terça-feira, 9 de agosto de 2022

O preço dos alimentos subiu em julho, mas a variação do IPCA foi negativa.

Este mês o IPCA teve variação negativa, a turma das redes sociais já saiu para festa ou ataque de acordo com as cores políticas de cada um. De um lado parecem esquecer que a queda no IPCA foi por conta de uma intervenção para lá de polêmica da União nos impostos cobrados pelos estados. O custo da intervenção pode cair no colo da União mais cedo do que se pensava agravando o problema fiscal. A última vez que vi quatro estados (Alagoas, Maranhão, São Paulo e Piauí) já tinham conseguido liminares do STF para suspender pagamentos da dívida com a União por conta das perdas com a redução do ICMS. Do outro lado, há quem fale dos perigos da deflação e coisas do tipo. Não apenas esses perigos, se é que existem mesmo, podem ser bem menores do que apregoam alguns caros colegas de profissão como o que aconteceu um julho está longe de ser um episódio típico de deflação.

Uma olhada nos grupos que forma o IPCA ajuda a entender o que está acontecendo. A figura abaixo mostra cada um dos nove grupos ordenados do de menor para maior variação, em azul escuro está o índice geral. No grupo “Alimentação e bebidas” o crescimento foi de 1,3%, acima do crescimento de 0,8% em junho, outro grupo com crescimento maior do que 1% no mês foi o de “Despesas pessoais” que cresceu 1,13% em julho contra 0,49% em junho. Os grupos “Vestuário”, 0,58%, e “Saúde e cuidados pessoais”, 0,49%, também mostraram crescimento alto e preocupante.

 


Na outra ponta é possível ver a forte queda nos grupos “Transportes” e “Habitação”, as duas quedas estão diretamente relacionadas à marretada nos preços via corte de impostos com direito a lei obrigando postos a mostrar a variação nos preços no melhor estilo fiscais do Sarney. Uma olhada nos componentes do grupo “Habitação” deixa isso claro, itens como “Aluguel e taxas”, 0,86%, e “Condomínio”, 0,61%, tiveram altas significativas em julho, mesmo assim o grupo teve variação de -1,05% por conta da forte queda em “Combustíveis e energia” que caiu 4,26% por conta da queda de 5,78% em “Energia elétrica residencial”. Da mesma forma, a queda de 4,51% em transportes foi puxada pela queda de 14,15% em “Combustíveis (veículos)”. A análise dos grupos e subgrupos do IPCA deixa claro que a redução de preços em julho está mais relacionada à intervenção pontual do governo do que a uma redução dos desequilíbrios macroeconômicos que fizeram a inflação disparar em primeiro lugar.

São conhecidos os perigos de vender ilusão em economia. Friedman dizia que a inflação é sempre e em qualquer lugar um fenômeno monetário, Sargent mostrou que a origem desse fenômeno costuma estar em desequilíbrios fiscais. Redução de impostos, ainda que bem-vindas, não resolvem nem o problema monetário nem o fiscal. Na pior das hipóteses o corte de impostos agrava o problema fiscal nos fazendo trocar um imposto muito ruim, ICMS sobre combustíveis, pelo pior de todos os impostos que é a inflação. Na melhor das hipóteses o BC consegue controlar a inflação, mas ao custo de taxas de juros ainda maiores do que as que prevaleceriam em uma situação de melhor equilíbrio fiscal.

De toda forma, se o governo está convencido que inflação é doença dos preços e não da moeda, sugiro uma medida para limitar impostos sobre a melancia. Vocês acreditam que o preço da danada subiu 31,26% em julho? Só podia ser vermelha por dentro...

sábado, 30 de julho de 2022

Outro post sobre a dívida pública no Brasil e em países emergentes

 No passado fiz vários posts comparando a dívida pública como proporção do PIB no Brasil com a mesma proporção observada em outros países emergentes. A intenção dos posts era colocar água no chopp de quem estava comemorando algum indicador como sinal de que não tínhamos um problema fiscal, sim, sou chato e nunca neguei. De uns tempos para cá vejo que está ganhando força aquela perigosa sensação de que o lado fiscal está deixando de ser um problema, não está, e para colocar água no chopp de quem está comemorando voltei com um post comparando a dívida pública do Brasil com a de outros países emergentes.

