Vez por outra comparo a desempenho econômico do Brasil com
outros países, sempre aparece alguém apresentando bons motivos para justificar
que o grupo escolhido não é adequado. Quando comparo com a América Latina dizem
que a comparação é descabia porque somos mais industrializados que os outros
países do continente, já questionei no blog a validade desse argumento (link
aqui), ou porque somos muito maiores do que nossos vizinhos, o que é verdade
embora não seja um impeditivo para comparação. Mesmo acreditando que a América
Latina é uma boa referência para comparações com o Brasil (tratei do tema aqui)
não raro aceito as críticas e procuro outros grupos de comparação, fiz isso no
post a respeito da produtividade (link aqui). Outras vezes aparecem comparações
com países em cima de uma única variável, nesses casos gosto de pegar o pais
que serviu de comparação e avaliar outras dimensões (fiz um exercício do tipo
aqui).
Por alguma razão alguém me enviou a figura abaixo sugerindo
que o grupo de comparação para o Brasil seria composto por China, EUA, Índia e
Rússia. A justificativa é que os cinco países são os únicos que simultaneamente
possuem territórios com mais de dois milhões de quilômetros quadrados, mais de
cem milhões de habitantes e PIB superior a seiscentos bilhões de dólares. Não
me foi apresentada nenhuma razão para justificar porque os limites para
comparação foram estabelecidos em dois milhões de quilômetros quadrados, cem
milhões de habitantes ou PIB maior que seiscentos bilhões de dólares, mas não
vou implicar com isso. Para definir um grupo de comparação é necessário
estabelecer algum critério que de alguma forma acaba sendo arbitrário. O que
realmente me incomoda é a ideia que tamanhos absolutos são adequados para
definir grupos de comparação, eu prefiro medidas relativas. No lugar de PIB eu
usaria PIB per capita e no lugar de área e população eu ficaria mais
confortável com densidade demográfica. Não fico confortável em comparar um país
onde a renda média é de aproximadamente U$ 55 mil, como os EUA, com um país
onde a renda média é de aproximadamente U$ 6 mil como é o caso da Índia, no
primeiro caso não crescer significa permanecer rico, no segundo não crescer
significa permanecer pobre, a diferença qualitativa é gigantesca para ser
ignorada.
Mesmo sem gostar dos critérios usados vou entrar no jogo e
comparar os cinco países gigantes sugeridos pela figura, costumo dizer que o
Brasil está mal comparado a (quase) qualquer grupo de países e não posso negar
que os cinco países em questão formam um grupo. Farei a comparação em dois
momentos, no primeiro será usado o período 2011 a 2014, correspondendo ao
primeiro mandato da presidente Dilma, o segundo considerará 2015 e 2016 como
forma de capturar o futuro próximo, todos os dados usados são do FMI e estão
disponíveis na internet. A tabela abaixo mostra o crescimento do PIB de cada
país nos dois períodos de interesse.
País
|
Crescimento 2011-2014
|
Crescimento 2015-2016
|
Brasil
|
2,14%
|
-0,02%
|
China
|
8,04%
|
6,53%
|
Índia
|
6,45%
|
7,46%
|
Rússia
|
2,40%
|
-,246%
|
EUA
|
2,13%
|
3,10%
|
No período 2011 a 2014 ficamos em penúltimo lugar, apenas os
EUA, um país que já é rico e que foi o epicentro da crise de 2008 cresceu menos
que o Brasil, repare que a diferença foi de 0,01%. O quadro fica ainda pior se
considerarmos que só ficamos na frente dos EUA por conta de 2011, primeiro ano
de governo Dilma onde é razoável supor que os efeitos da desastrosa Nova Matriz
Econômica ainda não tinham sido sentidos, se excluirmos 2011 nosso crescimento
médio teria sido de 1,55% contra 2,30% dos EUA e 1,77% da Rússia.
Lamentavelmente o quadro não muda quando olhamos para frente, as projeções para
2015 e 2016 sugerem que continuaremos na penúltima posição no ranking de
crescimento do PIB. A novidade é que a Rússia troca com os EUA e passa a ocupar
a última posição. Me parece justo dizer que no critério crescimento não ficamos
bem na comparação com o grupo dos gigantes.
