quinta-feira, 17 de maio de 2018

Mais uma vez nado contra a corrente: Por que acredito já ser hora de parar com a redução de juros?


A decisão do Copom e manter a taxa de juros em 6,5% ao ano causou alvoroço entre analistas econômicos. Uma entrevista de Ilan Goldfajn na semana anterior a reunião do Copom onde o presidente do BC deu a entender que haveria uma redução dos juros aumentou a confusão. Poucos devem discordar que presidentes de bancos centrais devem tomar cuidado com o que falam, um mal-entendido pode custar caro e pessoas que perdem dinheiro costumam ficar irritadas. Da minha parte, neurótico que sou com inflação, entendo que a declaração de Ilan Goldfajn visava preparar o mercado para a manutenção dos juros, a diferença entre minha percepção e a de vários colegas talvez seja que, ao contrário deles, eu estava esperando um aumento na taxa de juros. Vou além, acredito que se o BC errou ontem foi por excesso de ousadia.

A principal função de um banco central é manter a inflação controlada, isso é (ou deveria ser) mais forte no Brasil onde o BC trabalha com regime de metas de inflação. De acordo com o Boletim Focus a expectativa de inflação para este ano é de 3.45%, ou seja, está dentro do intervalo da meta. O Banco Central poderia reduzir a taxa de juros se entendesse que tal redução não colocaria em risco a meta, manter a taxa de juros se entendesse que era hora de esperar para ver ou elevar os juros se entendesse que a meta estava em risco. Dado o volume de incerteza com o movimento do dólar creio ser difícil pensar que alguma coisa não está em risco, dessa forma, segundo meu raciocínio reconhecidamente muito avesso a riscos de inflação, a escolha seria entre manter e aumentar. Por estar olhando para atividade o BC acabou por manter os juros em 6,5%, é um risco, baixo reconheço, que parece aceitável, principalmente se lembrarmos que a atual direção do BC já se mostrou extremamente habilidosa no controle da inflação.

Fiz o esclarecimento acima apenas para registro, não é meu interesse entrar no debate do erro de comunicação. Quando o presidente do BC fala ele não costuma estar pensando em professores de macroeconomia, o público alvo é o pessoal do mercado e, se boa parte desse pessoal entendeu errado, é porque algum problema de comunicação aconteceu. O verdadeiro objetivo desse post é alertar para alguns perigos de manter a queda da taxa de juros, especificamente duas questões serão colocadas: a diferença entre os juros aqui e nos EUA está ficando muito baixa e os juros reais também podem estar ficando perigosamente baixos para o Brasil.

Comecemos pelo diferencial de juros, a diferença entre a Selic e a taxa do FED. Quando alguém considera investir em título no Brasil ele deve considerar as alternativas, por simplicidade vou supor que a alternativa é investir em título nos EUA. A decisão final deve considerar a taxa de juros no Brasil, a taxa de juros nos EUA e a expectativa de desvalorização cambial. Se o sujeito tem dólares para investir no Brasil ele vai transformar os dólares em reais e comprar os títulos daqui. Após um ano ele vai ter os reais iniciais mais os juros. Por fim ele transforma os reais recebidos em dólares e compara com o ganho de investir em títulos americanos.

Para deixar a coisa mais clara vale um exemplo: o investidor pode investir US$ 10.000 no Brasil a uma taxa de 10% ou investir nos EUA a uma taxa de 5%, suponha que o câmbio é de quatro reais por dólar. Se escolher o Brasil ele vai transformar os US$ 10.000 em R$ 40.000 e no final do período terá R$ 44.000. Caso escolha os EUA ele não precisa transformar em reais e no final terá US$ 10.500. Qual foi a melhor opção? Depende do câmbio. Se o câmbio continuar quatro reais por um dólar ele transforma os R$ 44.000 em US$ 11.000 e terá sido melhor investir no Brasil. Se o câmbio tiver subido para, por exemplo cinco reais por dólar, ele vai transformar os R$ 44.000 em US$ 8.800, nesse caso o melhor seria ter investido nos EUA. É possível calcular qual o câmbio que faz com que investir no Brasil ou nos EUA tenha o mesmo resultado, para um cálculo aproximado basta pegar o valor que ele recebe em reais, R$ 44.000, e dividir pelo valor que ele recebe em dólares, US$ 10.500. O resultado é que um câmbio de aproximadamente 4,19 reais por dólar faria com que investir no Brasil fosse equivalente a investir nos EUA, de farto a esse câmbio os R$ 44.000 valeriam US$ 10.501,19. Repare que o valor do câmbio que igualou os resultados dos investimentos, 4,19 reais por dólar, equivale a uma desvalorização de aproximadamente 4,8% do real.