Começo com a versão atualizada de um gráfico que consta em outros posts em várias apresentações que fiz para mostrar que a dívida pública do Brasil é alta quando comparada a de países emergentes. A figura abaixo mostra o PIB per capita (corrigido por PPC) a dívida pública como proporção do PIB em países emergentes da Europa, emergentes da Ásia, da Comunidade Estados Independentes e da América Latina em Caribe. Estão listados 44 países, foram excluídos os países com menos de cinco milhões de habitantes e, por óbvio, os que não tinham dados disponíveis.

 


Dos 44 países apenas no Sri Lanka e no Laos a dívida pública é maior como proporção do PIB do que no Brasil. Em 2021 a média das dívidas como proporção do PIB nos países da amostra foi de 53,6%, a mediana foi de 50,3%, no Brasil foi de 93%. Alguém pode dizer que o grupo de comparação para o Brasil deveria ser o dos países ricos, onde a dívida pública costuma ser muito maior como proporção do PIB, não creio que seja o caso. Não somos um país, rico, nem chegamos perto, repare que nosso PIB per capita está no “meião” da turma dos emergentes.

Se nossa dívida é tão alta de onde vem a ideia de que o problema fiscal está sendo resolvido? A dívida como proporção do PIB caiu? Seria razoável observar uma queda da dívida, afinal em 2020 o PIB teve uma queda histórica e os gastos foram para o espaço por conta da pandemia. De fato, em 2020 a dívida como proporção do PIB foi maior do que em 2019 para todos os países da amostra com exceção do Haiti e do Turcomenistão, em 2021 houve queda de dívida como proporção do PIB em 20 dos 44 países da amostra. O Brasil é um dos vinte.

Essa queda talvez seja a razão da sensação que o problema fiscal está controlado, o problema é que 2020 está longe de ser um bom ano de referência. Se considerarmos a dívida como proporção do PIB em 2019, quando o atual governo reconhecia a existência de um grave problema fiscal, tão grave que motivou envio de PECs para tratar de emergência fiscal, a dívida como proporção do PIB aumentou de 87,9% para 93%. Entendo que a queda, que continua em 2022, dê uma sensação de alívio, mas é preciso lembrar que assim como a disparada em 2020, quando a dívida chegou a 98,7% do PIB, a queda atual deve ser vista no contexto da pandemia.

A figura abaixo mostra a variação da dívida como proporção do PIB e do PIB per apita (o PIB ficaria melhor, mas eu já tinha pegue o PIB per capita para a primeira figura...) entre 2019 e 2021. Apenas cinco países da amostra tiveram queda na dívida como proporção do PIB (Vietnam, Ucrânia, Haiti, Turcomenistão e Argentina), em todos os outros a dívida foi maior em relação ao PIB em 2021 do que em 2019. O Brasil fica bem no quadro, com um crescimento do PIB próximo da mediana (linha pontilhada vertical), ficamos com a sétima posição no quesito menor crescimento da dívida como proporção do PIB.

 


O problema, sempre tem um, é que a segunda melhor no ranking é a Argentina! Como pode? Um possível candidato para explicar o bom desempenho da Argentina é a inflação descontrolada por lá. Se isso for verdade a inflação de mais de 10% em 2021 pode explicar também nossa boa posição, afinal nossa inflação em 2021 foi a oitava maior na lista de 44 países.

Estabelecer causalidade em macroeconomia é tarefa de gincana, e das difíceis, não vou tentar fazer isso em um post. Apenas como curiosidade, mais para provocação, fiz uma regressão entre a variação na dívida como proporção do PIB e o logaritmo da inflação em 2021. Deu uma relação negativa e significativa, ou seja, quanto maior a inflação, menor a variação da dívida como proporção do PIB. A figura abaixo mostra a regressão.

 


Isso significa que nosso bem desempenho, no sentido de pequena variação da dívida como proporção do PIB, é por conta da inflação? Não. Como disse acima estabelecer causalidade em macroeconomia é complicado, além do mais quem chegou até aqui já deve estar cansado saber que correlação não implica causalidade. Teoricamente a inflação pode ser o motivo da pequena variação da dívida como proporção do PIB no Brasil, afinal com inflação alta é mais fácil controlar o gasto para que cresça menos do que a receita. Isso não é suficiente para estabelecer a causalidade, mas, a justificativa teórica somada a correlação da figura acima, são boas para colocar lenha na fogueira. O objetivo do post era colocar água no chopp, mas uma lenha na fogueira, ainda mais em ano eleitoral, é oportunidade que não posso deixar passar.

 

domingo, 17 de julho de 2022

Turma do "meião": queda e recuperação do PIB no Brasil em comparação com outros países.

