O IBGE divulgou as contas nacionais referentes ao primeiro
trimestre de 2020 (link aqui), com isso podemos começar a vislumbrar o impacto da Covid-19
na economia brasileira. As medidas de isolamento começaram em meados de março,
mas antes disso a economia já sentia os efeitos da pandemia por conta do
mercado financeiro e de dificuldades em exportar e em importar. Apesar de
relevantes, os problemas do primeiro trimestre são pequenos perto do que
aconteceu em abril e maio e deve acontecer em junho. Mesmo com pouco efeito das
políticas de isolamento o quadro ficou bem preocupante.
O primeiro de trimestre de 2020 inicia uma série de trimestres
onde será impossível falar de PIB e de outros indicadores sem fazer referência a
pandemia de Convid-19. A estratégia de recuperação lenta e consistente buscando
reformas e tentando não perder o controle do lado fiscal foi comprometida. A
necessidade de gastos do governo para equipar hospitais e manter a economia o
mais fria possível comprometeu os esforços de ajuste fiscal dos últimos anos. A
agenda de reformas, por mais importante e necessária que seja, vai
inevitavelmente perder espaço para o desafio (talvez impossível) de proteger a
renda das famílias e a viabilidade das empresas em um cenário de estímulos à
redução da produção. Esse é um ponto que não pode nunca ser esquecido, ao
contrário de outras crises onde as políticas para aquecer a economia ajudam a
elevar a renda e viabilizar empresas no curto prazo (pelo menos em tese) nessa
crise as políticas para manter pessoas em casa e empresas fechadas levam a
perda de renda e inviabilizam empresas no curto prazo. Daí o caráter único do
desafio econômico e a razão de políticas de demanda como redução de juros e
aumento de gastos não parecerem capazes de entregar crescimento nem no curto
prazo.
A figura abaixo mostra o crescimento da economia desde 1996, as
barras mostram o crescimento em relação ao trimestre anterior (com ajuste
sazonal) e a linha mostra o crescimento acumulado em quatro trimestres. No
acumulado a economia cresceu 0,9%, mas a última barra dá uma noção relativa do
tamanho da queda de 1,5% neste primeiro trimestre. A maior queda continua sendo
a do quarto trimestre de 2008 com a crise financeira iniciada nos EUA, 3,9%,
seguida da queda no segundo trimestre de 2015 na série de quedas que se
seguiram ao colapso da Nova Matriz Econômica, 2,1%, primeiro trimestre de 1998
com o colapso do regime de bandas de câmbio, 2,1%, primeiro trimestre de 2009
também com a crise financeira de 2008, 1,6%, e finalmente o primeiro trimestre
de 2020 com queda de 1,5%.. Infelizmente é possível que neste trimestre estejamos
vivendo uma queda maior que a do quarto trimestre de 2008.
Ao contrário de outros analistas que tentam entender como o bolo
foi feito estudando a divisão do bolo, eu vou continuar insistido em começar a
análise das contas nacionais pela produção, ou seja, pelo lado da oferta. A
figura abaixo mostra o crescimento dos grandes setores da economia. No
acumulado de quatro trimestres a agropecuária, que no primeiro trimestre de
2020 respondeu por 7,8% do valor agregado e 6,6% do PIB, cresceu 1,6% no
período; o setor de serviços, 72,4% do
valor agregado e 61,7% do PIB, cresceu 0,9%; finalmente, a indústria, que
responde por 19,9% do valor agregado e 16,9% do PIB, cresceu 0.7%. Mais uma vez
os três grandes setores da economia mostraram crescimento, ainda que modesto. Na
comparação com o trimestre anterior a agropecuária cresceu 0,6%, a indústria
teve uma queda de 1,4% e nos serviços a queda foi 1,6%.
