terça-feira, 29 de maio de 2018

A resposta do governo à greve dos caminhoneiros não foi ruim, foi muito pior.

Em junho do ano passado o blog Estado da Arte no Estadão publicou um texto meu cujo o título era: “Temer no Planalto é retrocesso na agenda de reformas” (link aqui), no texto escrevi:

“A permanência de Temer no governo pode até ajudar com algumas reformas, particularmente a trabalhista, mas definitivamente vai na contramão da melhora do ambiente institucional que tanto precisamos.”

O que na época foi escrito por conta das revelações do áudio de uma conversa de Joesley Batista com Temer que deveria ter sido suficiente para tirar Temer do Planalto, nesta semana se mostrou mais real do que eu poderia imaginar. Para ficar no poder Temer fez uma série de concessões que colocaram o Brasil na contramão das reformas. É verdade que em outros fronts a equipe técnica do governo buscava avançar nas reformas, melhor exemplo disso foi a substituição da TJLP pela TLP em 2017. O governo Temer que parecia abraçar de todo a agenda reformista passou a se dividir entre um núcleo político disposto a todo tipo de populismo e concessões para permanecer no poder e um núcleo técnico concentrado na Fazenda tentando seguir com as reformas. Nesta semana, ao que tudo indica, o núcleo político impôs uma derrota definitiva ao núcleo técnico. A resposta do governo à greve dos caminhoneiros foi um nocaute dado pela agenda de populismo e compadrio na agenda reformista.

A MP 832 de 27 de maio de 2018 (link aqui) institui a política dos preços mínimos no transporte rodoviário de cargas, com a medida o governo se propõe a substituir o mercado na tarefa de “proporcionar a adequada retribuição ao serviço prestado” pelos caminhoneiros. Para deixar claro o espírito da medida basta dar uma olhada nos artigos quarto e quinto: a MP coloca o governo, mais precisamente a ANTT, como responsável pelos preços mínimos no setor. Seguem os dois artigos:

Art. 4º:  O transporte rodoviário de cargas, em âmbito nacional, obedecerá aos preços fixados com base nesta Medida Provisória.

Art. 5º:  Para a execução da Política de Preços Mínimos do Transporte Rodoviário de Cargas, a Agência Nacional de Transportes Terrestres - ANTT publicará tabela com os preços mínimos referentes ao quilômetro rodado na realização de fretes, por eixo carregado, consideradas as especificidades das cargas definidas no art. 3º.

A outra MP já publicada, MP 833 de maio de 2018 (link aqui), é também um monumento ao retrocesso. O governo resolveu intervir em contratos estabelecidos com concessionárias de rodovias por todo o país e determinar que “veículos de transporte de cargas que circularem vazios ficarão isentos da cobrança de pedágio sobre os eixos que mantiverem suspensos.”. Como essa isenção será viabilizada? Quem vai ficar com o prejuízo? Aparentemente nem o governo sabe, de acordo com o parágrafo segundo do artigo primeiro da MP nos resta esperar:

Art. 1º § 2º:  Os órgãos e as entidades competentes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios disporão sobre as medidas técnicas e operacionais para viabilizar a isenção de que trata o caput.

As medidas que já viraram objeto de MP apontam claramente para a volta de um estado que tenta substituir o mercado na formação de preços dos fretes e dos pedágios. As outras medidas ainda não estão claras, mas aparentemente tornam o cenário ainda pior. Comecemos pela mais assustadora de todas: o governo pretende pagar R$ 0,30 por litro de óleo diesel vendido pelas refinarias. Dito de outra forma o governo está retomando à política de subsídios a combustíveis. Na forma como está o custo estimado pelo governo será de R$ 9,5 bilhões, mas uma vez aberta a porteira é difícil, quase impossível, saber o tamanho do rebanho que vai passar. Quem garante que o subsídio não será renovado? Quem garante que não será elevado em caso de elevações no preço do barril do petróleo ou desvalorizações no real. A experiência sugere que o caminho dos subsídios é um caminho de difícil volta, é uma pena que o governo que liderou uma das maiores vitórias contra os subsídios, a aprovação da TLP, chegue ao fim ressuscitando a infame conta petróleo da década de 70

Outra medida polêmica é a redução de impostos sobre o diesel, pela medida a CIDE sobre o diesel será extinta e a alíquota do PIS/Cofins será reduzida de forma que o preço do óleo diesel caia em R$ 0,16 por litro. Qual o problema de uma medida que reduz impostos? A resposta está no inciso II do artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal (link aqui), vejamos:

Art. 14.: A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições:

I - demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias;

II - estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.

