Esta semana a Argentina chamou atenção por conta das
variações bruscas na taxa de câmbio, de fato, no dia dois de maio era possível
comprar um dólar com cerca de 20,5 pesos argentinos, no dia seguinte a taxa de
câmbio bateu em um pico de 22,5, ou seja, de um dia para outro o peso argentino
perdeu quase 10% de seu valor em dólares. O Banco Central da Argentina elevou a
taxa de juros básica para 40% ao ano e o dólar fechou a semana abaixo de 22
pesos. O que está acontecendo na Argentina?
Para contar a história é preciso voltar um pouco no tempo. Mauricio
Macri tomou posse como presidente da Argentina em novembro de 2015 prometendo
uma guinada em relação as políticas populistas de inclinação bolivariana implementadas
por Cristina Kirchner. O “kirchnerismo” governou a Argentina entre 2003 e 2015,
o sucesso dos primeiros anos se transformaram em desastre em um padrão não muito
diferente de outros países da América Latina. Em 2014 o PIB da Argentina
encolheu 2,5% e a inflação estava acima de 20% ao ano, para fins de comparação
no Brasil o PIB cresceu 0,5% em 2014 e a inflação daquele ano foi de 6,4%. O
fracasso do populismo de Cristina Kirchner possibilitou a vitória do discurso
liberal apresentado por Macri na terra de Perón.
Em 2015 o PIB da Argentina cresceu 2,7%, crescimento é
sempre bom para quem está no governo, mas o resultado de 2015 não pode ser
creditado a Macri que tomou posse em dezembro daquele ano. O primeiro ano de
Macri foi 2016, ano em que foram feitos ajustes em preços que estavam defasados
em decorrência de subsídios e outras políticas de Kirchner (link aqui),
qualquer semelhança com a política de preços da Petrobras no governo Dilma não
é mera coincidência. Como não podia deixar de ser, naquele ano o PIB argentino
voltou a encolher, queda de 1,8%, e a inflação disparou para cerca de 40% (link
aqui). Em 2017 a Argentina voltou a crescer, 2,8%, e a inflação caiu para
24,8%, um valor bem menor que o do ano anterior, mas absurdamente alto mesmo se
comparado a ridícula meta de 17% anunciada pelo governo.
Não vou questionar se Macri é ou não é liberal, mantenho meu
princípio que liberal é quem se diz liberal, porém questiono as políticas de
Macri. Alguém mais ácido do que eu pode dizer que a primeira medida de um
liberal que chega à presidência deveria ser renunciar do cargo, é uma tese difícil
de desmontar, mas não ficarei com ela. Desta forma, minha sugestão para algum
liberal que chegue a presidência é que tente reduzir ao máximo possível os danos
causados pelo governo às empresas e famílias. Na prática minha recomendação
implica em manter a estabilidade da moeda, ou seja, perseguir inflação baixa,
buscar o equilíbrio fiscal para evitar futuros aumentos de impostos e reduzir subsídios,
regulamentações e outras barreiras ao comércio. Ao aceitar conviver com taxas
de inflação acima de 20% e, absurdo dos absurdos, propor uma meta de inflação
de 17% o governo Macri abriu mão de perseguir a estabilidade da moeda transformando
a economia da Argentina em um mar de incertezas. Não tinha como dar certo.
A figura abaixo mostra a taxa de juros básica da Argentina
entre fevereiro de 2015 e maio de 2018. Quando Macri toma pose a taxa estava em
20,5% ao ano, durante 2015 houve uma redução significativa provavelmente causada
pelo interesse de Cristina Kirchner em vencer as eleições. Em dez de dezembro
Macri toma posse e corretamente o Banco Central eleva a taxa de juros para 38% no
dia dezessete de dezembro de 2015, uma semana após a posse de Macri. Na semana
seguinte o Banco Central começa a reduzir a taxa que fecha o ano em 33%. Em
2016 a queda da taxa de juros continua até chegar em um mínimo de 24,75% em
novembro de 2016, se o leitor lembrar que a inflação de 2016 foi de 40% é
possível começar a perceber o tamanho da irresponsabilidade do Banco Central
argentino. Manter taxas reais negativas em um país com inflação rodando 40%
deveria ser crime, alguém pode dizer que tal redução dos juros permitiu o crescimento
em 2017, pode ser, mas, se foi, esse crescimento não veio sem custos. Como até
a irresponsabilidade de um Banco Central tem limites a taxa de juros começou a
subir no final de 2017 e começou maio de 2018 na casa de 30%, era tarde, em
maio o peso argentino começou a derreter. Como resposta o Banco Central da
Argentina elevou os juros para 33% no dia três de maio e para 40% no dia quatro
de maio.