No acumulado de quatro trimestres a construção
cresceu 1,7% e teve o melhor desempenho entre os setores da indústria, como
esse é um setor que mesmo antes da pandemia recebeu estímulos do governo há um
risco de crescimento artificial o que pode ser um problema mais na frente. A
indústria de transformação cresceu 0.3%, o baixo crescimento ou mesmo queda da
indústria de transformação é parte fundamental da arrumação da casa. Muito
investimentos ruins foram realizados neste setor no período de 2006 a 2014, são
empresas sem perspectivas, algumas criadas apenas para viabilizar corrupção,
que devem quebrar de forma a liberar capital e trabalho para empresas
produtivas que ainda serão criadas. A indústria extrativa teve crescimento de
0,7%. Na comparação com o trimestre anterior a construção de queda de 2,4%, a indústria
extrativa teve queda de 3,2% e na indústria de transformação a queda foi de
1,4%. Os números mostram que no primeiro trimestre de 2020 a turma que mais faz
barulho foi a que teve a menor queda dentre os grandes setores da indústria.
Nos serviços o maior crescimento novamente ficou por conta do
setor de informação e comunicação que cresceu 3,4% no acumulado de quatro
trimestres. As atividades imobiliárias também tiveram um bom desempeno com
crescimento de 1,9%, vale aqui o alerta feito para construção. Administração,
defesa, saúde e educação públicas e seguridade social mostrou queda de 0,13%. A
figura abaixo mostra o crescimento no setor de serviços.
Por fim, passemos a análise pelo
lado da demanda, ou seja, como foi distribuída a produção do país. O maior
crescimento foi no investimento, a parte do produto destinada a criar mais
produto no futuro, que cresceu 3% no acumulado em quatro trimestres reforçando
a tendência iniciada no segundo trimestre de 2018. O crescimento do
investimento acima do produto sem uma política agressiva de estímulos ou de investimentos
públicos é um dos sinais do processo de recuperação sólido ainda que lento.
O consumo das famílias cresceu 1,3% e o
consumo do governo caiu 0,4%, ou seja, a fatia do bolo que vai para o governo
caiu. As exportações caíram 2,7% e as importações subiram 2,9%. Na
comparação com o trimestre anterior o investimento aumentou 3,1%, o consumo das
famílias caiu 2%, o consumo do governo aumentou 0,2%, as exportações caíram 0,9%
e as importações subiram 2,8%.
Os números das contas nacionais referentes
ao acumulado de quatro trimestres reforçam que estávamos seguindo uma
recuperação lenta, mas sólida. Os números comparando este trimestre com o
anterior mostram que a recuperação foi interrompida (deve ficar pior no segundo
trimestre). Na análise das contas do último trimestre de 2019 alertei que o
coronavírus comprometeria o primeiro trimestre de 2020. Quando escrevi aquele
post (link aqui) as políticas de isolamento ainda não estavam em vigor, de fato
ainda havia a esperança do calor ou algum outro fator minimizar o impacto da doença
por aqui. Agora que vimos que não fomos poupados, pelo contrário, o desafio
para equipe econômica fica ainda mais complicado. Ao mesmo tempo que são necessárias
medidas para minimizar os danos de uma economia com atividade reduzida, é
necessário manter algum controle da política fiscal e não perder o horizonte da
agenda de reformas.
Como se já não fosse difícil conciliar controle fiscal com a necessidade
de gastar mais e a impossibilidade de aumentar receitas, como se já não fosse quase
impossível manter o discurso das reformas diante de medidas mais urgentes que
se impõem a cada semana a equipe econômica ainda vai ter de lidar com o aumento
da pressão por políticas de estímulos decorrente da recessão e da incrível
incapacidade de articulação política de Bolsonaro. O infame Plano Pró-Brasil é só
uma amostra do que ainda pode aparecer nos próximos meses. Da minha parte
continuo insistindo que qualquer plano no estilo do PAC que não seja precedido
por profundas reformas nas regras de compras e contratações do setor público
está fadado a repetir a triste história de euforia e crise que tantas vezes
vivemos. Se não acredita em mim dá uma olhada nos escândalos nas compras de
respiradores que se espalham pelo país, se aconteceu isso com equipamentos médicos
no meio da crise de saúde imaginem o que vai acontecer com pontes e viadutos no
pós-crise.
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