Para aplicar o inciso I seria necessário mostra que renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, esse não é o caso pois a medida não estava prevista até a semana retrasada. Isso faz com que a medida se enquadre no inciso II que determina explicitamente que haja uma compensação por meio de aumento de receitas. Repor os cerca de R$ 4 bilhões de perda de arrecadação de CIDE e PIS/Cofins por meio de impostos não é uma escolha da Fazenda, é uma determinação legal. A reoneração da folha de pagamentos deve dar no máximo R$ 2 bilhões, o resto vira de novos impostos e/ou elevações de alíquotas.

Por certo podemos questionar a lei, mas isso exige um rito, alguém também pode alegar que a lei é “injusta” e como tal não deve ser obedecida. A esses peço que lembrem dos riscos de permitir que um governo não obedeças às leis. Não estamos falando de um cidadão se rebelando contra uma lei injusta, estamos falando de defender que um governo se coloque acima das leis para cumprir um acordo com uma categoria em greve. Por mais que meu instinto liberal me coloque sempre ao lado de reduções de impostos esse mesmo instinto se manifesta de forma ainda mais incisiva em repúdio a possibilidade de colocar um governo acima das leis. O princípio do Império da Lei e governo limitado me parece mais importante do que uma redução temporária de tributos.

Juntos o subsídio e a redução de tributos levam a uma queda de R$ 0,46 do preço do óleo diesel nas refinarias. Como garantir que essa redução vai chegar nos postos? Aqui os representantes do governo protagonizaram cenas dignas da década de 80: apelos ao patriotismo dos donos de postos e dos distribuidores de combustíveis, ameaça de transformar o Procom e uma reencarnação da Sunab, convocação da população para fiscalizar postos em um triste arremedo dos “fiscais do Sarney” fizeram parte do show de horrores encenado pelos ministros Carlos Marun, Eliseu Padilha e Sérgio Etchegoyen nas várias entrevistas coletivas da última semana.

A intervenção nos preços, o populismo nos pedágios, os subsídios e a volta da conta petróleo, o envio para o resto da sociedade de impostos sobre o óleo diesel e o festival e bobagens nas ameaças aos postos de combustível não encerram a sucessão de desastres da semana. O governo também prometeu que caminhoneiros autônomos vão ter uma cota de 30% dos fretes da Conab. Se não tinham antes é por algum motivo, provavelmente porque contratar transportadores é mais eficiente para Conab. Quem vai ficar com a conta? Advinha...

Um último ponto que merece ser comentado é o imposto sobre importação do diesel (link aqui). O governo vai cobrar um imposto equivalente a diferença entre o preço do óleo diesel importado e o preço cobrado pela Petrobras. A justificativa é não prejudicar a estatal em caso de queda no preço do petróleo que faça com o diesel importado fique mais barato que o nacional. Gostou? Tem mais...para não distorcer o mercado o governo vai pagar o subsídio de R$ 0,30 por litro para o óleo importado. Não se subsidiar importações é uma jabuticaba, mas parece. De toda forma o imposto e o subsídio ilustram a lógica torta das intervenções: uma intervenção gera distorções no mercado que devem ser corrigidas por novas intervenções em um ciclo que costuma ir muito além do que foi originalmente imaginado. A conta fica para o pagador de impostos que é também consumidor.

Para não terminar o post em um clima tão pesado recomendo ao leitor um documento do CADE com sugestões para estimular a concorrência no setor de combustíveis (link aqui), lá são feitas nove propostas:

Bloco 1: Contribuições em relação à Regulação
(i) Permitir que produtores de álcool vendam diretamente aos postos.
(ii) Repensar a proibição de verticalização do setor de varejo de
combustíveis.
(iii) Extinguir a vedação à importação de combustíveis pelas
distribuidoras.
(iv) Fornecer informações aos consumidores do nome do revendedor de
combustível, de quantos postos o revendedor possui e a quais outras
marcas está associado.
(v) Aprimorar a disponibilidade de informação sobre a comercialização
de combustíveis para o aperfeiçoamento da inteligência na repressão à
conduta colusiva.

Bloco 2: Contribuições em relação à Tributação
(vi) Repensar a substituição tributária do ICMS.
(vii) Repensar o imposto ad rem.

Bloco 3: Contribuições de caráter geral
(viii) Permitir postos autosserviços.
(ix) Repensar as normas sobre o uso concorrencial do espaço urbano.

No texto cada proposta é detalhada e justificada. Naturalmente ninguém é obrigado a concordar com todas as propostas, mas é triste saber que no lugar de estarmos discutindo uma agenda interessante como a proposta pelo CADE estamos discutindo a volta de políticas ruins que já se mostraram desastrosas no passado.


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