sábado, 27 de julho de 2019

Ainda não é o primeiro semestre de 2003, mas já podemos falar em ajuste fiscal.


Com dados relativos a seis meses de governo já é possível dar uma primeira olhada no comportamento da despesa e verificar o esforço de ajuste fiscal do time do Paulo Guedes. No primeiro semestre de 2019 o governo gastou R$ 653,8 bilhões com despesas primárias em valores correntes, se for ajustado pela inflação o gasto foi de R$ 658,4 bilhões em valores de junho de 2019. Com os devidos ajustes o gasto no primeiro semestre corresponde 47,26% do total permitido pelo teto de gastos, um número preocupante se considerarmos que a despesa no segundo semestre costuma ser maior do que no primeiro semestre.

Considerado o período de 1997 a 2018 a despesa do segundo semestre foi em média 18% maior que a do primeiro semestre, se considerarmos apenas o período posterior a 2014 esta proporção cai para 13%. Desta forma a valer a proporção mais recente o governo está em cima do teto, não pode nem piscar, a valer a proporção do período inteiro o governo está acima do teto e vai precisar de mais ajustes no segundo semestre. Não fosse o esforço fiscal do primeiro semestre a situação podia ser dramática, a figura abaixo mostra o gasto no primeiro semestre de cada ano desde 1997. Repare que este foi um dos poucos anos em que ocorreu queda no gasto.




Em todo o período entre 1998 e 2019 o gasto do primeiro semestre caiu em relação ao primeiro semestre do ano anterior apenas em 1999, 2003, 2015 e 2019. A figura abaixo ilustra a variação do gasto do primeiro semestre em relação ao primeiro semestre do ano anterior em cada ano. Repare que a queda deste ano só perde para a de 2003 que continua sendo a maior do período por larga margem. Se o ajuste deste ano combinado com a reforma da previdência vai conseguir estabilizar a dívida e ajudar na recuperação da confiança e do investimento só o tempo dirá, mas sem dúvida foi um esforço importante e necessário que merece registro.




Para entender a importância da reforma da previdência é válido dar uma olhada nos principais componentes da despesa primária do governo. A figura abaixo mostra esses componentes, repare que a previdência (em vermelho) não apenas é o maior gasto como é o que cresce de forma mais rápida e mais consistente. As despesas sujeitas a programação financeira, onde estão as despesas discricionárias, começou a ser ajustada ainda em 2015 quando Dilma reconheceu a necessidade do ajuste fiscal. Da mesma época começa o controle do gasto com pessoal, que teve um pulo no governo Temer, mas depois seguiu estável. Mesmo as despesas obrigatórias começam a ser ajustadas a partir de 2016, repare que a previdência parece estar fora de controle. O objetivo da reforma é controlar o gasto com previdência, só e tudo isso.




Uma última comparação que faço menos por considerar relevante e mais porque sempre aparece alguém perguntando diz respeito ao pagamento de juros. Não considero a comparação relevante porque pagamento de juros na verdade é pagar por despesas realizadas no passado, por exemplo, parte dos juros que pagamos diz respeito a gastos com previdência que foram pagos com empréstimos por falta de recursos para fazer o pagamento na época. Isso vale para outras despesas. Desta forma quando comparamos juros com alguma despesa estamos na verdade comparando a antecipação de despesas no passado, inclusive a que estamos comparando, com a despesa realizada no presente. Considerando o exemplo da previdência é como se estivéssemos comparando gasto com previdência no passado com gasto de previdência no presente e não gastos de natureza diferente como previdência e investimentos. A figura abaixo faz a comparação que não gosto e mostra o gasto com juros e com previdência no primeiro semestre de cada ano.




Repare que mesmo a despesa com juros não mostra a tendência de crescimento observada na despesa com benefícios previdenciários. Depois do pico de 2015 quando rentistas indignados com o tanto de dinheiro que estavam ganhando resolveram derrubar o governo para ganhar menos (ridículo, mas tem gente que acredita) os juros pagos pelo Tesouro tiveram queda e um comportamento oscilatório. Com a queda da Selic e da inflação é muito provável que o pagamento de juros siga em uma trajetória de queda nos próximos anos.

O resumo da história é que há um esforço fiscal por parte do governo e que apenas no primeiro semestre de 2003 foi observado um esforço maior quando é feita a comparação semestre a semestre. Graças a este esforço o governo segue uma trajetória de gastos compatível com o teto, o que pode significar menos tensões no segundo semestre. A combinação da reforma da previdência com a queda de juros e inflação pode levar a uma estabilização ou mesmo queda na relação dívida/PIB. É difícil falar em solução do problema fiscal com uma dívida bruta chegando a 80% do PIB, mas, com as devidas ressalvas, dá para falar que estamos melhorando no lado fiscal.


4 comentários:

  1. Parabéns Roberto! Você é uma ilha de lucidez nesse mundo de analfabetos, tanto de colegas seus como de jornalistas da área economica. A maioria, infelizmente, militantes vermelhos. Zé Carlos.

    ResponderExcluir
  2. Parabéns Roberto! Admiro a lucidez de seus comentários. Sempre muito bom os seus esclarecimentos diante do mar de mediocridade de jornalistas da área econômica, quase todos só militantes vermelhos. Zé Carlos

    ResponderExcluir