sábado, 9 de maio de 2020

Uma nota a respeito da (grande) desvalorização do real.


O Brasil tem um regime de câmbio flutuante e o Banco Central não tem compromisso com nenhuma taxa específica, ainda assim variações no câmbio, como em qualquer preço, têm efeitos na economia causando perdas e ganhos em grupos distintos de famílias e empresas. Isso não implica que o Banco Central deva impedir tais flutuações, mas acompanhar as variações no câmbio é importante para entender o que pode acontecer na economia após a pandemia.

Grosso modo os ganhadores com a desvalorização da moeda local, ou valorização da moeda externa, são os exportadores, que passam a receber mais reais por dólar exportado, e as empresas que concorrem com produtos importados, que são beneficiadas nem que temporariamente pelos preços mais altos dos concorrentes. Na outra ponta estão os que possuem renda em reais e compram produtos importados ou produtos cujo preço é sensível ao dólar, estão aí trabalhadores e pensionistas, empresas que precisam importar insumos ou máquinas e quem está endividado em dólares ou outras moedas estrangerias.

Um outro efeito da desvalorização do câmbio que costuma ser apontado por economistas desenvolvimentistas é o barateamento do custo da mão de obra do país em comparação com a mão de obra do exterior. Com esse efeito é possível que as empresas instaladas no país sejam beneficiadas não apenas pelo encarecimento dos produtos concorrentes importados como se tornem mais competitivas no exterior por enfrentarem custos mais baixos em comparação com as empresas instaladas em outros países. Isso torna ainda mais escandaloso o pedido de proteção de empresários nacionais mesmo diante de uma grande desvalorização do real.

Não vou entrar na questão dos efeitos do câmbio na competitividade da indústria, já fiz isso em outros lugares, apenas registro que acredito que esses efeitos são bem menores do que pensam meus colegas desenvolvimentistas e que podem até ir na direção contrária se o efeito sobre o custo de importar novas máquinas for muito significativo. O que quero ilustrar nesse post é que a desvalorização do real, para o bem o para o mal, foi grande, muito grande. A figura abaixo mostra a valorização do dólar em relação a moedas de diversos países ou regiões nos últimos trinta dias.




Em nove de abril o dólar custava R$ 5,11, na sexta-feira, oito de maio, estava em R$ 5,73, uma valorização de pouco mais de 12% frente ao real. Foi a maior valorização frente a moeda local em todas os países avaliados. A segunda maior valorização do dólar ocorreu na Turquia e foi 6,2%, quase metade da que ocorreu aqui.

Se considerarmos desde o começo do ano a maior valorização do dólar dentre os países selecionados também aconteceu por aqui e foi de 42,4%. Neste período o México ficou em segundo lugar com valorização de 25% do dólar e a Turquia, com 19,1%, ficou em terceiro.




Considerando os últimos seis meses a valorização do dólar também foi maior por aqui do que nos outros países da amostra. A ordem continua sendo Brasil, México e Turquia com valorizações de 38,2%, 23,7% e 22,8%, respectivamente.


O Brasil só perde a liderança quando o período é estendido para os últimos doze meses, nesse intervalo de tempo a maior valorização do dólar diante a moeda local ocorreu na Argentina. Se o amigo é daqueles que não gostam de perder para argentina nem quando o assunto é desvalorização da própria moeda talvez queira saber que perdemos por pouco, lá o dólar valorizou 48,7% e por aqui 45,2%, se as moeda dos dois países continuarem no mesmo ritmo das últimas semanas rapidinho passamos deles.



Piadas à parte a realidade é que a desvalorização do real diante ao dólar foi grande, se não ocorrer uma reversão a economia pós-pandemia terá uma dinâmica diferente da que vimos nos últimos anos. Caso Paulo Guedes (e os desenvolvimentistas) estiverem certos o combo “juros baixos e câmbio desvalorizado” pode ajudar no aumento do investimento e no fortalecimento da indústria de transformação instalada no país. Outra possibilidade, creio que mais provável, é que o crescimento não virá por conta dos juros baixos e do câmbio desvalorizado de forma que o Banco Central vai ter de escolher entre elevar juros ou aceitar uma inflação mais alta do que a dos últimos anos.


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