sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Exportações e Crescimento no Brasil

Ontem na conversa entre Guido Mantega e Armínio Fraga mediada por Miriam Leitão (link aqui) o ministro insistiu novamente em culpar a crise internacional pelo baixo crescimento da economia brasileira. Como pode ser visto no vídeo o ministro afirma que o baixo crescimento decorre da queda da demanda internacional por nossos produtos. É um argumento que não me convence, é fato notório que o Brasil é uma economia fechada para o comércio internacional e que depende pouco das exportações para crescer. Porém resolvi olhar os dados com mais cuidado. O Ipeadata tem uma série que mostra a contribuição das exportações para o crescimento do PIB. A série é construída como o produto entre a participação das exportações no PIB e o crescimento das exportações e está disponível para o período 1991 a 2013, os dados estão na figura abaixo.




Se considerarmos o período como um todo a contribuição média das exportações para o crescimento do PIB foi de 0,65%, no governo Dilma (2011 a 2013) a média foi de 0,29%. Sendo assim é verdade que a contribuição das exportações para o crescimento durante o governo Dilma foi abaixo da média, mas será que foi menor o suficiente para explicar o baixo crescimento? A diferença entre a média de todo o período e a média do governo Dilma é de 0,36%. Nos três primeiros de Dilma o crescimento foi de 2,73%, 1,03% e 2,49%, respectivamente, para 2014 a previsão é de crescimento de 0,3%. Se somarmos os 0,36% que podem ser debitados das exportações as taxas seriam de 3,09%, 1,39%, 2,85% e 0,66%, a média seria de 2,0% o que ainda garantiria ao governo Dilma a menor taxa de crescimento desde a estabilização.

Olhando com mais atenção aos dados podemos ver que a explicação do ministro é ainda mais frágil do que parece. Ao compararmos a contribuição das exportações para o crescimento do PIB entre os governos pós-estabilização vemos que o governo cujo as exportações menos contribuíram para o crescimento foi o primeiro mandato de FHC. Entre 1995 e 1998 as exportações contribuíram com 0,21% para o crescimento do PIB contra 0,29% no governo Dilma, ainda assim a economia cresceu em média 2,49% ao ano no primeiro mandado de FHC. A conclusão é que o argumento das exportações se aplicaria melhor ao primeiro governo de FHC do que ao governo Dilma. Será que nenhum assessor fez esta conta para o ministro? Será que ele sabia e falou apostando que ninguém fosse olhar os dados? Não sei dizer o que aconteceu, mas sei que os dados não parecem confirmar a, vá lá, tese do ministro.

O argumento do ministro fica ainda mais frágil quando olhamos para o segundo mandato de Lula, quando correu a crise. Naquele período as exportações colaboraram com apenas 0,25% para o crescimento do PIB, mais do que no primeiro mandato de FHC, porém menos do que no governo Dilma. Ironicamente foi o período que o Brasil mais cresceu desde a estabilização, no segundo mandato de Lula a economia cresceu a uma taxa de 4,62% ao ano. O fato é que a grande queda das exportações ocorreu em 2009 quando as exportações tiveram uma queda de 9,2%, em 2010 as exportações cresceram 11,52% e até 2013 não voltaram a cair. Antes de seguir adiante peço para que os que estão pensando em argumentar com multiplicadores que lembrem que o efeito multiplicador, se existir, não ocorre apenas no governo Dilma.

Como podem ver os números são cruéis para tese de Mantega e dos economistas governistas, mas não é só de base empírica que carece o argumento oficial, existem outras questões. Até que ponto o fraco desempenho das exportações no governo Dilma é culpa apenas do setor externo? Mas ela desvalorizou o câmbio em 50% (isso mesmo, começou em R$ 1,60 e está em R$ 2,40), eu sei, ocorre que existem muito mais coisas entre o câmbio e as exportações do que pensa a vã sabedoria da “turma do câmbio”. A política protecionista de Dilma afastou as empresas brasileiras das cadeias globais; a abordagem ideológica para o investimento comprometeu a infraestrutura, mesmo a Lei dos Portos que tinha tudo para ser o grande trunfo do governo Dilma acabou comprometida pela agenda política do governo; a estratégia geopolítica de virar as costas para os países ricos também pode ter ajudado no fraco desempenho das exportações; para não perder o costume termino a lista lembrando que a produtividade no Brasil é baixa e cresce pouco, é difícil competir quando se é menos eficiente. Em suma, a tese que o fraco desempenho as exportações é o culpado pelo baixo crescimento não se sustenta pelos dados, porém, que mesmo os dados sustentassem a tese ainda haveria a discussão a respeito de quanto do desempenho da exportações é culpa de fatores internos.