Grosso modo podemos dizer que a diferença entre taxas de juros de dois países, ignorando problemas de calotes ou coisas do tipo, deve ser aproximadamente a expectativa de desvalorização do câmbio. Se isso não for verdade os dólares vão migrar de um país para o outro. No nosso exemplo se a expectativa de desvalorização do câmbio for maior que 5% os dólares sairão do Brasil rumo aos EUA. A figura abaixo mostra a diferença de juros entre o Brasil e os Estados Unidos, repare que tal diferença está no menor valor de toda a série. Se a economia brasileira tivesse toda arrumadinha tal diferença não seria um problema, mas não é o caso. A dívida pública brasileira é muito alta (link aqui), a possibilidade de um ajuste fiscal minimamente razoável ficou bem mais distante com a não aprovação da reforma da previdência e, para complicar ainda mais, temos uma eleição em que não faltam candidatos prometendo rever reformas, nacionalizar ativos pertencentes a estrangeiros, iniciar um processo de elevação dos gastos, submeter a política monetária a supostas demandas da indústria e outras maluquices do tipo. Infelizmente não vejo outra conclusão possível que não a de que atual diferença entre taxa de juros no Brasil e EUA não é sustentável e, como dificilmente o FED vai reduzir as taxas de lá para agradar o Brasil, a alternativa é aumentar as taxas de cá.




O outro ponto é que os juros reais estão baixos. Esse é mais difícil de explicar, começa que medir juros reais não é tarefa trivial. Devemos usar a inflação passada ou a inflação esperada? Essa é fácil, depende do que queremos, mas não para aí. Como medir a expectativa de inflação? Para esse post vou usar como aproximação a diferença entre a Selic anualizada em um determinado mês menos a expectativa de inflação para o ano no mesmo mês. A escolha deve-se mais a facilidade de dados do que a qualquer outro motivo. A figura abaixo mostra a taxa de juros nominais (Selic) e reais (Selic menos expetativa de inflação) para o mesmo período da figura anterior. A taxa nominal está no valor mais baixo da série, a real já esteva mais baixa no passado, mas não é um período de boa lembrança.



Taxas de juros baixas podem parecer uma daquelas coisa que só fazem bem, mas não é o caso. A poupança no Brasil é muito baixa e incapaz de financiar mesmo a nossa baixa taxa de investimento, por mais que existam outros fatores relevantes para determinar a poupança reduzir a taxa de juros não vai ajudar em nada. Nos últimos anos muitos brasileiros investiram em fundos de pensão, alguns candidatos inclusive estão propondo que o atual regime de repartição seja substituído por um regime de capitalização, com juros baixos os fundos existentes e os que serão criados com uma eventual mudança para um regime de capitalização teriam de se expor a riscos elevados como forma de conseguir rentabilidade necessária para pagar os benefícios. Via de regra juros baixos induzem a tomada de riscos por parte de investidores. Um risco associado ao anterior é a formação de bolhas em alguns ativos, dentre os quais imóveis. Se nada disso impressiona o leitor peço que considere o argumento mais relevante. A taxa de juros reais baixa induz investimentos em projetos que não são rentáveis com taxas de juros mais altas, o que é visto por alguns como uma benção no médio e longo prazo pode se tornar uma maldição. Quando da elevação da taxa de juros esses projetos tornam-se inviáveis gerando frustração e perdas de capital aos investidores e desemprego aos trabalhadores. Esses investimentos não sustentáveis induzidos por taxas de juros artificiais, subsídios ou outros tipos de incentivos não sustentáveis são talvez os mais importantes ingredientes para construção de uma crise, deveríamos saber bem disso.


5 comentários:

  1. Com o risco Brasil aumentando e a taxa real de juro americana se igualando a brasileira, não restam dúvidas pra onde a grana se desloca. Análise coerente e bem fundamentada. Parabéns.

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  2. Com o risco Brasil aumentando e a taxa real de juro americana se igualando a brasileira, não restam dúvidas pra onde a grana se desloca. Análise coerente e bem fundamentada. Parabéns.

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  3. Parabéns pelo post!
    Você acha que seria interessante comparar a taxa de juros reais entre Brasil e EUA? Esta e mais interessante para o investidor do que as taxas nominais (embora sejam mais difíceis de calcular)

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  4. Dentro do risco Brasil incluo: temos um ambiente de negócios seguro? Juridicamente é estável? Muito bom o seu artigo.

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