“A permanência de Temer no governo pode até ajudar com
algumas reformas, particularmente a trabalhista, mas definitivamente vai na
contramão da melhora do ambiente institucional que tanto precisamos.”
O que na época foi escrito por conta das revelações do áudio
de uma conversa de Joesley Batista com Temer que deveria ter sido suficiente
para tirar Temer do Planalto, nesta semana se mostrou mais real do que eu poderia
imaginar. Para ficar no poder Temer fez uma série de concessões que colocaram o
Brasil na contramão das reformas. É verdade que em outros fronts a equipe
técnica do governo buscava avançar nas reformas, melhor exemplo disso foi a substituição
da TJLP pela TLP em 2017. O governo Temer que parecia abraçar de todo a agenda
reformista passou a se dividir entre um núcleo político disposto a todo tipo de
populismo e concessões para permanecer no poder e um núcleo técnico concentrado
na Fazenda tentando seguir com as reformas. Nesta semana, ao que tudo indica, o
núcleo político impôs uma derrota definitiva ao núcleo técnico. A resposta do
governo à greve dos caminhoneiros foi um nocaute dado pela agenda de populismo
e compadrio na agenda reformista.
A MP 832 de 27 de maio de 2018 (link aqui) institui a política
dos preços mínimos no transporte rodoviário de cargas, com a medida o governo
se propõe a substituir o mercado na tarefa de “proporcionar a adequada
retribuição ao serviço prestado” pelos caminhoneiros. Para deixar claro o
espírito da medida basta dar uma olhada nos artigos quarto e quinto: a MP
coloca o governo, mais precisamente a ANTT, como responsável pelos preços mínimos
no setor. Seguem os dois artigos:
Art. 4º: O transporte
rodoviário de cargas, em âmbito nacional, obedecerá aos preços fixados com base
nesta Medida Provisória.
Art. 5º: Para a
execução da Política de Preços Mínimos do Transporte Rodoviário de Cargas, a
Agência Nacional de Transportes Terrestres - ANTT publicará tabela com os
preços mínimos referentes ao quilômetro rodado na realização de fretes, por
eixo carregado, consideradas as especificidades das cargas definidas no art.
3º.
A outra MP já publicada, MP 833 de maio de 2018 (link aqui),
é também um monumento ao retrocesso. O governo resolveu intervir em contratos
estabelecidos com concessionárias de rodovias por todo o país e determinar que “veículos
de transporte de cargas que circularem vazios ficarão isentos da cobrança de
pedágio sobre os eixos que mantiverem suspensos.”. Como essa isenção será
viabilizada? Quem vai ficar com o prejuízo? Aparentemente nem o governo sabe,
de acordo com o parágrafo segundo do artigo primeiro da MP nos resta esperar:
Art. 1º § 2º: Os
órgãos e as entidades competentes da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios disporão sobre as medidas técnicas e operacionais para
viabilizar a isenção de que trata o caput.
As medidas que já viraram objeto de MP apontam claramente
para a volta de um estado que tenta substituir o mercado na formação de preços dos
fretes e dos pedágios. As outras medidas ainda não estão claras, mas aparentemente
tornam o cenário ainda pior. Comecemos pela mais assustadora de todas: o
governo pretende pagar R$ 0,30 por litro de óleo diesel vendido pelas
refinarias. Dito de outra forma o governo está retomando à política de subsídios
a combustíveis. Na forma como está o custo estimado pelo governo será de R$ 9,5
bilhões, mas uma vez aberta a porteira é difícil, quase impossível, saber o
tamanho do rebanho que vai passar. Quem garante que o subsídio não será renovado?
Quem garante que não será elevado em caso de elevações no preço do barril do
petróleo ou desvalorizações no real. A experiência sugere que o caminho dos
subsídios é um caminho de difícil volta, é uma pena que o governo que liderou uma
das maiores vitórias contra os subsídios, a aprovação da TLP, chegue ao fim ressuscitando
a infame conta petróleo da década de 70
Outra medida polêmica é a redução de impostos sobre o diesel,
pela medida a CIDE sobre o diesel será extinta e a alíquota do PIS/Cofins será
reduzida de forma que o preço do óleo diesel caia em R$ 0,16 por litro. Qual o
problema de uma medida que reduz impostos? A resposta está no inciso II do artigo
14 da Lei de Responsabilidade Fiscal (link aqui), vejamos:
Art. 14.: A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício
de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar
acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em
que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei
de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições:
I - demonstração pelo proponente
de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária,
na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais
previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias;
II - estar acompanhada de medidas
de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita,
proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração
ou criação de tributo ou contribuição.
