segunda-feira, 13 de julho de 2015

Comparando Gigantes: Brasil, Rússia, China, Índia e Estados Unidos

Vez por outra comparo a desempenho econômico do Brasil com outros países, sempre aparece alguém apresentando bons motivos para justificar que o grupo escolhido não é adequado. Quando comparo com a América Latina dizem que a comparação é descabia porque somos mais industrializados que os outros países do continente, já questionei no blog a validade desse argumento (link aqui), ou porque somos muito maiores do que nossos vizinhos, o que é verdade embora não seja um impeditivo para comparação. Mesmo acreditando que a América Latina é uma boa referência para comparações com o Brasil (tratei do tema aqui) não raro aceito as críticas e procuro outros grupos de comparação, fiz isso no post a respeito da produtividade (link aqui). Outras vezes aparecem comparações com países em cima de uma única variável, nesses casos gosto de pegar o pais que serviu de comparação e avaliar outras dimensões (fiz um exercício do tipo aqui).

Por alguma razão alguém me enviou a figura abaixo sugerindo que o grupo de comparação para o Brasil seria composto por China, EUA, Índia e Rússia. A justificativa é que os cinco países são os únicos que simultaneamente possuem territórios com mais de dois milhões de quilômetros quadrados, mais de cem milhões de habitantes e PIB superior a seiscentos bilhões de dólares. Não me foi apresentada nenhuma razão para justificar porque os limites para comparação foram estabelecidos em dois milhões de quilômetros quadrados, cem milhões de habitantes ou PIB maior que seiscentos bilhões de dólares, mas não vou implicar com isso. Para definir um grupo de comparação é necessário estabelecer algum critério que de alguma forma acaba sendo arbitrário. O que realmente me incomoda é a ideia que tamanhos absolutos são adequados para definir grupos de comparação, eu prefiro medidas relativas. No lugar de PIB eu usaria PIB per capita e no lugar de área e população eu ficaria mais confortável com densidade demográfica. Não fico confortável em comparar um país onde a renda média é de aproximadamente U$ 55 mil, como os EUA, com um país onde a renda média é de aproximadamente U$ 6 mil como é o caso da Índia, no primeiro caso não crescer significa permanecer rico, no segundo não crescer significa permanecer pobre, a diferença qualitativa é gigantesca para ser ignorada.



Mesmo sem gostar dos critérios usados vou entrar no jogo e comparar os cinco países gigantes sugeridos pela figura, costumo dizer que o Brasil está mal comparado a (quase) qualquer grupo de países e não posso negar que os cinco países em questão formam um grupo. Farei a comparação em dois momentos, no primeiro será usado o período 2011 a 2014, correspondendo ao primeiro mandato da presidente Dilma, o segundo considerará 2015 e 2016 como forma de capturar o futuro próximo, todos os dados usados são do FMI e estão disponíveis na internet. A tabela abaixo mostra o crescimento do PIB de cada país nos dois períodos de interesse.

País
Crescimento 2011-2014
Crescimento 2015-2016
Brasil
2,14%
-0,02%
China
8,04%
6,53%
Índia
6,45%
7,46%
Rússia
2,40%
-,246%
EUA
2,13%
3,10%

No período 2011 a 2014 ficamos em penúltimo lugar, apenas os EUA, um país que já é rico e que foi o epicentro da crise de 2008 cresceu menos que o Brasil, repare que a diferença foi de 0,01%. O quadro fica ainda pior se considerarmos que só ficamos na frente dos EUA por conta de 2011, primeiro ano de governo Dilma onde é razoável supor que os efeitos da desastrosa Nova Matriz Econômica ainda não tinham sido sentidos, se excluirmos 2011 nosso crescimento médio teria sido de 1,55% contra 2,30% dos EUA e 1,77% da Rússia. Lamentavelmente o quadro não muda quando olhamos para frente, as projeções para 2015 e 2016 sugerem que continuaremos na penúltima posição no ranking de crescimento do PIB. A novidade é que a Rússia troca com os EUA e passa a ocupar a última posição. Me parece justo dizer que no critério crescimento não ficamos bem na comparação com o grupo dos gigantes.

