Nesta semana, mais precisamente no dia 27/04, o Observatório
de Política Fiscal do IBRE/FGV fez um apanhado das medidas econômicas de combate
à crise causada pelo coronavírus. O documento apresenta uma comparação das medidas
no Brasil e em outros países e faz algumas decomposições das medidas do Brasil,
recomento que leiam o relatório completo (link aqui) ande de ler esse post que
nada mais é do que minha leitura dos números que estão lá.
Comparações internacionais são sempre delicadas, a mais
completa que conheço é do FMI (link aqui), mas até que o FMI sinta segurança para resumir
em uma base de dado é melhor tomar cuidado e resistir à tentação de usar esses
dados para comparações entre países. A nota do IBRE, assinada pelo Manoel Pires
que é meu colega de departamento, faz ressalvas quanto aos números, recomendo
que leiam. Aqui vou usar os números que estão na tabela partindo do princípio de
serem os mais adequados para comparações.
A figura abaixo mostra os programas de combate à crise,
excluídas medidas de crédito, nos países da amostra do IBRE. Repare que o
Brasil só fica atrás do Canadá e da Austrália. O número está em claro contraste
com análises que sugerem que o governo brasileiro está optando por austeridade
no meio da pandemia. A impressão de excesso de timidez nos programas do governo
talvez decorra da inacreditável sequência de declarações infelizes (para dizer
o mínimo) do Presidente da República a respeito da pandemia somada aos constantes
ataques às medidas de isolamento. O resultado do IBRE não pode ser comparado
diretamente com os resultados de outro post que fiz sobre o assunto (link aqui), mas ambos negam
a tese que os programas de ajuda do governo são tímidos.
Em contraponto aos programas governamentais, os gastos com créditos
fiscais como proporção do PIB por aqui estão entre os menores da amostra. Vale,
porém, ressaltar que estamos na frente da Argentina e do Chile, os dois únicos
países latinos da amostra, de fato, todos os outros países são classificados pelo
FMI como avançados. Se a posição modesta é por sermos emergentes em uma
amostra composta majoritariamente por países ricos, se decorre de outras características
do país, especialmente do sistema financeiro, ou se é excesso de timidez do
governo deixo para discutir em outra oportunidade.
A figura abaixo junta os dados da segunda e da terceira
tabela do texto do IBRE para comparar o quanto destinado aos vários tipos de
ações do governo. Os três maiores itens foram:
- Novas despesas: destaque para transferência de renda extraordinária (R$ 124,2 bilhões), um programa que ainda pode aumentar nos próximos meses, e complementação de redução da jornada com seguro desemprego *R$ 51,2 bilhões)
- Adiamento de receitas: destaque para postergação do PIS/Cofins e contribuição patronal por dois meses (R$ 82 bilhões) e para o diferimento por três meses do FGTS (R$ 30 bilhões).
- Suporte a Estados e Município: destaque para transferências diretas (saúde, alimentação escolar, SUAS e repasses diretos) e suspensão temporária das dívidas de estados e municípios com a União (R$ 22,6 bilhões).
Como a nota do IBRE tem como um de seus objetivos comparar os
programas destinados ao setor privado (talvez fosse melhor falar empresas e
famílias, mas isso é outra conversa) com os programas de suporte a estados e
municípios os dados ficaram separados em duas tabelas. Fiquei preocupado que ao
juntar eu acabasse incorrendo em dupla contagem, mas, como a soma dos gastos deu
igual à do IBRE creio que não foi o caso. De fato, o único número da nota que
não reproduzi foi o do gasto como proporção do PIB das medidas com impacto no
gasto primário que deu 4,3% na nota e eu cheguei a 4,58%, a diferença parece
vir das medidas de desoneração que , creio eu, devem entrar na conta, mas a
nota desconsidera para chegar ao número final.
A figura abaixo mostra três diferentes composições para o
gasto total. A primeira coluna mostra as medidas de crédito em azul (2,06% do
PIB) e as outras medidas (6,98% do PIB) em vermelho. A segunda coluna mostra as
medidas de suporte a estados e municípios (1,83% do PIB) em azul e as outras
medidas em vermelho (7,21% do PIB). A última coluna mostra as medidas com
impacto no gasto primário (4,58% do PIB) e azul e as medidas sem impacto no primário
(4,46% do PIB) em vermelho. Ao contrário da discrição deste parágrafo, no
gráfico apresento os valores em bilhões de reais.
Para uma análise do papel das medidas de crédito seria
importante ter as medidas de crédito sem impacto fiscal, grosso modo as medidas
tomadas pelo Banco Central envolvendo garantias, liberação de compulsórios e
redução de juros. De modo geral creio que a melhor estratégia prioriza medidas
de crédito em detrimento de políticas de gastos, mas entendo que nem sempre é
possível perseguir a melhor estratégia, ainda mais no meio de uma pandemia e
com todas as tensões políticas que estamos presenciando.
As medidas de suporte a estados e municípios devem ser
discutidas na próxima semana, o mais prudente a fazer é esperar mais um pouco
antes de qualquer avaliação. É certo que a União deve ajudar os entes
subnacionais, mas a ajuda deve estar condicionada a contrapartidas pro parte de
prefeitos e governadores. Como já foi dito em outros lugares, não faz sentido a
ajuda da União virar aumentos ou gratificações para servidores públicos em
carreiras sem envolvimento direto com o combate à pandemia.
Imagino que o pessoal do governo esteja fazendo um esforço
para minimizar as medidas com impacto direto no gasto primário, desde antes da
crise, na realidade desde o final de 2014, o governo vem tentando reduzir o déficit
primário. Mesmo assim, como mostra a figura, cerca de metade do gasto para
combater a crise vai afetar o gasto primário. O impacto das medidas de combate à
crise no gasto primário vai comprometer o esforço fiscal dos últimos cinco anos
e três governos, porém é inevitável e, dado que o governo vai ser obrigado a
gastar o que não tem, sobra tentar fazer esse gasto com o máximo de zelo e eficiência.
Um cuidado a ser tomado é priorizar medidas temporárias em detrimento de
medidas permanentes, não esqueci a lição de Friedman sobre o caráter permanente
das medidas temporárias adotadas pelos governos, me conforto imaginando que
Paulo Guedes também não esqueceu.
0 comentários:
Postar um comentário