terça-feira, 9 de junho de 2015

Novo Plano de Concessões: Agora Vai?

Hoje o governo lançou o novo plano de concessões, é um plano ambicioso, sem dúvidas. O plano prevê investimentos de R$ 198,4 bilhões em transportes, dos quais R$ 37,4 bilhões em portos, R$ 8,5 bilhões em aeroportos, R$ 66 bilhões em rodovias e R$ 86 bilhões em ferrovias (link aqui). A infraestrutura de transportes no Brasil de fato está mal das pernas e precisa urgentemente de ser revitalizada. Como transportes afetam praticamente todos os setores da economia um plano de investimento que reduza os problemas de transportes tem potencial para beneficiar a economia como um todo, mais ainda, uma melhora no setor de transportes pode ajudar a reduzir o problema crônico de baixa produtividade que afeta o Brasil e ainda pode ajudar a trazer novos investimentos.

Então finalmente temos motivos para festejar? Não creio, pelo menos ainda não. Mansueto Almeida no excelente blog dele mostrou ceticismo com o programa (link aqui). Faz sentido, gato escaldado tem medo d’água e no passado recente tivemos outros programas grandiosos que não deram em nada. Terá o governo aprendido com os próprios erros? Terá a chegada de Joaquim Levy contribuindo para que o governo aceite formas mais eficazes de colocar em prática as concessões? O flerte com o sistema de outorgas sugere que sim. Para os que não lembram o sistema de outorga era a base dos modelos de privatizações da década de 1990 (na época de FHC concessões eram chamadas de privatizações, se não acredita no que digo faça uma busca por privatização da Dutra). O PT trocou as outorgas pelo modelo de tarifa mínima e demonizou o antigo modelo como coisa de neoliberal que odeia o povo. Se o modelo de outorgas será mesmo adotado só o tempo vai dizer, para um governo que tem negado várias teses que defendeu nos últimos anos negar as críticas que fez ao modelo de privatização usado por FHC não deve ser algo muito traumático.

Se o governo usar modelos mais eficientes de concessão vamos ter motivos para festa? Eu sugiro que não coloquem a cerveja para gelar, creio que o principal fator que impediu o sucesso das outras iniciativas continua presente. Antes de dizer do que falo convido o leitor a refletir a respeito de algumas questões:

Por que a transposição do rio São Francisco não está pronta? A ideia de fazer a transposição do rio São Francisco data de 1847, quando o Brasil ainda era um império comandado por D. Pedro II, na época a ideia não foi adiante. Quase cem anos depois, em 1943, Getúlio Vargas recolocou o tema em pauta, mas também não foi muito longe, o projeto voltou a ganhar força no governo Figueiredo, último presidente do regime militar. Já na democracia a transposição do rio São Francisco recebeu atenção de Itamar e de FHC. No governo Lula o projeto finalmente saiu do papel e as obras foram iniciadas, o projeto foi aprovado em 2004, as obras começaram em 2007 e já deviam estar prontas desde 2012. Estamos em 2015 e as obras ainda não estão prontas. Por que? Para que o leitor tenha uma ideia será útil observar o que aconteceu entre 2004, quando o projeto foi aprovado, e 2007, quando as obras começaram. Ainda em 2004 o Plano Decenal de Recursos Hídricos da Bacia do São Francisco foi aprovado, mas a transposição ficou de fora por conta de um pedido de vistas. As idas e vindas do projeto geraram um conflito entre o Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) e a Agência Nacional de Água (ANA). No entender da agência o CNRH é o responsável pelos planos de obras e definições de prioridade da bacia do São Francisco, mas o uso da água da bacia é atribuição dos órgãos estaduais e da ANA. A disputa criou um conflito jurídico que ainda não foi resolvido. Mesmo com o conflito as obras começaram em 2007, atualmente estão no STF pelo menos 14 ações contra a transposição. As ações tratam de questões indígenas, normas de recursos hídricos e normas ambientais. O IBAMA já aprovou o relatório de impactos ambientais do projeto, mas as ações continuam. É razoável investir em uma obra que leva água do São Francisco para outras regiões do Nordeste? Não sei, seria preciso um estudo para isso, já li a respeito, mas existem múltiplas conclusões. Porém a pergunta não é bem essa, a pergunta mais apropriada seria: É razoável investir em um projeto que está se arrastando e que é questionado por 14 ações no STF e que nem mesmo os órgãos do governo se entendem a respeito? Me parece difícil uma resposta diferente de não. O que impede que investimentos privados (ou mesmo públicos) sejam feitos para terminar a transposição do São Francisco? Os R$ 8 bilhões necessários para a obra ou a confusão jurídica que descrevi? Para ajudar na resposta o leitor pode lembrar das centenas de bilhões de reais que o BNDES usou para financiar o investimento durante o primeiro governo Dilma (as informações que usei estão na Wikipédia, link aqui).