A próxima variável a ser comparada é a taxa de inflação, os
dados estão na tabela abaixo. Considerando a inflação do período entre 2011 e
2014 ficamos em terceiro lugar, se consideramos o que se espera para o futuro
próximo voltamos ao penúltimo lugar. Aqui é interessante registrar que os dois países
onde se espera crescimento negativo, Brasil e Rússia, são os mesmos dois países
onde se espera aumento da inflação, nos dois países onde espera-se um aumento
na taxa de crescimento a inflação deve cair. Não significa muito, mas é bom ter
registros como este em mente para a próxima vez que disserem que o combate à
inflação é inimigo do crescimento.
País
|
Inflação média 2011-2014
|
Inflação média 2015-2016
|
Brasil
|
6,14%
|
6,87%
|
China
|
3,16%
|
1,35%
|
Índia
|
8,92%
|
5,92%
|
Rússia
|
7,02%
|
13,87%
|
EUA
|
2,07%
|
0,80%
|
Passemos agora para variável trunfo do governo: a taxa de
desemprego, o leitor sabe que toda vez que alguém faz críticas à política
econômica é condenado a ouvir uma aula sobre como nosso desemprego é bem menor que
o de outros países e como é importante manter o desemprego baixo. A tabela abaixo
mostra os dados de desemprego, infelizmente não existiam informações para a
Índia de forma que vamos ter de nos contentar com apenas quatro países.
Considerado o período 2011 a 2014 nossa taxa de desemprego só foi maior do que
a da China, ficou muito próxima da taxa da Rússia e bem menor que a dos EUA.
Infelizmente o quadro deteriora no futuro próximo e voltamos a ficar em penúltimo
lugar no esperado para 2015 e 2016, infelizmente mais próximos do último, que
novamente é a Rússia, do que do segundo, que passa ser os EUA.
País
|
Desemprego 2011-2014
|
Desemprego média 2015-2016
|
Brasil
|
5,42%
|
6,10%
|
China
|
4,09%
|
4,09%
|
Índia
|
-
|
-
|
Rússia
|
5,65%
|
6,5%
|
EUA
|
7,63%
|
5,30%
|
Até agora não estamos nos saindo bem, ficamos mal em
crescimento e inflação e as perspectivas para o emprego também não são
favoráveis, não fosse a Rússia estaríamos colecionando últimos lugares, mas
como só existe uma Rússia estamos colecionando penúltimos lugares. Ocorre que
ao contrário do que fazia até as eleições do ano passado o governo não mais
nega a existência de uma crise, o discurso oficial agora é que estamos em uma
crise conjuntural e que o futuro será glorioso. Vimos que o futuro próximo não
parece muito glorioso, mas ainda seria possível argumentar que estamos investindo
para que no longo prazo possamos crescer, de fato é o que alguns autores
governistas têm feito. Olhemos então para a taxa de investimento, os dados
estão na tabela abaixo.
País
|
Taxa de Investimento 2011-2014
|
Taxa de Investimento 2015-2016
|
Brasil
|
20,80%
|
19,10%
|
China
|
47,68%
|
45,04%
|
Índia
|
34,80%
|
32,27%
|
Rússia
|
22,38%
|
17,78%
|
EUA
|
19,20%
|
20,67%
|
Mais uma vez ficamos em penúltimo lugar. No período 2011 a
2014 ficamos na frente apenas dos EUA, novamente cabe registrar que os EUA
foram o epicentro da crise de 2008 e que é natural que países ricos invistam
menos do que países em desenvolvimento. No futuro próximo novamente somos
ultrapassados pelos EUA e ultrapassamos a Rússia. Espero que o leitor esteja
percebendo que existem três padrões no grupo, o primeiro com China e Índia é de
países em desenvolvimento com perspectiva de seguir uma trajetória de
crescimento, o segundo engloba Brasil e Rússia e mostra países em
desenvolvimento que estão em crise e com perspectivas ruins, o terceiro padrão
é o dos EUA, um país rico saindo de uma crise grave. Dos cinco gingantes dois
estão subindo; um já estava no alto, escorregou e está se levantando; e dois
não apenas se mostram incapazes de continuar a subida como dão sinais que vão
cair alguns degraus. Infelizmente somos um dos dois que estão com sérios
problemas.
