Um dos temas mais polêmicos no atual estágio da reforma da
previdência é a questão dos estados, em particular a questão é saber se os servidores
dos estados devem ser incluídos nas mesmas regras dos servidores da União. Não é
uma questão trivial pois coloca um conflito entre a questão fiscal e o pacto
federativo, mais Brasília ou mais Brasil. Tudo fica mais grave por conta da
tradição da União em socorrer estados com sérios problemas fiscais, o risco de
governadores fugirem do custo político da reforma na esperança de mandar a
conta para União é real. Por outro lado, incluir os estados nas regras da União
por decisão do Congresso Nacional é apostar no modelo “one size fits all” onde
cabe a Brasília decidir o que é bom para os estados.
Para jogar uma luz no problema busquei os dados da Instituição
Fiscal Independente sobre as finanças estaduais (link aqui). Lá é possível encontrar várias
informações sobre as contas dos estados, entre elas estão os gastos com pessoal
ativo e inativo, os resultados previdenciários e as receitas correntes de cada
estado. O último ano completo é 2017, por isso toda a análise deste post será
feita com referência a 2017. Naquele ano o déficit da previdência em todos os
estados foi de R$ 79 bilhões, para referência d leitor o déficit do RGPS em
2017 foi de R$ 184 bilhões e o déficit previdenciário dos servidores da União foi
de R$ 86 bilhões. Como o leitor pode observar estamos falando de valores
relevantes. Dos R$ 79 bilhões de déficit nos estados a região Centro-Oeste
responde por R$ 4,9 bilhões, a região Nordeste por 12,8 bilhões, a região Norte
por 623 milhões, a região Sudeste por 46,5 bilhões e a região Sul por 14,3
bilhões. A figura abaixo mostra o déficit de cada estado e o DF, repare que
Roraima, Tocantins e Rondônia, estados jovens, apresentam superávit nas contas
previdenciárias.
O valor do déficit por estado oferece uma dimensão do
problema, mas não é adequado para comparações. É natural que estados maiores e
mais ricos, e.g. São Paulo, tenham déficits maiores, para facilitar a
comparação vou usar a razão entre resultado previdenciário e receita corrente de
cada estado. Esse procedimento ajusta quanto cada estado está gastando para
cobrir a diferença entre receitas e despesas previdenciárias como proporção do
quanto o estado arrecada. Mal comparando é como analisar o gasto de uma família
como proporção do salário desta família. A figura abaixo mostra a relação entre
resultado previdenciário e receitas correntes para cada estado e o DF.
Repare que uma vez ajustado pela receita corrente o déficit
de São Paulo fica bem menos em destaque do que na figura anterior. É como dizer
que São Paulo gasta mias, mas tem mais dinheiro para pagar. O déficit previdenciário
de São Paulo toma pouco mais de 10% da receita corrente do estado, o que não
deixa de ser preocupante. Com esse quesito o campeão de déficit previdenciário é
o Rio de Janeiro, cerca de 20% da receita corrente do estado vai para cobrir
déficit previdenciário. O clube dos que usam mais de 15% da recita corrente
para cobrir déficit previdenciário ainda tem Minas Gerais, Rio Grande do Sul,
Rio Grande do Norte e Santa Catarina.
Um exercício interessante é focar apenas na receita
tributária dos estados e observar o resultado previdenciário como proporção do
que o estado de fato arrecada (lembre que a receita corrente inclui as transferências
da União). A figura abaixo mostra esse indicador. Repare que por esse quesito Sergipe
e Rio Grande do Norte ultrapassam o Rio de Janeiro, de fato, nesses estados
mais de 40% da arrecadação vai para cobrir o resultado da previdência. Rio de
Janeiro (33%), Minas Gerais (33%), Paraíba (31%) e Rio Grande do Sul (30%)
completam o clube dos estados que usam mais de 30% do que arrecadam para bancar
o déficit da previdência de seus servidores.
