Tenho visto muitos comentários a respeito de como era a
economia na década de 1990. Vários mostram a década de 1990 como uma época de
crise e sofrimento, em grande parte isto é verdade. Porém a descrição da
economia da década de 1990 sem fazer referência à década de 1980 pode levar a
conclusões enganosas. Mal comparando é como um gordo que resolve emagrecer, é
muito provável que após três meses de dieta e exercícios o sujeito continue
gordo, porém estará menos gordo e mais disposto do que estava antes de decidir
emagrecer, se houver persistência em um ano ele poderá estar magro e saudável.
Falar do anos 1990 sem falar da década de 1980 é como analisar o sujeito após
três meses de dieta e concluir que, como ele ainda estava gordo, a dieta foi
inútil. Comparar a economia da primeira década do século XXI com a economia da
década de 1990 sem olhar para década de 1980 é como acreditar que o sujeito
emagreceu por milagre e que todo o sofrimento da dieta e dos exercícios foram
em vão, afinal hoje ele não precisa mais da dieta rigorosa e nem de exercícios
diários e mesmo assim está mais magro e mais saudável do que estava nos
primeiros meses da dieta. O perigo de fazer isto é voltar a engordar e ter de
fazer tudo de novo, o que pode até não ser mais difícil, mas é mais frustrante.
Sei bem das duas histórias. Como economista estudo a
economia brasileira das décadas 1980 e 1990, um dos trabalhos que mais me
orgulho foi exatamente a respeito desse período. O trabalho foi publicado em um
livro editado pelo Timothy Kehoe e pelo Edward Prescott (Nobel de Economia em
2004), o link para o livro está aqui (o link para o livro na Amazon está aqui),
o nome do capítulo que escrevi em parceria com o Victor Gomes, a Mirta Bugarin
e o Arilton Teixeira é “The Brazilian Depression in the 1980s e 1990s”. A
história do gordo que emagrece, esquece dos sacrifícios e engorda novamente eu
também conheço bem, passei por isto, já perdi 60Kg em um ano “apenas” com dieta
e exercício, no momento já recuperei quase tudo. Exatamente por conhecer bem as
duas histórias a comparação é inevitável. Para ajudar a lembrar a razão dos sacrifícios
da década de 1990 resolvi fazer este post a respeito da década de 1980. Vejam
esse post como um lembrete de como éramos anates do sacrifício, como um novo
magro que ante a tentação de jantar pizza com cerveja olha uma foto de quando
ele era gordo.
No final da década de 1970 o Brasil era um país com uma
economia promissora. Do fim da II Grande Guerra até o início da década de 1980
nosso crescimento estava entre os maiores do mundo, em 1950 nossa renda per
capita era 13,58% da renda per capita de um americano, ou seja, o brasileiro
médio ganhava 13,58% do que ganhava um americano médio, em 1980 essa proporção
era de 28,67%. Mais que dobramos nossa renda per capita em relação aos EUA! É
claro que vivíamos uma ditadura e alguns observadores mais atentos poderiam ter
desconfiado de toda esta bonança, mas não era o sentimento da maioria dos especialistas,
nem no Brasil nem no exterior. É mais ou menos como ocorre com a China hoje,
uma ditadura em uma economia crescendo muito.
Pois bem, a década de 1980 veio acabar com o sentimento de que
o Brasil é um país que vai para frente, em 1990 nossa renda per capita tinha caído
para 19,66% da renda per capita dos EUA. A figura à esquerda ilustra essa
história, primeiro o crescimento em relação aos EUA e depois a queda. Esquecendo
a comparação com os EUA e olhando apenas para os dados brasileiros vamos ver
que na década de 1980 a economia brasileira decresceu em média 0,29% ao ano,
não escrevi errado, a taxa média de crescimento foi de -0,29% ao ano. Mas como
desgraça pouca é bobagem não foi apenas a economia que parou de crescer, na
mesma época a inflação, que já era absurdamente alta, saiu completamente de
controle. A inflação medida pelo IPCA em 1980 foi de 99,25%, em 1989 chegou a incríveis
1.972,91% e em 1990 foi de 1.620,97%. Se voltarmos ao exemplo do gordo a situação
da economia brasileira era a de um obeso mórbido com problemas cardíacos, se o
médico mandar o sujeito fazer exercícios ele pode ter um ataque cardíaco, vai
ter de emagrecer apenas com restrições alimentares. Haja antidepressivo. A
figura abaixo mostra o crescimento da inflação na década de 1980.