Talvez por conta das revisões para cima nas previsões de crescimento para o Brasil em 2022, tenho reparado uma certa euforia com a recuperação da economia. Curioso com tanta animação resolvi dar uma olhada nos dados de crescimento de outros países entre o primeiro trimestre de 2019, um ano antes da pandemia, e o primeiro trimestre de 2022, o último com dados disponíveis.

Obtive as informações que precisava na base de dados da OCDE. O primeiro exercício foi pegar as taxas de crescimento para todos os países com dados disponíveis para todos os trimestres do período de interesse, fiquei com 47 países. A figura abaixo mostra o resultado, repare que o Brasil (em azul) está bem próximo da mediana (em laranja) na maioria dos períodos. Ficar próximo da mediana significa que cerca de metade dos países teve taxa de crescimento maior do que a nossa, logo na maioria dos períodos ficamos no “meião”. Não é um desastre, mas também não é motivo de festa, salvo se o Brasil quer ser personagem daquele meme do pódio.

 


Comparações com vários países são interessantes, mas não estão livres de riscos. Existem vários fatores que podem comprometer a comparação. Por exemplo, países ricos podem ter uma tendência de crescer mais do que países pobres, nesse caso um país emergente crescer a taxas semelhantes à dos países ricos pode ser um mal sinal para o país emergente. Para reduzir esses riscos, refiz o exercício comparando o Brasil com os países do BRICS e da América Latina que estavam na amostra. O resultado está na figura abaixo. Na maioria dos períodos ficamos na turma do “meião”, destaque para o segundo trimestre de 2020, o pior de todos, quando é visível que nossa queda foi bem menor do que a queda mediana, ou seja, ficamos bem na foto.

 


As taxas período a período podem não passar uma boa ideia do que aconteceu no acumulado de todo período, não é fácil perceber em um gráfico quando as taxas maiores compensaram, ou não, as taxas menores. O segundo exercício do post apresenta a taxa média de crescimento durante o período, isso resolve o problema porque essa taxa leva em conta o crescimento acumulado no período. A mediana foi um crescimento de 0,36% por trimestre, na Brasil tivemos 0,23%, ou seja, no acumulado ficamos na metade com pior desempenho. A média foi 0,47%, mas não é um bom indicador especialmente por conta do crescimento muito alto da Irlanda.

 


Para terminar o exercício acima foi refeito apenas para os países do BRICS e América Latina disponíveis na amostra. Apenas México e África do Sul tiveram um desempenho pior do que o nosso no acumulado entre o primeiro trimestre de 2019 e o primeiro trimestre de 2022. A mediana do grupo ficou em 0,58% e a média em 0,49%.

 


Os dois exercícios apontam na mesma direção: o Brasil não apresenta um crescimento maior do que o da maioria dos países, o quadro fica pior quando comparado aos países do BRICS e América Latina. O principal motivo para as revisões para cima nas previsões de crescimento, creio eu, é que a turma superestimou o efeito da elevação dos juros na atividade econômica. Se foi isso mesmo, o erro é da mesma natureza que levou a turma a não ver a inflação chegando, qual seja, usar modelos de demanda para explicar/prever uma crise associada principalmente à oferta.

domingo, 10 de julho de 2022

PIB do Brasil e da América do Sul segundo os dados do FMI e do Banco Mundial

Esta semana teimou em aparecer na minha linha do tempo um mapa da América do Sul destacando que o Brasil respondia por mais de 50% do PIB do continente. Fiquei curioso e resolvi checar quanto foi essa proporção em outros anos.

O problema começou na escolha dos países da América do Sul, segundo a Wikipédia, além dos suspeitos de sempre, constam Bouvet Island, uma ilha de 49 km2 que pertence à Noruega que me pareceu mais perto da Antártida do que da América do Sul, as Ilhas Falkland, que os Argentinos chamam de Malvinas e já deu guerra com a Inglaterra e Ilhas Geórgia do Sul e Sandwich do Sul que também são da Inglaterra. Na Britânica estão os suspeitos de sempre: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Guiana Francesa, Guiana, Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela. Como as pequenas ilhas que estão na Wikipédia pouco contribuem para o PIB do continente e não encontrei os dados de PIB delas no FMI nem no Banco Mundial fiquei com a lista da Britânica.