terça-feira, 7 de outubro de 2014

A Economia Brasileira na Década de 1980

Tenho visto muitos comentários a respeito de como era a economia na década de 1990. Vários mostram a década de 1990 como uma época de crise e sofrimento, em grande parte isto é verdade. Porém a descrição da economia da década de 1990 sem fazer referência à década de 1980 pode levar a conclusões enganosas. Mal comparando é como um gordo que resolve emagrecer, é muito provável que após três meses de dieta e exercícios o sujeito continue gordo, porém estará menos gordo e mais disposto do que estava antes de decidir emagrecer, se houver persistência em um ano ele poderá estar magro e saudável. Falar do anos 1990 sem falar da década de 1980 é como analisar o sujeito após três meses de dieta e concluir que, como ele ainda estava gordo, a dieta foi inútil. Comparar a economia da primeira década do século XXI com a economia da década de 1990 sem olhar para década de 1980 é como acreditar que o sujeito emagreceu por milagre e que todo o sofrimento da dieta e dos exercícios foram em vão, afinal hoje ele não precisa mais da dieta rigorosa e nem de exercícios diários e mesmo assim está mais magro e mais saudável do que estava nos primeiros meses da dieta. O perigo de fazer isto é voltar a engordar e ter de fazer tudo de novo, o que pode até não ser mais difícil, mas é mais frustrante.

Sei bem das duas histórias. Como economista estudo a economia brasileira das décadas 1980 e 1990, um dos trabalhos que mais me orgulho foi exatamente a respeito desse período. O trabalho foi publicado em um livro editado pelo Timothy Kehoe e pelo Edward Prescott (Nobel de Economia em 2004), o link para o livro está aqui (o link para o livro na Amazon está aqui), o nome do capítulo que escrevi em parceria com o Victor Gomes, a Mirta Bugarin e o Arilton Teixeira é “The Brazilian Depression in the 1980s e 1990s”. A história do gordo que emagrece, esquece dos sacrifícios e engorda novamente eu também conheço bem, passei por isto, já perdi 60Kg em um ano “apenas” com dieta e exercício, no momento já recuperei quase tudo. Exatamente por conhecer bem as duas histórias a comparação é inevitável. Para ajudar a lembrar a razão dos sacrifícios da década de 1990 resolvi fazer este post a respeito da década de 1980. Vejam esse post como um lembrete de como éramos anates do sacrifício, como um novo magro que ante a tentação de jantar pizza com cerveja olha uma foto de quando ele era gordo.

No final da década de 1970 o Brasil era um país com uma economia promissora. Do fim da II Grande Guerra até o início da década de 1980 nosso crescimento estava entre os maiores do mundo, em 1950 nossa renda per capita era 13,58% da renda per capita de um americano, ou seja, o brasileiro médio ganhava 13,58% do que ganhava um americano médio, em 1980 essa proporção era de 28,67%. Mais que dobramos nossa renda per capita em relação aos EUA! É claro que vivíamos uma ditadura e alguns observadores mais atentos poderiam ter desconfiado de toda esta bonança, mas não era o sentimento da maioria dos especialistas, nem no Brasil nem no exterior. É mais ou menos como ocorre com a China hoje, uma ditadura em uma economia crescendo muito.

Pois bem, a década de 1980 veio acabar com o sentimento de que o Brasil é um país que vai para frente, em 1990 nossa renda per capita tinha caído para 19,66% da renda per capita dos EUA. A figura à esquerda ilustra essa história, primeiro o crescimento em relação aos EUA e depois a queda. Esquecendo a comparação com os EUA e olhando apenas para os dados brasileiros vamos ver que na década de 1980 a economia brasileira decresceu em média 0,29% ao ano, não escrevi errado, a taxa média de crescimento foi de -0,29% ao ano. Mas como desgraça pouca é bobagem não foi apenas a economia que parou de crescer, na mesma época a inflação, que já era absurdamente alta, saiu completamente de controle. A inflação medida pelo IPCA em 1980 foi de 99,25%, em 1989 chegou a incríveis 1.972,91% e em 1990 foi de 1.620,97%. Se voltarmos ao exemplo do gordo a situação da economia brasileira era a de um obeso mórbido com problemas cardíacos, se o médico mandar o sujeito fazer exercícios ele pode ter um ataque cardíaco, vai ter de emagrecer apenas com restrições alimentares. Haja antidepressivo. A figura abaixo mostra o crescimento da inflação na década de 1980.



