácil deles. Vejo mais sentido nesta afirmação
do que na afirmação que os bancos não permitem a queda dos juros.
Cheio de dúvidas eu resolvi me aventurar nos números. Não
sou especialista em finanças e, por conta disto, tive algumas dificuldades de
encontrar os dados que eu precisava para o post. Depois de algum esforço buscando
os dados eu escolhi trabalhar com duas medidas que estão disponíveis na página
do Banco Central e que são amplamente utilizadas por analistas financeiros
interessados em avaliar o retorno de uma empresa. A primeira é chamada de RoE (Return
on Equity) e mede o retorno sobre o capital próprio, a segunda é chamada RoA (Returno
n Assets) e mede o retorno sobre o total de ativos (mais informações aqui e
aqui). Na realidade decidi escrever este post na última sexta-feira quando na
defesa de mestrado do Pedro Estrella, aluno do mestrado profissional da UnB, vi
um gráfico onde ficava claro que o RoE dos bancos tinha aumentando em relação
ao período de altas taxas de juros dos anos 1990. Existe alguma polêmica sobre
qual o indicador é mais apropriado para os bancos, se o RoE ou o RoA. A figura
abaixo mostra que os dois tem comportamento semelhante no período entre janeiro
de 2001 e maio de 2014, período para o qual os dados estão disponíveis no BC.
Note que para fins de comparação o gráfico usa duas escalas, no lado esquerdo está
o RoE e no lado direito está o RoA.
O próximo passo foi encontrar a taxa de juros. Na página do
IPEADATA (link aqui) encontrei o valor mensal da taxa Over/Selic, que é a taxa
de juros que o governo paga aos bancos. A figura abaixo mostra a relação entre
o RoE e a taxa Over/Selic. As variáveis nem sempre andam juntas. Note que entre
agosto de 2005 e fevereiro de 2008 ocorre uma queda significativa da taxa
Over/Selic enquanto ocorre um aumento do RoE. Entre junho de 2008 e outubro de
2009 o RoE cai, mas a queda provavelmente decorreu da crise financeira de 2008.
A partir de 2010 o RoE fica relativamente estável apesar dos movimentos da taxa
de juros. Como a análise visual pode ser enganosa resolvi fazer alguns testes
estatísticos. Aviso ao leitor mais exigente que não se trata de uma análise
para um artigo científico, trata-se de uma análise para um post de blog que
pretende apenas provocar algumas discussões que podem ou não seguir adiante.
O primeiro passo foi calcular a correlação entre RoE e RoA,
como esperado o valor deu alto e significativo. Depois fiz a correlação entre
RoE e Over/Selic, o valor foi próximo de zero e não foi possível rejeitar a
hipótese que a correlação é igual a zero (p.value 0.9869), a mesma coisa
aconteceu com a correlação entre RoA e Over/Selic, novamente a correlação foi
baixa e não foi possível rejeitar a hipótese que a correlação é zero (p.value
0.7475). Como sou insistente fiz uma regressão entre RoA e Over/Selic, para
isto considerei o logaritmo de uma mais o RoA e o logaritmo de uma mais a taxa
Over/Selic. Como a esta altura já era de se esperar a regressão mostrou que a
taxa Over/Selic não explica o RoA (p.value 0.226).
Ao observar os dados vemos um período muito atípico entre
junho de 2001 e maio de 2002. Resolvi refazer as conta retirando esse período,
desta forma apenas considerei os dados de junho de 2002 em diante. Com essa
nova amostra eu finalmente encontrei uma correlação significativa entre a taxa
Over/Selic e o retorno dos bancos. Para o RoE a correlação foi de 0,42 (p.value
2.39e-07) e para o RoA a correlação foi de 0,35 (p.value 1.67e-05), ambas
positivas e significativas. O próximo passo foi fazer as regressões para RoE e
para RoA, novamente encontrei valores positivos e significativos, na regressão
para o RoE o coeficiente da taxa Over/Selic foi 0,55 (p.value 7.39e-10) e na
regressão para o RoA o coeficiente da taxa Over/Selic foi de 0,34 (p.value
2.35e-07), ambos foram significativos. As regressões também mostraram que a
variação da taxa Over/Selic explica 23,6% da variação do RoE e 17,3% da
variação do RoA.
Qual minha conclusão? Uma resposta mais precisa exigiria
mais testes estatísticos nas séries, o que tenho é que consegui encontrar uma relação
entre a taxa Over/Selic e o retorno dos bancos, mas para isto tive de
considerar apenas uma parte específica da amostra. Tirando o fato dos úmeros parecerem
estranhos não sei de um bom motivo para não considerar o que ocorreu entre
junho de 2001 e maio de 2002, para que leitor tenha noção do perigo de “brincar”
com amostras se eu tivesse considerado o período entre agosto de 2005 e outubro
de 2008 eu teria encontrado uma relação negativa entre a taxa Over/Selic e o
RoE e uma relação negativa e significativa entre a taxa Over/Selic e o RoA.
Logo eu diria que existem evidências (muito) fracas de um efeito da taxa
Over/Selic no retorno dos bancos. Dadas as evidências entre inflação controlada
e bem estar da população, em particular dos que vivem de salário, eu creio que
o motivo combate a inflação é o que guia as decisões do BC de aumentar os
juros, qualquer dia eu faço uma análise semelhante sobre o efeito da inflação
no retorno dos bancos. Porém, sejam lá quais forem os motivos do BC, na
condição de assalariado eu prefiro viver em um país o Banco Central,
independente ou não, tem como prioridade combater a inflação. E você?
Otima analise. Desmistificando que o Banco Central é apenas um minstrumento de banqueiros gananciosos que manipulando a taxa SELIC aumenta os seu lucros
ResponderExcluirObrigado pela análise, acho que ela foi interessante e fiquei muito curioso para ver suas observações considerando a Inflação nessa regressão. Vai ser interessante ver o resultado. Abraços!
ResponderExcluirInteressante análise, nas fiquei com uma dúvida : suas regressões levam em consideração o lag entre taxa de juros e roe? Pergunto porque imagino que no caso de taxas pré fixadas, o aumento de roe depende das taxas dos novos empréstimos. Por isso eu esperaria um aumento no roe de 6 meses a 1 ano depois
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