Outra razão para excluir as ilhas é que não são países, mas sim territórios de países europeus. A mesma razão leva a retirar a Guiana Francesa, que também não tem dados disponíveis nas bases que consultei. Até aqui tudo bem, tenho um critério consistente e que me ajudou na obtenção dos dados. Até que reparei que o Banco Mundial não tem dados de PIB para Venezuela nos últimos anos, aqui complicou porque a Venezuela (ainda) é um país e tem dados disponíveis nos primeiros anos. Para driblar o problema resolvi apresentar dados do FMI (com a Venezuela) e do Banco Mundial (sem a Venezuela).

Definidos os países da amostra, faltava definir o indicador. Para evitar brigas useis o PIB em dólares e o PIB com correção por paridade de poder de compra. A figura abaixo mostra a participação do Brasil no PIB da América do Sul, com correção por PPC, entre 1990 e 2021. Tanto nos dados do FMI quanto nos dados do Banco Mundial o valor mais alto ocorre em 1990, no século XXI o pico ocorre em 2002, também nos dados do FMI e do Banco Mundial. Nas duas séries é possível observar o efeito da crise iniciada em 2014 ainda no governo Dilma, na série do FMI o menor valor ocorre em 2017 e na série do Banco Mundial ocorre em 2021. Em nenhuma das séries é possível observar uma tendência de aumento da participação do PIB do Brasil no PIB da América do Sul, pelo contrário.



 

Como era de se esperar, a série em dólares tem mais sobe e desce, alguns dizem que é mais volátil, do que a série com correção por poder de compra. Depois da estabilização ocorre uma queda que vai até 2001, a partir daquele ano começa uma trajetória de alta. É curioso notar como a trajetória de alta da série em dólares contrasta com a trajetória em queda da série com correção por poder de compra, é provável que parte do fenômeno decorra da valorização do real no período. Depois de 2010 começa uma trajetória de queda que ganha força em 2014, a reversão começa em 2015, talvez por conta da valorização do real. Em 2019 ocorre nova queda que também é parcialmente explicada por movimento no câmbio.

 


As duas figuras mostram que não há razão para o maior país do continente ficar espantado em ter o maior PIB do continente, não há nada novo aqui. De fato, as duas séries mostram 2021 pior que 2020 e, bem mais preocupante, as séries com correção por paridade de compra mostram um declínio de longo prazo enquanto as séries em dólares mostram declínio em relação ao começo da estabilização e ao inicio da década passada.

Naturalmente toda essa discussão é meio maluca, não há como comparar o PIB do Brasil, com mais de 210 milhões de habitantes com o PIB do Uruguai, com menos de 3,5 milhões de habitantes, ou mesmo com a Argentina com cerca de 45 milhões de habitantes. A medida adequada de comparação seria o PIB per capita, mas aí é melhor deixar para outro post... este já bateu a cota de jogar água no chopp.

 

sexta-feira, 1 de julho de 2022

A PEC Kamikaze não é só ruim, é muito pior

Vejo muita gente, na verdade nem tanta, sugerindo que o problema fiscal está controlado ou algo do tipo. Da parte do governo, a crença no fim do problema fiscal parece ser grande o suficiente para lançar “pacotes de bondades” atropelando regras fiscais e eleitorais. A verdade é que o crescimento da inflação costuma gerar alívio fiscal, o aumento de preços chega nas receitas do governo antes de chegar nas despesas, mas esse alívio é ilusório.

Uma maneira de olhar o esforço de ajuste fiscal é pelo comportamento da despesa. Isso porque o aumento de despesas hoje será retirado da renda de famílias e empresas para pagar a conta. Essa retirada pode ser na forma de mais impostos, mais dívida ou mais inflação. Em qualquer dos casos, pagadores de impostos, presentes ou futuros, vão pagar a conta. 

A figura abaixo mostra o comportamento da despesa total do governo central desde 2017 quando começou a valer o Teto de Gastos. Repare que há uma estabilidade até o final de 2019 quando ocorre um salto. Esse aumento está relacionado a capitalização de estatais e da cessão onerosa (as explicações estão aqui), em março de 2020 as ações do governo para amenizar os impactos econômicos da pandemia mandam a despesa para o espaço. Com o fim dessas políticas a despesa começa a cair, mas não volta ao patamar anterior e, mais preocupante, parece começar uma tendência de crescimento.



A próxima figura reforça o ponto da anterior destacando a despesa em maio de cada ano. Em maio de 2020 a despesa foi de R$ 218 bilhões, em maio de 2021 ficou na casa de R$ 150 bilhões, menor do que em 2020, mas maior do que a observada entre 2017 e 2019. Em maio de 2022 a despesa ficou em R$ 161 bilhões, maior do que em 2021.