A combinação de recessão com inflação alta, no caso da década de 1980 seria melhor falar de depressão e hiperinflação, é desastrosa para economia. A primeira vítima são os assalariados, a inflação corrói o poder de compra do salário e a recessão tira o poder de barganha dos sindicatos. A combinação é uma receita certa para queda de salário real, apenas para ilustrar este processo podemos olhar o salário mínimo real calculado pelo IPEA. Em 1980 o valor médio do salário mínimo foi de R$ 603,94 em valores de hoje, em 1990 tinha caído para R$ 343,35. Apenas em 2009 o salário mínimo voltou aos valores de 1980. A figura à direita mostra a queda do valor do salário mínimo na década de 1980.

Os baixos salários pelo menos serviram de estímulo à produção? Não. A taxa de investimento caiu no período. Em 1980 o Brasil investia 23,5% do PIB, em 1990 investia 20,7%. A literatura mostra distorções importantes no cálculo da taxa de investimento em 1989 e 1990, para poupar o leitor de uma explicação tediosa a respeito de tais distorções digo apenas que em 1991 a taxa de investimento foi de 18,01%. Se é verdade que por volta de 2009 o salário mínimo tinha recuperado o valor real de 1980, a taxa de investimento nunca mais se recuperou. Com exceção de 1994, taxa de investimento de 20,7%, nunca mais o Brasil investiu mais de 20% do PIB.

Eu poderia continuar listando as várias mazelas econômicas da década de 1980, mas acredito que já passei meu recado e seguir adiante seria abusar da paciência do leitor. No futuro falarei a respeito da década de 1990, é verdade que não foi uma década feliz para a maioria dos brasileiros. Após várias tentativas frustradas de resolver os problemas da economia por meio de maxisdesvalorização da moeda, choques heterodoxos (o exemplo mais lembrado é o infame Plano Cruzado) e até “sequestro” de ativos foi em meados da década de 1990 que o Brasil resolveu fazer o que tinha de ser feito para combater a inflação, o gordo finalmente descobriu que fazer simpatia não emagrece. Trazer de volta as lembranças da década de 1990 pode ser uma benção se tais lembranças reforçarem nosso compromisso com a estabilidade, se perdermos vamos ter de passar por tudo de novo para recuperá-la. Se for para dizer que o sacrifício foi em vão estamos dando uma passo perigoso para perder a estabilidade, o gordo voltou a tomar cerveja à noite e parou de ir a academia.




segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Padrões Regionais nas Eleições de 2014: Velhos Padrões ou Nova Geografia?

O padrão regional de votação entre governo e oposição foi objeto de discussão nessa e nas últimas duas eleições. O dado objetivo é que o governo tem tido melhor desempenho nas regiões mais pobres do país e a oposição tem sido vitoriosa nas regiões mais ricas. A figura abaixo ilustra esse fato. Na esquerda está o mapa eleitoral e na direita está o IDH dos municípios em 2010, fica claro que nas regiões com IDH mais altos (verde) a oposição teve um melhor desempenho enquanto nas regiões de IDH mais baixos (laranja/vermelho) o governo venceu.




Padrão semelhante foi observado nas eleições de 2010 e 2006: as regiões mais desenvolvidas escolheram a oposição e as mais pobres escolheram o governo, a figura abaixo mostra o mapa eleitoral de 2006 e de 2010 (os mapas foram obtidos aqui). Os resultados de 2006 estão à esquerda e os de 2010 estão à direita. Como pequenas variações, notadamente o Rio Grande do Sul e o norte de Minas Gerais, poder ser dito que o Centro-Sul do Brasil vota no PSDB e o Norte-Nordeste vota no PT. A teste mais popular para explicar esse fenômeno é que muitos eleitores no Norte-Nordeste (incluindo o norte de Minas) dependem dos programas sociais do governo, especificamente do bolsa-família, e por esta razão votam no governo. É uma tese poderosa que além de ter lógica interna é referendada pelos dados das três últimas eleições.


Porém creio que é possível existir outras explicações, acredito que existe uma tendência forte das regiões Norte e Nordeste votarem nos candidatos com mais chances de ganhar. É claro que pode ser o contrário e os candidatos escolhidos pelas regiões Norte e Nordeste acabarem tendo mais chances de ganhar, mas eu escolho a primeira direção: Norte e Nordeste escolhem votar em quem vai ganhar.Os dois mapas abaixo mostram os resultados das eleições de 1994 (esquerda) e 1998 (direita), notem que em ambas as eleições o Norte e o Nordeste escolheram votar no PSDB, em 1994 a força do PT vinha do extremo sul do país!