Um último exercício que pode ajudar a entender o problema é
comparar o que cada estado gasta com pagamento de inativos e ativos, a figura
abaixo mostra essa relação. Aqui o leitor pode entender o tamanho do problema
do Rido de Janeiro, o estado gasta com inativos cerca de 1,6 vezes o que gasta
com ativos. Isso mesmo, para cada R$ 100 que o Rio de Janeiro gasta com servidores
ativos o gasto com servidores inativos é de R$ 160, em número fechados: no ano
de 2017 o estado do Rio de Janeiro gastou R$ 15,1 bilhões com pessoal ativo e R$
23,6 bilhões com pessoal inativo. Minas Gerais, Rio Grande do Norte, Santa
Catarina, Bahia, Rio Grande do Sul, Sergipe e Paraíba gastam com inativos mais
de 50% do que gastam com ativos.
A análise das figuras anteriores sugere que os estados
apresentam situações diferentes em relação à questão previdenciária. Em estados
mais jovens como Roraima, Tocantins e Rondônia o problemas previdenciário ainda
está no futuro, em estados como Rio de Janeiro, Minas Gerias e Rio Grande do
Norte o problema já é uma realidade. A figura abaixo tenta ilustrar os grupos de
estados.
O grupo que parece mais problemático apresenta gasto com
inativos acima de 50% do gasto com ativos e um déficit previdenciário que compromete
mais de 10% da receita corrente, nesse grupo estão: Rio de Janeiro, Minas
Gerais, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte, Santa Catarina, Sergipe e
Paraíba. Na outra ponta está o grupo onde a questão previdenciária é menos
urgente: Roraima, Rondônia, Tocantins e Amapá, repare que o grupo é composto
por estados criados na Constituição de 1988 o que sugere que a falta de problemas
é pode ser por falta de tempo para a previdência virar um problema e não necessariamente
porque o regime de previdência destes estados é sustentável no longo prazo. Os outros
estados ficam no grupo intermediário com destaque para Bahia que apresenta um
preocupante gasto com inativos superior a 50% do gasto com inativos.
Os números analisados nesse post sugerem que existem diferenças
entre os estados que podem justificar que cada estado defina seu próprio regime
de previdência. Por outro lado, a urgência do problema fiscal e o risco de a
União ter de salvar estados que não fizerem reformas, que não necessariamente
serão os que estão no grupo menos problemático, recomenda que o Congresso imponha
as regras dos servidores da União para os servidores de todos os estados. O que
fazer? Se existir escolha o ideal seria incluir os estados na reforma, é uma
escolha mais por necessidade do que por convicção dado que considero que fortalecer
a autonomia dos estados reduzindo os poderes da União no pacto federativo.
Como parece que não existe escolha talvez seja a
oportunidade de confiar mais na descentralização e começar a cobrar dos
governadores medidas para equilibrar a previdência nos estados que governam. De
toda forma, como cautela não faz mal a ninguém, é recomendável incluir nos
planos de ajuda aos estados uma cláusula com parâmetros explícitos de
equilíbrios financeiro e atuarial do regime previdenciário de cada estado. Quem
não atingir esses parâmetros não recebe ajuda.
Boa Noite Professor, tudo bem?
ResponderExcluirProfessor, eu gostaria de saber a opinião do senhor sobre a "reforma da previdência" dos militares, pois, pelo o que eu entendi até agora é, de 100% do valor contribuído por eles, a União injeta 38 vezes mais para pagar todos as despesas, portanto, a reforma em discussão no congresso trata do Regime Geral e Próprio, porém, retirou os Estados e Municípios do projeto, e a reforma dos militares é compensada pela reestruturação dos cargos dos mesmo, sendo assim, a dita reforma salvadora, será simplesmente uma reforminha que não trará os resultados esperados?
Muito Obrigado. Parabéns pelo texto!!
Obrigado. A reforma dos militares bem como nos estados e municípios é fundamental tanto pela questão fiscal quanto pela questão de justiça. Espero que no futuro o Congresso trate das duas questões, mas, dada a urgência do problema fiscal, aprovar uma reforma incompleta é melhor do que deixar o assunto parar esperando uma reforma mais completa.
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