sexta-feira, 29 de maio de 2020

Contas Nacionais referentes ao primeiro trimestre de 2020: Assusta, mas foi é só o começo.


O IBGE divulgou as contas nacionais referentes ao primeiro trimestre de 2020 (link aqui), com isso podemos começar a vislumbrar o impacto da Covid-19 na economia brasileira. As medidas de isolamento começaram em meados de março, mas antes disso a economia já sentia os efeitos da pandemia por conta do mercado financeiro e de dificuldades em exportar e em importar. Apesar de relevantes, os problemas do primeiro trimestre são pequenos perto do que aconteceu em abril e maio e deve acontecer em junho. Mesmo com pouco efeito das políticas de isolamento o quadro ficou bem preocupante.

O primeiro de trimestre de 2020 inicia uma série de trimestres onde será impossível falar de PIB e de outros indicadores sem fazer referência a pandemia de Convid-19. A estratégia de recuperação lenta e consistente buscando reformas e tentando não perder o controle do lado fiscal foi comprometida. A necessidade de gastos do governo para equipar hospitais e manter a economia o mais fria possível comprometeu os esforços de ajuste fiscal dos últimos anos. A agenda de reformas, por mais importante e necessária que seja, vai inevitavelmente perder espaço para o desafio (talvez impossível) de proteger a renda das famílias e a viabilidade das empresas em um cenário de estímulos à redução da produção. Esse é um ponto que não pode nunca ser esquecido, ao contrário de outras crises onde as políticas para aquecer a economia ajudam a elevar a renda e viabilizar empresas no curto prazo (pelo menos em tese) nessa crise as políticas para manter pessoas em casa e empresas fechadas levam a perda de renda e inviabilizam empresas no curto prazo. Daí o caráter único do desafio econômico e a razão de políticas de demanda como redução de juros e aumento de gastos não parecerem capazes de entregar crescimento nem no curto prazo.

A figura abaixo mostra o crescimento da economia desde 1996, as barras mostram o crescimento em relação ao trimestre anterior (com ajuste sazonal) e a linha mostra o crescimento acumulado em quatro trimestres. No acumulado a economia cresceu 0,9%, mas a última barra dá uma noção relativa do tamanho da queda de 1,5% neste primeiro trimestre. A maior queda continua sendo a do quarto trimestre de 2008 com a crise financeira iniciada nos EUA, 3,9%, seguida da queda no segundo trimestre de 2015 na série de quedas que se seguiram ao colapso da Nova Matriz Econômica, 2,1%, primeiro trimestre de 1998 com o colapso do regime de bandas de câmbio, 2,1%, primeiro trimestre de 2009 também com a crise financeira de 2008, 1,6%, e finalmente o primeiro trimestre de 2020 com queda de 1,5%.. Infelizmente é possível que neste trimestre estejamos vivendo uma queda maior que a do quarto trimestre de 2008.




Ao contrário de outros analistas que tentam entender como o bolo foi feito estudando a divisão do bolo, eu vou continuar insistido em começar a análise das contas nacionais pela produção, ou seja, pelo lado da oferta. A figura abaixo mostra o crescimento dos grandes setores da economia. No acumulado de quatro trimestres a agropecuária, que no primeiro trimestre de 2020 respondeu por 7,8% do valor agregado e 6,6% do PIB, cresceu 1,6% no período; o setor de  serviços, 72,4% do valor agregado e 61,7% do PIB, cresceu 0,9%; finalmente, a indústria, que responde por 19,9% do valor agregado e 16,9% do PIB, cresceu 0.7%. Mais uma vez os três grandes setores da economia mostraram crescimento, ainda que modesto. Na comparação com o trimestre anterior a agropecuária cresceu 0,6%, a indústria teve uma queda de 1,4% e nos serviços a queda foi 1,6%.