Mas em 1994 e em 1998 o Brasil (quase) todo votou em FHC, alguém pode dizer. Está certo, responderia eu. Infelizmente não achei mapas semelhantes para eleições anteriores a 1994. Achei uma página bem interessante com mapas eleitorais por estado para eleições mais antigas (link aqui), mas a corte por estado retira informações importantes, e.g. não diferencia o norte e o sul de Minas, e paras as eleições de 1989 só tem informações para o segundo turno onde Collor ganhou em praticamente todos os estados, Lula ganhou apenas no Rio Grande do Sul, no Rio de Janeiro, em Brasília e em Pernambuco. Nas eleições anteriores ao regime militar a maior parte dos estados do atual Nordeste votaram nos vencedores. Em 1945 todos menos Ceará, Piauí e Paraíba votaram em Dutra (PSD), os três em destaque votaram em Eduardo Gomes (UDN), em 1950 o Ceará e o Piauí continuaram com Eduardo Gomes (UDN), o Maranhão votou em Cristiano Machado (PSD) e os outros estados votaram em Vargas (PTB). Uma exceção à regra ocorreu em 1955, naquele ano a maioria dos estados do atual Nordeste (CE, PB, PE, AL e SE) votou em Juarez Távora (UDN), outros quatro (BA, PI, MA e RN) votaram em Juscelino Kubitschek (PSD), não sei ao certo, mas arrisco dizer que esta maioria em número de estados não representava a maioria da população. Em 1960 dos nove estados do atual Nordeste apenas três votaram no General Henrique Teixeira Lott, os outros seis votaram em Jânio Quadros. Chama atenção o fato de que em todas as eleições a Bahia votou no candidato vencedor, ou seja, a Bahia votou no PSD em 1945 e 1955, votou no PTB em 1950 e votou na UDN em 1960, ganhou em todas. No outro extremo o Ceará votou com a UDN em todas as eleições entre 1945 e 1960, só ganhou a última.

O leitor atento notou que pulei as eleições de 2002. Não foi por acaso, em 2002 o candidato do governo não era o favorito o que criou uma situação atípica, pelo menos no período pós 1989. Outro fator importante é que nas eleições de 2002 as lideranças tradicionais do Nordeste não apoiaram o candidato governista. Naquele ano os votos não obedeceram o claro padrão geográfico que apresentariam nos anos seguintes, a figura abaixo mostra o mapa eleitoral de 2002. Fica claro porém que, com exceção do Ceará que votou em Ciro Gomes, a maior parte dos estados do Nordeste votou em Lula. No segundo turno o Nordeste, e todo o Brasil menos Alagoas, votou em Lula.



Tenho mais dúvidas do que respostas, mas o fato da maior parte dos estados do atual Nordeste ter votado no candidato vencedor em praticamente todas as eleições desde 1945, a única exceção foi 1955, sugere que mais ou além do bolsa família o Nordeste escolhe votar no candidato que vai ganhar. Talvez por ser uma região pobre e temer ficar contra o governo federal, talvez por seguir lideranças que não querem ficar contra o governo federal ou por outros motivos o Nordeste é uma região governista por excelência. Desta forma eu diria que é preciso estudar mais os dados das últimas eleições antes de culpar o Bolsa Família pela derrota da oposição no Nordeste. A verdade é que o papel da ARENA, que vencia nos "grotões", hoje é ocupado pelo PT.

P.S.1. O único candidato derrotado que venceu no Nordeste, Juarez Távora, era nordestino, especificamente era cearense. Talvez isto diga algo a respeito de ter um nordestino na chapa da oposição.

P.S.2. Antes que alguém tenha a infeliz ideia de me acusar de ter algo contra o Nordeste aviso que, apesar de nascido no Rio de Janeiro, me considero e me apresento como cearense. Meu pai era cearense e três dos meus quatro avós eram cearenses, a única que não era nasceu em Juiz de Fora e foi criada no Ceará. O nome dela era Hortência Alencar e o pai dela era Meton de Alencar, quem é do Ceará entende o que significa, quem não é basta dizer que Fortaleza é chamada de capital Alencarina.