Ainda não sabemos se a elevação dos juros vai ser suficiente
para evitar que o peso derreta, mas posso afirmar que veio tarde e pelos
motivos errados. Os juros deveriam ter subido ainda mais em 2015 e só deveriam
ter caído quando a inflação tivesse controlada, a receita usada pelo Banco
Central do Brasil sob comando de Ilan Goldfajn é antipática e pode ter alto
custo eleitoral, mas funciona. A política fiscal não foi diferente da política
monetária, se uma abaixou os juros de forma irresponsável a outra viu crescer o
déficit primário que pulou de 3,5% do PIB em 2014 para 4,4% do PIB em 2015,
depois foi para 4,7% em 2016 e recuou para 4,5% em 2017. A figura abaixo mostra
o resultado primário na Argentina e Brasil.
A combinação de juros reais negativos e déficits primários
altos colaborou para que os argentinos não ajustassem seus gastos à capacidade
de produção do país, a Argentina de Macri seguiu gastando mais do que podia.
Uma maneira de ver esse fenômeno é observar o comportamento do saldo em
transações correntes, quando esse saldo é negativo significa que os moradores
do país estão pegando dinheiro emprestado no exterior para financiar seus
gastos. Se isso é bom ou ruim depende do que está sendo feito com o dinheiro emprestado.
A figura abaixo mostra o saldo em transações correntes na Argentina e no
Brasil. Na figura fica claro como os argentinos estavam se financiando com o
resto do mundo. Não deixa de ser interessante reparar o contraste entre Brasil
e Argentina, enquanto por aqui estamos tentando viver dentro de nossas posses
por lá os recursos trazidos do exterior para financiar os gastos locais aumentavam
como proporção do PIB.
Aqui pode aparecer uma polêmica, economistas desenvolvimentistas
costumam ver déficits em transações correntes como um problema e recomendam
desvalorizações cambiais como solução (na realidade alguns desenvolvimentistas
recomendam desvalorização cambial como solução para qualquer problema, mas isso
é outra conversa). Da minha parte não considero que déficits em transação
corrente são um problema per si e nem vejo desvalorizações cambiais como o
caminho para reverter tais déficits. Assim como um indivíduo que pega dinheiro
emprestado não está necessariamente com problemas financeiros um país que se
financia com déficits em transações correntes não esta necessariamente com problemas
em sua economia. Em um caso e no outro tudo depende do que será feito com o
empréstimo e da capacidade de pagamento de quem pegou o dinheiro emprestado.
Financiar a compra de um imóvel pode ser uma excelente decisão, da mesma forma
pegar um empréstimo para pagar as férias dos sonhos pode ser uma decisão
correta se quem pegou o empréstimo tiver uma renda futura que permita o
pagamento da dívida.
Nesse espírito é útil dar uma olhada na taxa de investimento
da Argentina. De 2014 para 2016 o déficit em transações correntes subiu de 1,6%
para 2,7% do PIB enquanto a taxa de investimento caiu de 17,3% para 17%, em 2017
a taxa de investimento subiu para 19,1%, e o déficit em transações correntes foi
para 4,9% do PIB. Com a possível exceção de 2017 os números sugeres que os
argentinos não estavam pegando empréstimo com o resto do mundo para financiar o
aumento da capacidade produtiva do país, desta forma, salvo uma ajuda externa
como a que veio com o boom das commodities no começo deste século, os
argentinos teriam problemas em pagar as contas com o resto do mundo. Um
presidente liberal pode até ter alguma vantagem por contar com a simpatia dos
investidores, tenho dúvidas se isso é verdade, mas não faz milagres. Sem um
ajuste forte que torne os gastos dos argentinos compatíveis com a capacidade de
produção deles o país que já foi o exemplo para América Latina estará condenado
a crises como a da semana passada.
A tentativa de tirar lições da Argentina para o Brasil é
grande, já fiz isso em outro post (link aqui) e segurei o quanto pude para não
fazer isso aqui. A tentação foi maior que minha resistência e termino o post
alertando para os perigos do Brasil buscar uma saída rápida para a crise. O
presidente Temer tem muitos defeitos, tratei do assunto aqui, mas ter resistido,
pelo menos até agora, a abusar de política fiscal, política monetária, subsídios
e outras artimanhas para pegar um atalho que tirasse o país da crise é um mérito
que não posso negar. Se hoje temos esperança que a crise da Argentina não
chegue por aqui é porque estamos, mesmo que com passos de formiga e sem
vontade, tentando fazer o ajuste ou pelo menos não estamos crescendo por meio
de “mágicas” econômicas.
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