A próxima variável a ser comparada é a taxa de inflação, os dados estão na tabela abaixo. Considerando a inflação do período entre 2011 e 2014 ficamos em terceiro lugar, se consideramos o que se espera para o futuro próximo voltamos ao penúltimo lugar. Aqui é interessante registrar que os dois países onde se espera crescimento negativo, Brasil e Rússia, são os mesmos dois países onde se espera aumento da inflação, nos dois países onde espera-se um aumento na taxa de crescimento a inflação deve cair. Não significa muito, mas é bom ter registros como este em mente para a próxima vez que disserem que o combate à inflação é inimigo do crescimento.

País
Inflação média 2011-2014
Inflação média 2015-2016
Brasil
6,14%
6,87%
China
3,16%
1,35%
Índia
8,92%
5,92%
Rússia
7,02%
13,87%
EUA
2,07%
0,80%

Passemos agora para variável trunfo do governo: a taxa de desemprego, o leitor sabe que toda vez que alguém faz críticas à política econômica é condenado a ouvir uma aula sobre como nosso desemprego é bem menor que o de outros países e como é importante manter o desemprego baixo. A tabela abaixo mostra os dados de desemprego, infelizmente não existiam informações para a Índia de forma que vamos ter de nos contentar com apenas quatro países. Considerado o período 2011 a 2014 nossa taxa de desemprego só foi maior do que a da China, ficou muito próxima da taxa da Rússia e bem menor que a dos EUA. Infelizmente o quadro deteriora no futuro próximo e voltamos a ficar em penúltimo lugar no esperado para 2015 e 2016, infelizmente mais próximos do último, que novamente é a Rússia, do que do segundo, que passa ser os EUA.

País
Desemprego 2011-2014
Desemprego média 2015-2016
Brasil
5,42%
6,10%
China
4,09%
4,09%
Índia
-
-
Rússia
5,65%
6,5%
EUA
7,63%
5,30%

Até agora não estamos nos saindo bem, ficamos mal em crescimento e inflação e as perspectivas para o emprego também não são favoráveis, não fosse a Rússia estaríamos colecionando últimos lugares, mas como só existe uma Rússia estamos colecionando penúltimos lugares. Ocorre que ao contrário do que fazia até as eleições do ano passado o governo não mais nega a existência de uma crise, o discurso oficial agora é que estamos em uma crise conjuntural e que o futuro será glorioso. Vimos que o futuro próximo não parece muito glorioso, mas ainda seria possível argumentar que estamos investindo para que no longo prazo possamos crescer, de fato é o que alguns autores governistas têm feito. Olhemos então para a taxa de investimento, os dados estão na tabela abaixo.

País
Taxa de Investimento 2011-2014
Taxa de Investimento 2015-2016
Brasil
20,80%
19,10%
China
47,68%
45,04%
Índia
34,80%
32,27%
Rússia
22,38%
17,78%
EUA
19,20%
20,67%

Mais uma vez ficamos em penúltimo lugar. No período 2011 a 2014 ficamos na frente apenas dos EUA, novamente cabe registrar que os EUA foram o epicentro da crise de 2008 e que é natural que países ricos invistam menos do que países em desenvolvimento. No futuro próximo novamente somos ultrapassados pelos EUA e ultrapassamos a Rússia. Espero que o leitor esteja percebendo que existem três padrões no grupo, o primeiro com China e Índia é de países em desenvolvimento com perspectiva de seguir uma trajetória de crescimento, o segundo engloba Brasil e Rússia e mostra países em desenvolvimento que estão em crise e com perspectivas ruins, o terceiro padrão é o dos EUA, um país rico saindo de uma crise grave. Dos cinco gingantes dois estão subindo; um já estava no alto, escorregou e está se levantando; e dois não apenas se mostram incapazes de continuar a subida como dão sinais que vão cair alguns degraus. Infelizmente somos um dos dois que estão com sérios problemas.