domingo, 5 de outubro de 2014

Avaliação Preliminar das Eleições: Temos Motivos para Festa

Enquanto as atenções estão voltadas para as eleições presidenciais resolvi dar uma olhada com que aconteceu com o Congresso. Não que eu não esteja empolgado com as eleições presidenciais, estou e muito, mas é que a composição do Congresso pode ser decisiva nos próximos anos. Há dez dias havia a possibilidade de uma vitória arrasadora do PT, a disputa com o PSDB seria substituída por uma disputa com um grupo indefinido liderado por uma fundadora do PT. Hoje temos uma vitória, em termos presidenciais estamos mais ou menos como estávamos em 2010, mas as bancadas dos dois partidos que lideram a coalizão governista diminuíram e a bancada do PSDB e outros partidos de oposição estão maiores. Alguém pode dizer que é uma vitória pequena pois o PT continua com a maior bancada na Câmara e o PMDB com a segunda maior. Pode ser que seja uma vitória pequena, mas é uma vitória, para quem estava na condição que estávamos há dez dias atrás comemorar cada pequena vitória é uma obrigação.


Na corrida presidencial o primeiro turno desse ano foi melhor que o de 2014. Em 2010 Dilma teve 46,9% contra 51,9% da oposição (32,57% de Serra e 19,33% de Marina), em 2014 Dilma caiu para 41,6% dos votos no primeiro turno e a oposição subiu para 54,95% dos votos (32,57% de Aécio e 21,3% de Marina). Mas é no Congresso que se percebe o avanço da oposição. A figura à esquerda compara as bancadas dos vários partidos em 2010 e 2014, notem a queda expressiva do PT e do PMDB e ascensão do PSDB. 

Os números são os seguintes: o PT caiu de 88 para 70 deputados, o PMDB de 71 para 66, por outro lado o PSDB subiu de 44 para 55. Do lado da oposição o PPS ganhou quatro deputados (de 6 para 10) e o DEM perdeu seis deputados (28 para 22). Se o PSB for mesmo para oposição será um reforço significativo, seus 34 deputados podem ajudar muito em votações críticas. A figura à direita mostra a variação de cada partido. Em termos percentuais o PT perdeu aproximadamente 20% da bancada e o PSDB amentou a bancada em 25%. As duas maiores quedas foram de partidos da base aliada: o PCdoB, tradicional e fiel aliado do PT, perdeu 40% dos deputados que tinha e o Pros, partido recém fundado e liderado pelos irmão Gomes do Ceará, perdeu 45% dos deputados.  O maior crescimento foi do PTB (44%) e do PSB (42%), dois partidos que participaram da base aliada e romperam com o governo nesta eleição. Cabe registro ao crescimento do PRB, o partido aumentou em 100% o número de deputados, foi de 10 para 20, e me forçou a fazer a amostra com um número maior que 10 deputados para na distorcer meu gráfico.

Analisar mudanças no Senado é mais complicado pois apenas um terço do dos senadores foram trocados nessa eleição. Creio que o PMDB ficará com a maior bancada do Senado por ter eleito cinco senadores, a princípio é uma boa notícia para o governo, mas cabe lembrar que a relação do PT com o PMDB no Senado é cheia de idas e vindas e não são poucos os senadores pemedebistas que compõem com a oposição. O PSDB elegeu quatro senadores, o dobro do PT que só elegeu dois, o DEM elegeu três senadores. Olhando alguns nomes destaco a não reeleição de Suplicy, é uma perda significativa para o PT que perde São Paulo e um senador tradicional com bom trânsito com a oposição. Outro ponto que merece registro é que notórios oposicionistas estarão no Senado: Tasso Jereissati, José Serra, Ronaldo Caiado e Antonio Anastasia se juntam a Álvaro Dias e José Agripino para liderar a oposição. Romário embora eleito em pareceria com o PT pode surpreender o governo, o baixinho não é conhecido por aceitar imposições. Outra que pode surpreender (wishiful thinking detected) é Katia Abreu, outrora nome forte da oposição foi para o PSD e depois para o PMDB e chegou a ser cotada para o ministério de Dilma, mas quem vai pode voltar. Não posso deixar de registrar que o homem forte do governo PT (e de praticamente todos os governos nas últimas décadas) se aposentou e está fora do Senado. Como será o Congresso sem Sarney?