Aumentos pontuais de despesa podem ser resolvidos sem causar maiores estragos na economia, o mesmo não pode ser dito de aumentos permanente e, mais grave, de tendências de crescimento da despesa. A medida aprovada no Senado ontem, não por acaso chamada de PEC Kamikaze, é um forte indício que voltaremos a trajetória de gastos crescentes. É grave, mas não tão grave como voltarmos a uma época em que não tínhamos regras fiscais capazes de limitar a ação de governantes em busca de se perpetuar no poder. Temos sombrios...


quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

Conta Nacionais o terceiro trimestre de 2021: estagnação com inflação.

O IBGE divulgou as contas nacionais referentes ao terceiro trimestre de 2021 (link aqui). A recuperação da queda causada pela Coviv-19 no primeiro semestre de 2019 continua perdendo fôlego. Em relação ao trimestre anterior o PIB teve uma queda de 0,1%, o resultado traz dúvidas pertinentes a respeito do desempenho da economia.

O índice de PIB com ajuste sazonal chegou a 171,8 no primeiro trimestre de 2021 contra 171,3 no quarto trimestre de 2019 o que caracterizou a recuperação em “V”, porém nos trimestres seguintes houve queda, 171,2 no segundo e 171,2 no terceiro trimestre deste ano. A dinâmica da economia brasileira fica cada vez mais parecida com a esperada após um choque negativo de oferta, queda do PIB e aumento no nível de preços. Nesse caso as políticas de expansão da :demanda, especialmente no caso da política monetária, são pouco úteis para estimular a economia, porém são fatais para o controle da inflação.

A figura abaixo mostra o crescimento da economia desde 1996, as barras mostram o crescimento em relação ao trimestre anterior (com ajuste sazonal) e a linha mostra o crescimento acumulado em quatro trimestres. No acumulado houve um crescimento de 3,9%, o número reflete o forte crescimento do final de 2020.que refletia a recuperação da grande queda do primeiro semestre e não mudanças estruturais da economia brasileira.


Como é tradição no blog a análise será feita pelo lado da produção. A análise da despesa, preferida por vários colegas de profissão, é interessante para entender como foi a distribuição do PIB. A figura abaixo mostra o crescimento dos grandes setores da economia. No acumulado de quatro trimestres a agropecuária, que no terceiro trimestre de 2021 respondeu por6,6% do valor agregado e 5,6% do PIB, cresceu 0,2%; o setor de serviços, 69,2%% do valor agregado e 58,8% do PIB, cresceu 3,3%; finalmente, a indústria, que responde por 24,2% do valor agregado e 20,6% do PIB, cresceu 5,1%. Na comparação com o trimestre anterior a agropecuária teve queda de 8,0%, a indústria ficou estagnada e nos serviços o crescimento foi de 1,1%. A forte queda da agropecuária, relacionada à crise hídrica, é o destaque no comportamento do PIB, porém a estagnação da indústria, após queda no segundo trimestre, reforça a tese de perda de folego da recuperação da economia.

 

Analisando a desempenho de setores da indústria é possível perceber que no acumulado de quatro trimestres a construção cresceu 5,6% e a indústria de transformação cresceu 5,1%, esses números devem ter lido tendo em mente a recuperação do final de 2020. A indústria extrativa cresceu 0,2%. Na comparação com o trimestre anterior a construção cresceu 3,9%, a indústria teve queda de 0,4% e a indústria de transformação teve queda de 1%. No terceiro trimestre de 2021 a indústria extrativa correspondeu a 26,6% da indústria total, a construção por 10,8% e a de transformação por 51,5%. Não fosse o grande crescimento da construção o setor de indústria também teria tido queda, isso é preocupante porque o crescimento da construção pode estar associado a distorções como os juros (que ainda estã0) baixos e ações de bancos estatais. 


Nos serviços o destaque foi da “Informação e comunicação“, cresceu 9,6% no acumulado de quatro trimestres, “Transporte, armazenagem e correio”, 8%, e “Comércio”, 7,1%. Administração, defesa, saúde e educação públicas e seguridade social teve crescimento de 0,07%. A figura abaixo mostra o crescimento no setor de serviços. Na comparação com o trimestre anterior todos os setores que compõem os serviços apresentaram crescimento. A recuperação do setor de serviços é particularmente importante para a redução do desemprego. 


