terça-feira, 14 de abril de 2020

Como votaram os deputados no pacote de socorro aos estado, aka bomba fiscal, aprovado na Câmara?


Ontem a Câmara aprovou uma versão completamente distorcida do era conhecido como Plano Mansueto (ver aqui), um projeto destinado a socorrer estados com graves problemas fiscais em troca de contrapartidas que consistiam em escolher três das oitos medidas abaixo:

  • I - autorização para privatização de empresas dos setores financeiro, de energia, de saneamento ou de gás, com vistas à utilização dos recursos para quitação de passivos;
  • II - redução de, no mínimo, 10% (dez por cento) dos incentivos ou benefícios de natureza tributária dos quais decorram renúncias de receitas, instituídos por lei estadual, distrital ou municipal, no primeiro exercício subsequente à assinatura do Plano, ressalvados os benefícios ou incentivos concedidos por prazo certo e em função de condições determinadas e aqueles instituídos na forma estabelecida pela alínea “g” do inciso XII do § 2º do art. 155 da Constituição, além da suspensão das concessões de novos incentivos ou benefícios de natureza tributária pelo período de duração do Plano;
  • III - revisão do regime jurídico único dos servidores da administração pública direta, autárquica e fundacional para suprimir os benefícios ou as vantagens não previstas no regime jurídico único dos servidores públicos da União;
  • IV - instituição de regras e mecanismos para limitar o crescimento anual das despesas correntes à variação anual do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo - IPCA, ou de outro que vier a substituí-lo, ou à variação anual da receita corrente líquida apurada na forma do inciso IV do caput do art. 2º da Lei Complementar nº 101, de 2000, o que for menor;
  • V - eliminação das vinculações de receitas de impostos não previstas na Constituição e das vinculações que excedem aos limites previstos na Constituição;
  • VI - adoção do princípio de unidade de tesouraria, observado o disposto no art. 43 da Lei Complementar nº 101, de 2000, com vistas a implementar mecanismos de gestão financeira centralizada junto à Secretaria do Tesouro do ente federativo, ao qual cabe estabelecer as condições para o recebimento e a movimentação dos recursos financeiros, inclusive a destinação dos saldos não utilizados quando do encerramento do exercício;
  • VII - adoção de reformas e de medidas estruturantes na prestação do serviço de gás canalizado, de forma a refletir boas práticas regulatórias, inclusive no tocante aos consumidores livres, de acordo com diretrizes estabelecidas pela Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis; ou
  • VIII - contratação dos serviços de saneamento básico, pelo seu titular, de acordo com o modelo de concessões de serviço público previsto na Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, e, quando houver companhia de saneamento, a adoção do seu processo de desestatização.


Com a chegada do coronavírus seria razoável esperar alguma ajuda do governo federal aos estados e mesmo um adiamento das condições do Plano Mansueto original, por exemplo, o estado que escolhesse autorizar privatizações poderia aprovar ainda este ano, mas só realizar a venda em 2021. Outra possibilidade seria suspender por dois anos todo e qualquer reajuste para servidores de estados e municípios que resolvessem aderir ao plano se socorre. Ocorre que, liderados por Rodrigo Maia (DEM-RJ), os deputados resolveram jogar para escanteio a necessidade de contrapartidas e ainda criaram a figura de um seguro contra perdas de receitas a ser bancado pela União.

Como o modelo aprovado pelos deputados (ver aqui) um estado que não arrecadar nada de ICMS no período de vigência da medida terá uma receita igual à do ano passado paga pela União. Considerando que em janeiro e fevereiro deste ano a receita de ICMS para o país como um todo foi menor do que a do ano passado para os mesmos meses, é possível que a pandemia de Covid-19 deixe os governadores com mais receitas do que teriam sem a pandemia. Não por acaso já se fala de aumento para servidores no Rio de Janeiro e em São Paulo.