Para resumir meu ponto é que se Aécio ganhar será a consagração da vitória da oposição, não creio que alguém discorde. Se Dilma ganhar terá um Congresso mais duro pela frente, a oposição cresceu e o governo perdeu nomes importantes. Em qualquer caso a oposição estará mais forte em 2014 do que estava em 2010.





terça-feira, 30 de setembro de 2014

Notícias de Setembro de 2014

Assim termina o mês de setembro:


  • Bolsa recua mais de 11% no mês (link aqui).
  • O déficit primário de agosto foi R$ 14,5 bilhões. É o maior para o mês desde 2008, é a primeira vez que temos quatro meses seguidos de resultado negativo, além disso é o pior resultado da história para o acumulado no ano e em proporção ao PIB (link aqui). Carlos Hamilton, diretor de Política Econômica do BC, reconheceu o risco da política fiscal tornar-se expansionista. Conheço o Carlos Hamilton da época da EPGE, trata-se de um excelente economista que está na ingrata função de defender o indefensável, conheço o sentimento e como forma de solidariedade anuncio que reconheço o risco do Botafogo não ficar entre os quatro melhores do Brasileirão em 2014.
  • Governo arrecada 30% menos que o esperado no leilão da telefonia 4G (link aqui).
  • De acordo com a edição mais recente, 26/9, do Relatório Focus do Banco Central a expectativa de inflação para o ano é de 6,31%, a taxa de crescimento esperada é de 0,29%, espera-se uma queda de 1,95% na produção industrial (link aqui).
  • O dólar chegou a 2,45. Nada contra, sou da turma do câmbio flutuante, mas é fato que o BC está no mercado tentando segurar o dólar, a despeito do esforço o dólar desvalorizou aproximadamente 9,4% em um mês (link aqui). Em africâner alguém diria mislukking.
  • Criação de vagas em agosto é a pior da série histórica (link aqui) e apresenta recuo de 20% em relação a agosto de 2013. Ainda assim o ministro do trabalho viu os números como sinal que a economia brasileira não está bem (link aqui).
  • A balança comercial em agosto apresentou o menor superávit comercial nos últimos 13 anos, o feito só foi alcançado por conta da exportação de uma plataforma que nunca saiu do Brasil (link aqui). O saldo foi de US$ 1,16 bi e a plataforma foi exportada por US$ 1,11 bi.

Há quem prefira atirar no mensageiro e acusar de pessimista quem se limita a listar os fatos...



segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Tô com o Sachsida

Com a proximidade das eleições creio que é hora de listar meus motivos para votar e apoiar a candidatura do Adolfo Sachsida para Deputado Distrital. De início voto no Adolfo por conhecê-lo bem. Nos conhecemos em 1998 quando tomei posse no IPEA e fui trabalhar na Coordenação Geral de Finanças Públicas. Trabalhamos juntos, ficamos amigos e escrevemos dois trabalhos. Um sobre paridade descoberta da taxa de juros que foi publicado na Applied Economic Letters (Uncovered interest parity and the peso problem: the Brazilian case, link aqui) e outro sobre ciclos reais no Brasil que foi publicado na Revista Brasileira de Economia (Business cycle fluctuations in Brazil, link aqui), esse último estava (não sei se ainda está) entre os dez mais citados da história da RBE. Naquela época já via o Adolfo como o tipo do amigo que podemos contar mesmo nas horas mais difíceis. Certa vez o descrevi como o tipo de amigo que se te ver do outro lado da rua brigando sozinho contra cinco cara fortes atravessa a rua e já entra com uma voadora, não porque ele seja particularmente forte e vá bater nos caras, mas por ser do tipo que prefere apanhar com um amigo que seguir adiante e fingir que não viu, até hoje mantenho a descrição.

Depois de trabalharmos no IPEA cada um seguiu seu caminho. Ele foi para Universidade Católica de Brasília (UCB) onde ajudou a consolidar o Programa de Pós-Graduação em Economia, inclusive criando o curso de doutorado em economia da UCB. Eu fui para a UnB onde acabei virando coordenador de pós-graduação em uma época onde o tradicional Programa de Pós-Graduação em Economia da UnB vivia momentos difíceis, em grande parte por conta de desentendimentos internos. Viramos "concorrentes", mas sempre estivemos prontos a nos ajudar, quero crer que deu certo. A Católica consolidou a Pós-Graduação em Economia que chegou a ser avaliada como muito boa pela CAPES, o Programa de Pós-Graduação em Economia da UnB voltou a ser avaliado como centro de excelência. Na sequencia o Adolfo foi para os EUA, onde lecionou na Universidade do Texas, e voltou para o IPEA. Eu estou na UnB até hoje, atualmente sou diretor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da UnB (FACE/UnB). Neste trajeto Adolfo consolidou sua posição como um dos pesquisadores brasileiros mais produtivos na área de economia, foram 53 artigos publicados entre 2000 e 2013, a maioria no exterior.

