domingo, 10 de novembro de 2019

Plano mais Brasil: Qual o tamanho do gasto do governo geral em relação ao PIB?


Com o objetivo de preparar o próximo post da série a respeito do Plano mais Brasil fui dar uma olhada mais cuidadosa na apresentação oficial do plano (link aqui). No quarto slide me deparei com um gráfico mostrando a despesa total do governo considerando o setor público consolidado. Estranhei os valores próximos a 50% do PIB, estou acostumado a trabalhar com os números do FMI que colocam a despesa do governo geral em torno de 38% do PIB. De onde vem a diferença? É normal que existam diferenças entre dados nacionais e dados do FMI, mas estamos falando de cerca de 12% do PIB em um fluxo de despesa. É muita coisa.

Para descartar a hipótese de erro no gráfico resolvi reproduzir os números da apresentação do Plano mais Brasil. Para isso foi na página Tesouro Nacional Transparente (link aqui), o gráfico da apresentação cita a STN como fonte, e procurei pelas despesas do governo geral. Como o gráfico é de barras e não apresenta os valores para cada não sei ao certo se estou usando os mesmos números que os usados na apresentação, mas os valores são próximos. Se o único número disponível no gráfico, 49,2%, for referente a 2018, creio que seja, então estamos quase iguais pois eu encontrei 49,1%. Salvo erro meu os valores para o gasto medidos pelo Tesouro e pelo FMI são de fato bem diferentes. A figura abaixo ilustra as duas medidas.




Recorri a colegas de profissão para entender a diferença, que fica um tanto mais difícil de explicar pelo Tesouro afirmar que a série é construída com uso de critérios internacionais. A resposta mais sólida que consegui diz que os dados de Tesouro de fato seguem padrões internacionais, mas não são os mais adequados para medir o tamanho dos gastos. Isso ocorre por conta de imputações, por conta de dupla contagem nos pagamentos dentro do setor público e na forma de cálculo dos juros. São questões técnicas mais conhecidas (e dominadas) por contadores especializados em orçamento público do que por economistas, mas, se a diferença entre o número do FMI e o do Tesouro for por conta dessas questões, são muito relevantes para passarem desapercebidas. Seria bom esclarecer essa questão antes que os debates comecem para evitarmos a “guerra de números” que tanto atrapalhou o debate sobre a reforma da previdência.

Um outro número estranho é de que a cada R$ 100 do orçamento da União cerca de R$ 65 são para pagamento de folha. Como mostrei em post anterior (link aqui) o gasto da União com Pessoal e Encargos Sociais fica próximo a 25% da Receita Corrente Líquida e cerca de 4,3% do PIB, número que não são compatíveis com um gasto com folha de 65% do orçamento da União. Até agora não encontrei explicação para esse número, ainda me ocorreu que tenham colocado o RGPS (previdência) como folha, mas seria uma canelada muito grande e preferi não testar.

Um último ponto em relação aos números da apresentação diz respeito à figura mostrando despesas obrigatória e discricionárias. Não vou entrar no animado debate a respeito do uso de gráficos com escalas duais (mentira, eu vou), mas gráfico com escala dual que só mostra uma é demais para um leitor de livros e artigos do Hadley Wickham e usuário do ggplot2 como bem mostra os gráficos desse e de muitos outros posts do blog.

Para que o leitor entenda o problema das escalas duais (eu avisei que estava mentindo) vou fazer um exemplo que chega o mais próximo possível de uma escala dual que ggplot2 permite. A figura abaixo mostra a despesa discricionária e a despesa obrigatória desde 2012 segundo os dados da STN, os valores são de julho de 2019 e os dados são a soma de doze meses.




Repare que a figura mostra de forma clara que o ajuste fiscal foi feito sacrificando gastos discricionários, mas pode induzir o leitor desatento a pensar que a queda no gasto discricionário levou a uma forte queda no gasto total. Essa impressão é uma ilusão, repare que a escala do gráfico da esquerda é diferente da escala do gráfico da direita. Em uma figura com escala dual é mais difícil perceber a diferença, por costume olhamos a escala da esquerda e temos dificuldade em ler da direita para esquerda. No gráfico da apresentação fica ainda pior pois só aparece uma escala. Quem não conhece os dados fica com a impressão que já fizemos um ajuste fiscal gigantesco, o que é ruim para a tese do governo, e que a queda do gasto discricionário foi muito maior da queda que de fato ocorreu, o que ajuda a tese do governo da necessidade de controlar o gasto obrigatório. Tese que nunca é demais dizer que considero correta.

A figura abaixo mostra os mesmos dados da figura anterior, a única diferença é que agora o lado esquerdo e direito usam a mesma escala. Perceberam a diferença? Nela fica mais difícil enxergar a queda do gasto discricionário, porém fica fácil perceber que a queda do gasto discricionário não compensa o aumento do gasto obrigatório (aquele “morro” em 2016 foi por conta do reconhecimento de pedaladas). 



Qual é a melhor forma de mostrar os dados? Esse é o tipo de pergunta que pode tomar horas de discussão entre quem gosta do assunto. Eu talvez usasse a primeira, afinal o objetivo é apontar o limite no ajuste via despesas discricionárias, mas faria ressalvas quanto as escalas em algum lugar. Como seguidor esforçado do Wickham evitaria usas a escala dual, mas entendo que às vezes não aparecem alternativas. No caso específico me limito a pedir que coloquem a outra escala.



Um comentário:

  1. Professor Ellery,

    Primeiramente o post está excelente como de costume.

    Quanto ao gasto com folha, recentemente fiz uma apresentação na Agência onde trabalho sobre isso e sim, creio que tenham usado o RGPS como folha para chegar aos 65%.

    Minha conta para Previdência + BPC ficou em 50,9% da Despesa Primária e as despesas com Pessoal e encargos sociais ficou em aproximadamente 23%. Posso compartilhar os dados se interessarem.

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    Quanto ao problema das divergências, tive problema semelhante quanto à relação Dívida/PIB. Já que o critério de cálculo do FMI diverge do cálculo do Banco Central. A falta de padronização prejudica o debate.

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