No acumulado de quatro trimestres a construção cresceu 1,7% e teve o melhor desempenho entre os setores da indústria, como esse é um setor que mesmo antes da pandemia recebeu estímulos do governo há um risco de crescimento artificial o que pode ser um problema mais na frente. A indústria de transformação cresceu 0.3%, o baixo crescimento ou mesmo queda da indústria de transformação é parte fundamental da arrumação da casa. Muito investimentos ruins foram realizados neste setor no período de 2006 a 2014, são empresas sem perspectivas, algumas criadas apenas para viabilizar corrupção, que devem quebrar de forma a liberar capital e trabalho para empresas produtivas que ainda serão criadas. A indústria extrativa teve crescimento de 0,7%. Na comparação com o trimestre anterior a construção de queda de 2,4%, a indústria extrativa teve queda de 3,2% e na indústria de transformação a queda foi de 1,4%. Os números mostram que no primeiro trimestre de 2020 a turma que mais faz barulho foi a que teve a menor queda dentre os grandes setores da indústria.




Nos serviços o maior crescimento novamente ficou por conta do setor de informação e comunicação que cresceu 3,4% no acumulado de quatro trimestres. As atividades imobiliárias também tiveram um bom desempeno com crescimento de 1,9%, vale aqui o alerta feito para construção. Administração, defesa, saúde e educação públicas e seguridade social mostrou queda de 0,13%. A figura abaixo mostra o crescimento no setor de serviços.




Por fim, passemos a análise pelo lado da demanda, ou seja, como foi distribuída a produção do país. O maior crescimento foi no investimento, a parte do produto destinada a criar mais produto no futuro, que cresceu 3% no acumulado em quatro trimestres reforçando a tendência iniciada no segundo trimestre de 2018. O crescimento do investimento acima do produto sem uma política agressiva de estímulos ou de investimentos públicos é um dos sinais do processo de recuperação sólido ainda que lento.
 O consumo das famílias cresceu 1,3% e o consumo do governo caiu 0,4%, ou seja, a fatia do bolo que vai para o governo caiu. As exportações caíram 2,7% e as importações subiram 2,9%. Na comparação com o trimestre anterior o investimento aumentou 3,1%, o consumo das famílias caiu 2%, o consumo do governo aumentou 0,2%, as exportações caíram 0,9% e as importações subiram 2,8%.




Os números das contas nacionais referentes ao acumulado de quatro trimestres reforçam que estávamos seguindo uma recuperação lenta, mas sólida. Os números comparando este trimestre com o anterior mostram que a recuperação foi interrompida (deve ficar pior no segundo trimestre). Na análise das contas do último trimestre de 2019 alertei que o coronavírus comprometeria o primeiro trimestre de 2020. Quando escrevi aquele post (link aqui) as políticas de isolamento ainda não estavam em vigor, de fato ainda havia a esperança do calor ou algum outro fator minimizar o impacto da doença por aqui. Agora que vimos que não fomos poupados, pelo contrário, o desafio para equipe econômica fica ainda mais complicado. Ao mesmo tempo que são necessárias medidas para minimizar os danos de uma economia com atividade reduzida, é necessário manter algum controle da política fiscal e não perder o horizonte da agenda de reformas.

Como se já não fosse difícil conciliar controle fiscal com a necessidade de gastar mais e a impossibilidade de aumentar receitas, como se já não fosse quase impossível manter o discurso das reformas diante de medidas mais urgentes que se impõem a cada semana a equipe econômica ainda vai ter de lidar com o aumento da pressão por políticas de estímulos decorrente da recessão e da incrível incapacidade de articulação política de Bolsonaro. O infame Plano Pró-Brasil é só uma amostra do que ainda pode aparecer nos próximos meses. Da minha parte continuo insistindo que qualquer plano no estilo do PAC que não seja precedido por profundas reformas nas regras de compras e contratações do setor público está fadado a repetir a triste história de euforia e crise que tantas vezes vivemos. Se não acredita em mim dá uma olhada nos escândalos nas compras de respiradores que se espalham pelo país, se aconteceu isso com equipamentos médicos no meio da crise de saúde imaginem o que vai acontecer com pontes e viadutos no pós-crise.



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