Se isso não fosse o suficiente para justificar meu voto ainda tem o fato do Adolfo ser um liberal que compartilha várias ideias comigo. Acreditamos no mercado e na livre inciativa como a melhor forma de coordenar a atividade econômica, acreditamos que valores morais são importantes (embora discordemos sobre quais valores e no papel do estado para impor tais valores) e que todos os indivíduos são iguais e devem responder por seus atos (para o bem e para o mal), acreditamos que as sociedades ocidentais representam a melhor forma de organização social já criadas pela humanidade e que os fundamentos destas sociedades devem ser espalhados pelo mundo, acreditamos na importância da família como célula fundamental da sociedade e como responsável pela formação de valores (embora possamos discordar sobre o que vem a ser uma família), por último mas não menos importante, somos Cristãos e acreditamos que a boa nova trazida por Cristo deve ser espalhada pelo mundo.

A lista de motivos já está grande, porém incompleta. Tem um último ponto que eu gostaria de registrar. Gosto de política, acompanho a política brasileira e internacional desde muito jovem, sou do tipo que gosta de ler discursos e coisas assim. Apesar de tudo tenho muito respeito pela política, acredito piamente que a única alternativa à política é a força e a consequente barbárie. Na condição de alguém que gosta de política muito me entristece o baixíssimo nível de nossos políticos atuais. Não é um problema cultural ou de falta de educação, já tivemos grandes políticos e oradores tanto na esquerda quando na direita. Carlos Lacerda, Getúlio Vargas, San Tiago Dantas, Darcy Ribeiro, Roberto Campos, Celso Furtado, Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso, Afonso Arinos e tantos outros já ocuparam assentos no nosso Congresso que hoje recebe figuras que mal conseguem apresentar e concatenar as ideias que dizem defender, isto quando se dão ao trabalho de dizer quais ideias defendem. Em tal ambiente ver um cidadão com a formação e com a história do Adolfo Sachsida topar entrar no jogo eleitoral é motivo de esperança. Em nome desta esperança não só voto no Adolfo como peço aos amigos que votem nele.


domingo, 28 de setembro de 2014

Grau de Abertura e Desempenho Econômico no Brasil, na Rússia, no México e no Chile: Um Contraponto ao Ministro do Desenvolvimento

Já tinha visto em comentários no FB e em outros espaços virtuais argumentos que tentam culpar a abertura da economia pelo baixo crescimento, pela redução da participação da indústria de transformação no PIB e pela que saldo comercial. Porém o que era “coisa de internet” ganhou tons oficiais quando Mauro Borges, Ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), resolveu usar do argumento da abertura em entrevista à Folha de São Paulo (link aqui). De saída deixo claro que tenho grande admiração por Mauro Borges e que se é para ter um desenvolvimentista no MDIC que seja ele. Dito isso não posso deixar de registrar minha discordância em relação à fala do ministro. Durante a entrevista foram feitas várias críticas mais ou menos veladas à abertura comercial, mas a passagem que motivou este post foi quando o ministro respondeu a questão sobre a queda do superávit comercial no governo Dilma e culpou o fato de sermos uma economia “relativamente aberta”. Ressalto que, hábil no uso das palavras, o ministro colocou o relativamente, mas a estrutura dos argumentos deixa claro que o ministro dá um peso significativo a abertura para explicar nossos problemas.

Os que acompanham o blog sabem que minha explicação para nossas mazelas econômicas, inclusive o fim do superávit comercial, é de outra natureza. Ao estimular a demanda em uma economia com restrição de oferta o governo induz o aumento dos preços, daí a inflação resistente, e faz com que a demanda seja atendida por produção externa, visto que a produção interna não tem como ser expandida para atender à demanda. Essa explicação também justifica a manutenção do emprego, até que as distorções comecem a retrair a oferta, e o baixo crescimento. Pois bem, não vou entediá-los ainda mais com considerações teóricas sobre a origem de nossos problemas, os interessados podem ver aqui ou em outros posts do blog. Vou comparar países que é um exercício mais interessante para posts de blogs.

Para efeitos de comparação escolhi Chile (minha carta favorita), México (exemplo do ministro) e Rússia (para ter um BRIC e não ser acusado de apelar com Índia e China). Antes que alguém venha com a conversa que não pode comparar Brasil com outros países da América Latina, particularmente o Chile, por sermos uma economia industrializada e coisa e tal peço que leiam o posto sobre o assunto (link aqui) ou que tenham em mente que a participação da indústria de transformação no PIB do Chile é de 11,48%, não muito diferente do Brasil, no México é de 17,76% e na Rússia é de 14,77%. A ideia é comparar os graus de abertura e os saldos de bens e serviços dos quatro países. Para isso usei os dados do Banco Mundial (aqui e aqui), o grau de abertura foi calculado como a soma das importações e das exportações como proporção do PIB, o saldo foi calculado como a diferença entre essas mesmas variáveis.