Um último indicador para comparação é o saldo em transações
correntes. Grosso modo um saldo em transações correntes positivo significa que
o país está poupando em relação ao resto do mundo, ou seja, o país ganha mais
do que gasta, vale o contrário, um resultado negativo significa que o país
gasta mais do que ganha e precisa se financiar com o resto do mundo ou vender
ativos. A tabela abaixo mostra os dados do saldo em conta corrente como
proporção do PIB. Tenha em mente que um déficit elevado em transações correntes
não é necessariamente algo ruim, significa apenas que o país está se financiando
no resto do mundo, se o dinheiro que o país pega com o resto do mundo for usado
em algo que dê um bom retorno o país pagará suas dívidas e seguirá sua
trajetória de crescimento. O problema aparece quando o recurso captado no resto
do mundo não é bem aplicado de forma que o pagamento da dívida contraída trará sacríficos
significativos para o país no futuro.
País
|
Transações correntes 2011-2014
|
Transações correntes 2015-2016
|
Brasil
|
-2,88%
|
-3,55%
|
China
|
2,10%
|
3,18%
|
Índia
|
-3,05%
|
-1,43%
|
Rússia
|
2,13%
|
3,10%
|
EUA
|
-2,64%
|
-2,33%
|
No caso das transações correntes ficamos em penúltimo no
passado recente e último no futuro próximo. Lembrem que saldo em transações
correntes negativo não é necessariamente um problema, tudo depende do que está
sendo feito com o dinheiro. Entre 2011 e 2014 a Índia teve um grande déficit,
mas estava investindo quase 35% do PIB, nós tivemos um déficit um pouco menor
que o que o da Índia, mas estávamos investindo 20% do PIB. Quem deverá ter mais
chances de pagar os credores sem grandes sacrifícios? O que pegou emprestado
para investir ou o que pegou emprestado para consumir? Sei que eu tinha dito
que o saldo em transações correntes seria o último indicador do post, mas para
responder as perguntas vale à pena dar uma olhada nas taxas de poupanças de
cada país. Prefiro voltar atrás no que disse do que deixar as perguntas em
aberto, paciência... está terminando.
A tabela abaixo mostra a taxa de poupança nos cinco países
do grupo de comparação. No passado recente nossa taxa de poupança só foi maior
do que a dos EUA, para 2015 e 2016 a projeção é que nossa taxa de poupança será
a menor do grupo. O quadro que se configura é que China e Rússia são países que
poupam mais do que investem e, portanto, estão financiando o resto do mundo.
Brasil, Índia e EUA são países que investem mais do que poupam e por isso são
financiados pelo resto do mundo (não é coincidência que a avaliação da
diferença entre investimento e poupança seja a mesma da avaliação da conta
corrente, os dois conceitos medem a mesma coisa). Ocorre que a Índia está
fazendo um considerável esforço de poupança e investimento e o Brasil não, nós
estamos muito próximos à cigarra da fábula e o inverno já começou.
País
|
Taxa de poupança 2011-2014
|
Taxa de poupança 2015-2016
|
Brasil
|
17,92%
|
15,56%
|
China
|
49,78%
|
48,22%
|
Índia
|
31,76%
|
30,84%
|
Rússia
|
25,73%
|
23,60%
|
EUA
|
17,29%
|
18,34%
|
No primeiro bloco de comparação o Brasil apareceu junto à
Rússia no grupo dos gigantes que pararam de crescer e dão sinais que podem
encolher. No segundo bloco de comparação o Brasil aparece junto com os EUA no
grupo dos gigantes que estão pegando dinheiro emprestado para financiar
consumo, ambos poupam pouco e investem pouco, mas só um dos dois é rico. No
quadro geral o Brasil aparece como um país que cresce pouco, tem inflação alta,
poupa pouco, investe pouco e está se endividando. Não estávamos ruins no
quesito desemprego, mas a perspectiva é que fiquemos. No final do dia mesmo
considerando um grupo de comparação estranho como o dos cinco gigantes ficamos mal
na foto. Para poupar trabalho dos que vivem a busca de um grupo onde não
fiquemos mal na foto sugiro um com Rússia e Grécia, mas corram, em breve a
Grécia pode estar melhor do que o Brasil.
P.S. Depois de escrever o post encontrei a figura que define
o grupo dos gigantes em um post no blog Tijolaço. O texto que acompanha a imagem
não fala de comparar os países, o ponto é que o Brasil tem vocação para ter um
destino próprio e não para ser um satélite (link aqui). O link para o grupo do
Facebook de onde o autor do post no Tijolaço estava quebrado, procurei o grupo
no Facebook e lá encontrei a imagem sem um contexto específico (link aqui) e
descobri que os dados da figura são de 2010. Porém me pediram uma comparação e
uma comparação eu fiz.
Excelente artigo! Obrigado.
ResponderExcluirGostei muito das comparações, era o que procurava.
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