Por que a ferrovia Norte-Sul não está pronta? Uma outra consulta a Wikipédia (link aqui) ensina que a ferrovia Norte-Sul deve conectar os estados de Pará, Maranhão, Tocantins, Goiás, Minas Gerais, São Paulo, Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Em um país com déficit crônico de transportes e reconhecida carência no setor ferroviário é difícil não se empolgar com o projeto. Porém seguindo a leitura aprendemos que as obras da ferrovia começaram em 1987 e atualmente estão no trecho entre Açailândia (MA) e Palmas (TO). O custo da ferrovia é estimado em R$ 25 bilhões. Terá sido a falta de recursos que impediu a construção da ferrovia? Em quase trinta anos o Brasil não conseguiu R$ 25 bilhões para uma obra tão importante? O leitor pode mais uma vez lembrar das centenas de bilhões do BNDES ou, se preferir, o leitor pode lembrar dos custos dos estádios da Copa. Se não foi falta de recursos então o que foi? Segundo relatório do TCU o trecho entre Palmas (TO) e Anápolis (GO) tem 700km que sequer podem ser chamados de ferrovia. Suspeitas de superfaturamento, erros de projetos como curvas muito fechadas e problemas de execução como trilhos que não forma soldados também foram apontados no TCU (link aqui). Ações na justiça ajudam a parar a obra, considerando o número de estados envolvidos e que a justiça de cada estado pode ser acionada é possível imaginar o custo jurídico e a confusão de decisões judicias que são enfrentadas para tocar a obra. Assim como no caso da transposição do São Francisco, creio que não foi por falta de dinheiro que a ferrovia Norte-Sul não foi terminada.

Como foi possível fazer a Copa? Provavelmente o leitor lembra dos receios a respeito das obras essenciais para a Copa, inclusive alguns estádios, não ficarem prontas em tempo hábil. É bem verdade que muitas das obras prometidas, algumas que importantes para o evento, não ficaram prontas, mas as obras essenciais foram entregues no tempo. Teve Copa e não fosse o desempenho vexatório da seleção brasileira teria sido uma festa para recordar por muito tempo, cara demais para nossas possibilidades, é verdade, mas bonita. Teriam sido os receios infundados? A matéria da Veja projetando que nem mesmo os estádios ficariam prontos estava desprovida de fundamentos? Há diga que sim, mas não é o meu caso. O fato é que foi necessário mudar a lei de licitação e criar o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (Lei 12.462, link aqui), também conhecido como RDC. É bem verdade que o Sindicato da Arquitetura e Engenharia e o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil argumentam que o RDC não agilizou as obras da Copa (link aqui), mas vários gestores ligados aos projetos da Copa disseram o contrário, inclusive alguns com quem conversei. Creio que ainda veremos debates a respeito do RCD ter o u não ter sido uma boa opção, mas o fato de o governo ter sentido a necessidade de mudar a lei de licitação para conseguir viabilizar obras importantes para Copa sugere que quando pressionado por um prazo fatal o governo percebeu que menos do que a falta de recursos eram as complicações legais que podiam comprometer a realização da Copa.

A lista de exemplos de obras que não terminam poderia ser bem maior: Belo Monte, Estação Morumbi da Linha 4-Amarela do metrô de São Paulo, duplicação da BR-101 em Pernambuco, Arco Metropolitano do Rio, Transnordestina e etc. Dificuldades comuns a todas as grandes obras iniciadas e não terminadas nas últimas décadas incluem projetos mal feitos, corrupção, ações na justiça em relação a competência de quem autorizou a obra ou relativas a questões ambientais e indígenas, erros graves de execução, profusão de decisões envolvendo agências reguladoras, estados e municípios bem como as diversas procuradorias, licitações mal feitas e orçamentos iniciais inconsistente com o custo da obra. Problemas relacionados a falta de recursos são raros, talvez inexistentes.

Se o leitor ficou sensibilizado com meu argumento que não é por falta de recursos que não conseguimos realizar grandes projetos espero que o leitor, assim como eu, questione onde o novo plano de concessões trata do assunto. Modelos de concessão, planos de financiamento e fontes de recursos são questões importantes, não nego, mas sem resolver os problemas que nos levaram aos fracassos anteriores não creio que uma nova rodada de concessões terá sucesso em resolver nossos problemas. Os chineses possuem recursos suficientes para construir ferrovias que cortem o Brasil e cheguem no pacífico, é difícil não concordar que tal ferrovia tem valor econômico, mas também é difícil imaginar tal ferrovia pronta nos próximos anos, talvez na próxima década. É muito provável que o emaranhado de leis estaduais, normas de diversas agências federais e estaduais, alvarás que demoram anos para ser emitidos e ações promovidas por grupos de interesse locais acabem por espantar os investidores chineses e o caminho para o pacífico seja feito por outro lugar.

Naturalmente não estou sugerindo que abramos mão do combate a corrupção, da autonomia dos estados, da proteção ambiental ou que desrespeitemos os direitos de populações indígenas. Longe disso, mas é preciso pensar um sistema de leis que garanta as importantes questões listadas, mas que não transformem grandes investimento em um empreendimento quase impossível. É preciso encontrar formas ágeis de arbitrar interesses dos estados ou de averiguar impactos ambientais. Um regime jurídico que permite que uma obra seja construída e após a construção proíbe que a obra seja utilizada tem problemas sérios. Na minha avaliação sem resolver tais questões nossos problemas de infraestrutura e investimento em geral não serão resolvidos, pelo menos não com a eficiência necessária.




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