A figura abaixo mostra o grau de abertura nos quatro países, fica claro que o Brasil é bem menos aberto que os outros. Em 2013 o grau de abertura do Brasil foi 27,6% contra 65,3% do Chile, 64,2% do México e 50,9% da Rússia, na média do período o grau de abertura do Brasil foi de 25,6%, o do Chile foi de 68,3%, o do México foi de 56,6% e o da Rússia foi de 55,3%. Desta forma é possível dizer que no período 2000 a 2013 o grau de abertura do Brasil foi menor que a metade do segundo mais baixo da amostra, o da Rússia. A partir destes números fica difícil dizer que o Brasil é uma economia aberta, mesmo colocando o relativamente, me parece inadequado. Mais apropriado seria dizer que é uma economia relativamente fechada.



É possível relacionar o grau de abertura com o desempenho do saldo de bens e serviços  e com o desempenho da economia? Afinal, essa foi a sugestão do ministro e é exatamente o que quero questionar. Comecemos pelo desempenho da economia. A figura abaixo mostra a evolução da renda per capita corrigida por paridade do poder de compra, novamente usei dados do Banco Mundial (link aqui). Entre 2000 e 2013 o país que mais cresceu foi a Rússia e depois o Chile. No mesmo período o grau de abertura da Rússia foi quase o dobro do grau de abertura do Brasil, o grau de abertura do Chile foi ainda maior que o da Rússia. O Brasil cresceu mais que o México, sendo que o grau de abertura do último é maior que o da Rússia e menor que o do Chile. Se grau de abertura impedisse crescimento seria de se esperar que o Brasil fosse o país com maior crescimento dos quatro, não foi.



O resultado muda depois da crise? Muda. A figura abaixo mostra a renda per capita dos quatro países depois da crise. Note que o Chile, país com maior grau de abertura do quatro foi o que mais cresceu no período posterior a crise. Novamente o desempenho do Brasil é pior que o da Rússia e comparável ao do México. Como concluir que o Brasil é uma economia relativamente aberta? Mais grave, como a partir desta conclusão culpar a abertura pelo desempenho da economia?



Falemos agora da balança de bens e serviços. É fato que Rússia e Chile tiveram queda no resultado externo, nos dois países a queda vem de antes da crise. Nos dois países é possível que a queda esteja relacionada ao setor externo, afinal são economias “relativamente” abertas, mas no Brasil? Considere que em 2007, ano anterior à crise, as exportações brasileiras eram 13,4% do PIB e em 2013 foram de 12,6% do PIB, isso mesmo, a queda nas exportações entre 2007 e 2013 correspondeu a menos de 1% do PIB. Ainda não está satisfeito? Em 2010, ano em que a economia cresceu mais de 7%, as exportações foram 10,9% do PIB. A verdade é que durante o governo Dilma as exportações aumentaram em relação ao PIB. A redução do saldo na balança de bens e serviços não decorre de queda nas exportações, decorre de aumento das importações. Então o ministro está certo quando afirma que empresas estrangeiras estão tomando mercado das empresas nacionais? Não creio. Se fosse o caso deveríamos estar vendo um aumento do desemprego, a tese que as empresas estrangeiras estão atendendo a demanda criada pelo governo e que as empresas locais não conseguem atender me parece mais convincente. Até porque boa parte do aumento das importações vem do petróleo...

A figura baixo ilustra o saldo de bens e serviços dos quatro países. Repare que o único que não caiu foi o México, exatamente o país que o ministro aponta como mau exemplo e o país que aumentou de forma significativa o grau de abertura depois da crise. Mais uma vez fica difícil defender a tese que o comércio exterior é o culpado de nossos males.



Enfim, o post foi um exercício para ilustrar o que considero um erro de diagnóstico do ministro Mauro Borges. O risco é que enquanto persistirmos no diagnóstico errado nossos problemas não serão resolvidos. Para terminar com uma provocação pergunto se faz sentido um governo que apresentou a vinda da Foxconn como trunfo de política econômica acusar alguém de querer transformar o Brasil em um país de maquiladoras? Não me entendam mal, não tenho nada contra a Foxconn montar produtos eletrônicos em terras tupiniquins, mas também não faço apologia à indústria nem muito menos defendo política industrial.