Um último indicador para comparação é o saldo em transações correntes. Grosso modo um saldo em transações correntes positivo significa que o país está poupando em relação ao resto do mundo, ou seja, o país ganha mais do que gasta, vale o contrário, um resultado negativo significa que o país gasta mais do que ganha e precisa se financiar com o resto do mundo ou vender ativos. A tabela abaixo mostra os dados do saldo em conta corrente como proporção do PIB. Tenha em mente que um déficit elevado em transações correntes não é necessariamente algo ruim, significa apenas que o país está se financiando no resto do mundo, se o dinheiro que o país pega com o resto do mundo for usado em algo que dê um bom retorno o país pagará suas dívidas e seguirá sua trajetória de crescimento. O problema aparece quando o recurso captado no resto do mundo não é bem aplicado de forma que o pagamento da dívida contraída trará sacríficos significativos para o país no futuro.

País
Transações correntes 2011-2014
Transações correntes 2015-2016
Brasil
-2,88%
-3,55%
China
2,10%
3,18%
Índia
-3,05%
-1,43%
Rússia
2,13%
3,10%
EUA
-2,64%
-2,33%

No caso das transações correntes ficamos em penúltimo no passado recente e último no futuro próximo. Lembrem que saldo em transações correntes negativo não é necessariamente um problema, tudo depende do que está sendo feito com o dinheiro. Entre 2011 e 2014 a Índia teve um grande déficit, mas estava investindo quase 35% do PIB, nós tivemos um déficit um pouco menor que o que o da Índia, mas estávamos investindo 20% do PIB. Quem deverá ter mais chances de pagar os credores sem grandes sacrifícios? O que pegou emprestado para investir ou o que pegou emprestado para consumir? Sei que eu tinha dito que o saldo em transações correntes seria o último indicador do post, mas para responder as perguntas vale à pena dar uma olhada nas taxas de poupanças de cada país. Prefiro voltar atrás no que disse do que deixar as perguntas em aberto, paciência... está terminando.

A tabela abaixo mostra a taxa de poupança nos cinco países do grupo de comparação. No passado recente nossa taxa de poupança só foi maior do que a dos EUA, para 2015 e 2016 a projeção é que nossa taxa de poupança será a menor do grupo. O quadro que se configura é que China e Rússia são países que poupam mais do que investem e, portanto, estão financiando o resto do mundo. Brasil, Índia e EUA são países que investem mais do que poupam e por isso são financiados pelo resto do mundo (não é coincidência que a avaliação da diferença entre investimento e poupança seja a mesma da avaliação da conta corrente, os dois conceitos medem a mesma coisa). Ocorre que a Índia está fazendo um considerável esforço de poupança e investimento e o Brasil não, nós estamos muito próximos à cigarra da fábula e o inverno já começou.

País
Taxa de poupança 2011-2014
Taxa de poupança 2015-2016
Brasil
17,92%
15,56%
China
49,78%
48,22%
Índia
31,76%
30,84%
Rússia
25,73%
23,60%
EUA
17,29%
18,34%

No primeiro bloco de comparação o Brasil apareceu junto à Rússia no grupo dos gigantes que pararam de crescer e dão sinais que podem encolher. No segundo bloco de comparação o Brasil aparece junto com os EUA no grupo dos gigantes que estão pegando dinheiro emprestado para financiar consumo, ambos poupam pouco e investem pouco, mas só um dos dois é rico. No quadro geral o Brasil aparece como um país que cresce pouco, tem inflação alta, poupa pouco, investe pouco e está se endividando. Não estávamos ruins no quesito desemprego, mas a perspectiva é que fiquemos. No final do dia mesmo considerando um grupo de comparação estranho como o dos cinco gigantes ficamos mal na foto. Para poupar trabalho dos que vivem a busca de um grupo onde não fiquemos mal na foto sugiro um com Rússia e Grécia, mas corram, em breve a Grécia pode estar melhor do que o Brasil.





P.S. Depois de escrever o post encontrei a figura que define o grupo dos gigantes em um post no blog Tijolaço. O texto que acompanha a imagem não fala de comparar os países, o ponto é que o Brasil tem vocação para ter um destino próprio e não para ser um satélite (link aqui). O link para o grupo do Facebook de onde o autor do post no Tijolaço estava quebrado, procurei o grupo no Facebook e lá encontrei a imagem sem um contexto específico (link aqui) e descobri que os dados da figura são de 2010. Porém me pediram uma comparação e uma comparação eu fiz.

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