Por fim, passemos a análise pelo lado da demanda, ou seja, como foi distribuída a produção do país. O investimento, a parte do produto destinada a criar mais produto no futuro, cresceu 20,2% no acumulado em quatro trimestres. Na comparação com o trimestre anterior o investimento caiu 0,1%. O forte crescimento no acumulado de quatro trimestres e a queda na comparação com o trimestre anterior é mais um sinal de que a recuperação teve pernas curtas e está mais associada à queda de primeiro semestre de 2020 do que a mudanças estruturais.

No acumulado de quatro trimestres o consumo das famílias cresceu 2,1% e o consumo do governo, não confundir com o gasto do governo, cresceu 0,4%. As exportações cresceram3,8% e as importações 10,3%. Na comparação com o trimestre anterior o consumo das famílias cresceu 0,9%l, o consumo do governo cresceu 0,8%, as exportações e as importações caíram 9,8% e 8,3%, respectivamente.


Os números das contas nacionais mostram que a pandemia do coronavírus interrompeu o processo de lenta recuperação que vínhamos seguindo desde 2017, mas que ocorreu uma boa recuperação em relação a queda causada pela pandemia. Os números do segundo e do terceiro trimestre de 2021 sugerem que acabou o fôlego da recuperação e que estamos entrando em uma dinâmica de estagnação ou coisa pior.

Nos últimos posts sobre contas nacionais registrei os riscos da inflação, o que era risco agora é fato com a expectativa da inflação medida pelo IPCA acima de 10% para este ano. A dinâmica de um choque de oferta é muito diferente da dinâmica de uma crise associada à retração da demanda agregada. A queda do produto deixa de ser vista como um aumento do hiato entre produto observado e produto potencial, que teoricamente pode ser resolvido com estímulos à demanda, e passa a ser lida como uma queda do produto potencial, pelo menos no curto prazo. Mais adequado seria entender que o produto é condicionado ao choque de oferta, de forma que um choque negativo reduz o produto sem que isso signifique um crescimento do hiato.

A devida compreensão da natureza do choque é fundamental para evitar a insistência em políticas de expansão da demanda que só levam à aceleração da inflação. Dado que o controle da política fiscal é muito difícil pela fragilidade política do governo (estou sendo generoso ao supor que o governo deseja um ajuste fiscal) e proximidade do ano eleitoral resta ao BC acionar o freio antes que seja tarde demais.

  

terça-feira, 12 de outubro de 2021

Inflação no Brasil e nos países do G20

Resolvi dar outra olhada na inflação pelo mundo, os dados estão no Trading Economics (link aqui). Na grande maioria dos países a inflação acumulada em 12 meses está abaixo de 10%. Nas Américas, apenas Venezuela, 2.720%, Suriname, 59,8%, Argentina, 51,4%, Haiti, 12,2%, e Brasil, 10,25%, estão com inflação acima de 10% no acumulado de 12 meses. No México a inflação acumulada em 12 meses é de 6%, na Colômbia, aqui do lado, é de 4,51%, no Chile está em 5,3%. Não vou falar da Bolívia com 0,18%, até agosto, e do Equador com 1,07% para não me acusarem de chutar na canela.

A figura abaixo mostra a inflação acumulada em 12 meses nos países do G20. A maioria dos dados são referentes a setembro de 21, alguns outros são de agosto e apenas a Austrália é junho. Apenas Argentina, Turquia e Brasil estão com inflação acima de 10%.


 A inflação no Brasil já passou de 10% no acumulado de 12 meses outras vezes. O pior caso desde a estabilização foi de 17,3% em maio de 2003, o mais recente foi 10,4% em fevereiro de 2016. Nas duas vezes o Banco Central retomou o controle e a inflação voltou para o intervalo da meta, da última vez voltou bem rápido. É verdade que nos dois casos uma mudança de governo deu “vida nova” ao BC e isso pode ter facilitado a controle da inflação. Nada indica que vamos ter mudança de governo nos próximos meses e esperar até uma possível mudança em 2023 pode ser uma espera muito longa.

A boa notícia é que o atual BC parece ainda ter a confiança do mercado e tem gente de qualidade para correr atrás do prejuízo. A má notícia é que as eleições no próximo ano podem aumentar a pressão para aliviar o ajuste dos juros. Talvez seja a hora de descobrir se a autonomia do Banco Central vai dizer a que veio. Um perigo que me deixa particularmente preocupado é alguém sacar a obrigação de perseguir o pleno emprego, cavalo de Tróia na lei da autonomia do BC, para tentar intimidar o Copom.