A combinação de recessão com inflação alta, no caso da
década de 1980 seria melhor falar de depressão e hiperinflação, é desastrosa
para economia. A primeira vítima são os assalariados, a inflação corrói o poder
de compra do salário e a recessão tira o poder de barganha dos sindicatos. A
combinação é uma receita certa para queda de salário real, apenas para ilustrar
este processo podemos olhar o salário mínimo real calculado pelo IPEA. Em 1980
o valor médio do salário mínimo foi de R$ 603,94 em valores de hoje, em 1990
tinha caído para R$ 343,35. Apenas em 2009 o salário mínimo voltou aos valores
de 1980. A figura à direita mostra a queda do valor do salário mínimo na década
de 1980.
Os baixos salários pelo menos serviram de estímulo à
produção? Não. A taxa de investimento caiu no período. Em 1980 o Brasil
investia 23,5% do PIB, em 1990 investia 20,7%. A literatura mostra distorções
importantes no cálculo da taxa de investimento em 1989 e 1990, para poupar o
leitor de uma explicação tediosa a respeito de tais distorções digo apenas que
em 1991 a taxa de investimento foi de 18,01%. Se é verdade que por volta de
2009 o salário mínimo tinha recuperado o valor real de 1980, a taxa de
investimento nunca mais se recuperou. Com exceção de 1994, taxa de investimento
de 20,7%, nunca mais o Brasil investiu mais de 20% do PIB.
Eu poderia continuar listando as várias mazelas econômicas
da década de 1980, mas acredito que já passei meu recado e seguir adiante seria
abusar da paciência do leitor. No futuro falarei a respeito da década de 1990,
é verdade que não foi uma década feliz para a maioria dos brasileiros. Após
várias tentativas frustradas de resolver os problemas da economia por meio de maxisdesvalorização
da moeda, choques heterodoxos (o exemplo mais lembrado é o infame Plano
Cruzado) e até “sequestro” de ativos foi em meados da década de 1990 que o Brasil
resolveu fazer o que tinha de ser feito para combater a inflação, o gordo
finalmente descobriu que fazer simpatia não emagrece. Trazer de volta as
lembranças da década de 1990 pode ser uma benção se tais lembranças reforçarem
nosso compromisso com a estabilidade, se perdermos vamos ter de passar por tudo
de novo para recuperá-la. Se for para dizer que o sacrifício foi em vão estamos
dando uma passo perigoso para perder a estabilidade, o gordo voltou a tomar
cerveja à noite e parou de ir a academia.
Perfeito Roberto!
ResponderExcluirParticularmente peço que faça um "A Economia Brasileira na Década de 1980 - parte 2", porque minhas aulas sobre isso foram péssimas.
Abs
Muito bom, aguardo a analise da década de 1990,
ResponderExcluirA década de 80 foi um desastre absoluto para a economia brasileira. O trabalho de economista era ridículo, concentrado em projetar inflação, fazer cálculos correlacionados e pouca coisa além disso. Era proibido ter um computador de boa qualidade! Foi quando eu pensei em ir embora do país, como vários parentes e amigos fizeram. Os anos 90 começaram mal, mas depois de 94, melhorou imensamente, de forma que eu nunca podeira imaginar. Nunca pensei que teríamos inflação de país civilizado. Construímos a base para a década seguinte.
ResponderExcluirSomente dados oficiais sérios comparando governos Lula e FHC
ResponderExcluirhttp://governobrasil.blogspot.com.br/
Acessem.
Aqui, um resumo em gráfico: http://2.bp.blogspot.com/_9AUgPgu2qks/TMssBJAmtjI/AAAAAAAAACc/dtJW-1VCVms/s1600/resumo_visual_07.png
Viralizem.
Infográfico da corrupção. Sigam o dinheiro!
http://infogbucket.s3.amazonaws.com/infopapelaba/psd/organograma-da-corrupcao/organograma.jpg
Não entendo por que o PSDB não parte para o confronto direto com o PT também nos números de combate à pobreza. Não me refiro ao impacto social do Plano Real, mas sim às próprias políticas de transferência de renda! Menciono a Aposentadoria Rural por Idade, de caráter assistencial (e não previdenciário), que saltou de 2.240.500 benefícios, em 1991, para 4.287.817 benefícios, em 2002. Menciono o Benefício de Prestação Continuada, que saltou de 346.219 benefícios, em 1996, para 1.560.854, em 2002. Nesses dois casos, o valor de um salário mínimo supera em 10 vezes o valor do Bolsa Família, que parte de R$ 70,00. São números extraordinários, que superam de longe as conquistas do Bolsa Família, programa herdado do governo FHC. Finalmente, menciono o Auxílio-Gás, o Bolsa Escola e o Bolsa Alimentação, que ainda em 2004 mantinham um cadastro de 5.356.207, 3.042.779 e 53.507 beneficiários, respectivamente. Fica a pergunta: onde está o Instituto Teotônio Vilela, que deveria apresentar os subsídios para um embate real?
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