Para aplicar o inciso I seria necessário mostra que renúncia
foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, esse não é o caso
pois a medida não estava prevista até a semana retrasada. Isso faz com que a
medida se enquadre no inciso II que determina explicitamente que haja uma
compensação por meio de aumento de receitas. Repor os cerca de R$ 4 bilhões de
perda de arrecadação de CIDE e PIS/Cofins por meio de impostos não é uma
escolha da Fazenda, é uma determinação legal. A reoneração da folha de
pagamentos deve dar no máximo R$ 2 bilhões, o resto vira de novos impostos e/ou
elevações de alíquotas.
Por certo podemos questionar a lei, mas isso exige um rito,
alguém também pode alegar que a lei é “injusta” e como tal não deve ser
obedecida. A esses peço que lembrem dos riscos de permitir que um governo não
obedeças às leis. Não estamos falando de um cidadão se rebelando contra uma lei
injusta, estamos falando de defender que um governo se coloque acima das leis
para cumprir um acordo com uma categoria em greve. Por mais que meu instinto
liberal me coloque sempre ao lado de reduções de impostos esse mesmo instinto
se manifesta de forma ainda mais incisiva em repúdio a possibilidade de colocar
um governo acima das leis. O princípio do Império da Lei e governo limitado me
parece mais importante do que uma redução temporária de tributos.
Juntos o subsídio e a redução de tributos levam a uma queda
de R$ 0,46 do preço do óleo diesel nas refinarias. Como garantir que essa redução
vai chegar nos postos? Aqui os representantes do governo protagonizaram cenas
dignas da década de 80: apelos ao patriotismo dos donos de postos e dos
distribuidores de combustíveis, ameaça de transformar o Procom e uma reencarnação
da Sunab, convocação da população para fiscalizar postos em um triste arremedo
dos “fiscais do Sarney” fizeram parte do show de horrores encenado pelos
ministros Carlos Marun, Eliseu Padilha e Sérgio Etchegoyen nas várias entrevistas
coletivas da última semana.
A intervenção nos preços, o populismo nos pedágios, os subsídios
e a volta da conta petróleo, o envio para o resto da sociedade de impostos sobre
o óleo diesel e o festival e bobagens nas ameaças aos postos de combustível não
encerram a sucessão de desastres da semana. O governo também prometeu que
caminhoneiros autônomos vão ter uma cota de 30% dos fretes da Conab. Se não
tinham antes é por algum motivo, provavelmente porque contratar transportadores
é mais eficiente para Conab. Quem vai ficar com a conta? Advinha...
Um último ponto que merece ser comentado é o imposto sobre
importação do diesel (link aqui). O governo vai cobrar um imposto equivalente a
diferença entre o preço do óleo diesel importado e o preço cobrado pela
Petrobras. A justificativa é não prejudicar a estatal em caso de queda no preço
do petróleo que faça com o diesel importado fique mais barato que o nacional. Gostou?
Tem mais...para não distorcer o mercado o governo vai pagar o subsídio de R$
0,30 por litro para o óleo importado. Não se subsidiar importações é uma jabuticaba,
mas parece. De toda forma o imposto e o subsídio ilustram a lógica torta das
intervenções: uma intervenção gera distorções no mercado que devem ser
corrigidas por novas intervenções em um ciclo que costuma ir muito além do que
foi originalmente imaginado. A conta fica para o pagador de impostos que é
também consumidor.
Para não terminar o post em um clima tão pesado recomendo ao
leitor um documento do CADE com sugestões para estimular a concorrência no setor
de combustíveis (link aqui), lá são feitas nove propostas:
Bloco 1: Contribuições em relação à Regulação
(i) Permitir que produtores de
álcool vendam diretamente aos postos.
(ii) Repensar a proibição de
verticalização do setor de varejo de
combustíveis.
(iii) Extinguir a vedação à
importação de combustíveis pelas
distribuidoras.
(iv) Fornecer informações aos
consumidores do nome do revendedor de
combustível, de quantos postos o
revendedor possui e a quais outras
marcas está associado.
(v) Aprimorar a disponibilidade
de informação sobre a comercialização
de combustíveis para o
aperfeiçoamento da inteligência na repressão à
conduta colusiva.
Bloco 2: Contribuições em relação à Tributação
(vi) Repensar a substituição
tributária do ICMS.
(vii) Repensar o imposto ad rem.
Bloco 3: Contribuições de caráter geral
(viii) Permitir postos
autosserviços.
(ix) Repensar as normas sobre o
uso concorrencial do espaço urbano.
No texto cada proposta é detalhada e justificada.
Naturalmente ninguém é obrigado a concordar com todas as propostas, mas é
triste saber que no lugar de estarmos discutindo uma agenda interessante como a
proposta pelo CADE estamos discutindo a volta de políticas ruins que já se
mostraram desastrosas no passado.
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