Para a coisa não ficar tão escandalosa colocaram uma restrição para concessão de benefícios fiscais, mas, como ninguém é de ferro, abriram uma avenida para escapar da restrição. A malandragem está no nono parágrafo do segundo artigo:

§ 9º Será considerado nulo o ato que conceda ou amplie incentivo ou benefício de natureza tributária, nos termos do art. 14 da Lei Complementar nº 101, de 05 de maio de 2000, bem como isenção em caráter geral, diferimento, suspensão, alteração no prazo de recolhimento, ou benefício de natureza financeira ou creditícia que reduza a arrecadação de ICMS e do
ISS, ressalvadas:
I - a postergação de prazo de recolhimento de impostos por
microempresas e pequenas empresas; e
II - as renúncias e benefícios diretamente relacionadas ao
enfrentamento da Covid-19, se requeridas pelo Ministério da Saúde ou para
preservação do emprego.

É fácil imaginar alternativas para justificar muitas coisas com a exceção prevista no inciso II. A verdade é que ontem a Câmara armou uma das maiores bombas fiscais fá vistas no país.

Dada a importância da medida, creio que é justo que o eleitor saiba como cada deputado votou, o Poder 360 fez a lista com essa informação (ver aqui). Não faz muito sentido reproduzir a lista nesse post, dessa forma vou me limitar a agrupar os dados por partido e por unidades da federação.

Analisando por partido é fácil ver que, com exceção do PSL, todos os partidos deram forte apoio à medida. Como esperado PT e PCdoB deram 100% de votos a favor do projeto, na lista de apoio total estão também Avante, PV e Rede (que só tem um deputado), o PSOL não ficou com 100% porque as deputadas Luiza Erundina (SP) e Áurea Carolina (MG) faltaram à votação. Dos partidos que costumam defender ajuste fiscal destaco o PSDB com trina e dois votos favoráveis, apenas o deputado Pedro Cunha Lima (PB) votou contra, e o NOVO que de forma surpreendente deu seis votos favoráveis e apenas dois, Gilson Marques (SC) e Marcel van Hattem (RS) contrários. No DEM foram vinte e três votos favoráveis, uma falta e três votos contrários dados pelos deputados Kim Kataguiri (SP), Pedro Lupion (PR) e Sóstenes Cavalcante RJ). A figura abaixo resume o voto de todos os partidos. 



Da “bancada” do Livres (ver aqui), um movimento liberal que não é organizado como partido, votaram “sim” os deputados Franco Cartafina (PP-MG), Marcelo Calero (Cidadania-MG) e Tiago Mitraud (NOVO-MG), os deputados Alex Manente (Cidadania-SP), Daniel Coelho (Cidadania-PE), Gilson Marques (NOVO-SC) e Pedro Cunha Lima (PSDB-PB) votaram “não”. Confesso que, assim como no caso do NOVO, eu esperava uma rejeição maior ao projeto por parte da turma do Livres.
  
Agrupando por unidades da federação é possível observar que a propostas venceu fácil em todos os estados e no DF. O estado com menos adesão foi Santa Catarina, 56% dos cotos favoráveis, na outra ponta Acre, Amazonas, Amapá, Maranhão, Piauí, Roraima, Sergipe e Tocantins deram 100% dos votos pela aprovação do projeto. Vale registrar que nenhum dos estados que deram apoio total são das regiões Sul e Sudeste o que parece contrapor a tese que o governo é contra o pacote porque esse beneficiaria excessivamente os estados mais ricos. Por outro lado, o resultado pode apenas refletir uma maior homogeneidade em estados com bancadas maiores. Em São Paulo a adesão foi de 70% e aqui no DF foi de 75%, os votos contrários foram das deputadas Bia Kicis (PSL) e Paula Belmonte (Cidadania). A figura abaixo resume os votos por unidade da federação.




Os números mostram que o pacote do Maia, eu devia ter escrito bomba fiscal do Maia, recebeu forte apoio na Câmara tanto no corte por partidos quanto no corte por estados. Isso pode ser um sinal que reverter no Senado a decisão da Câmara será uma tarefa árdua, mas que tem que ser tentada. O governo vai ter de trabalhar para deixar claro que vai ajudar estados e municípios, mas não na forma desastrosa aprovada pela Câmara. Se o esforço no Senado falhar o certo a fazer é vetar o projeto e, se necessário for, buscar alguma falha no projeto que permita recursos ao STF. Em último caso vale um veto nem que seja para ser derrubado, isso pelo menos forçaria que os defensores da bomba fiscal passassem recibo do que estão fazendo. Alô pessoal do Novo e do Livres, estou de olho!


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