Basta ligar a TV no horário de algum jornal para termos notícia do aumento dos preços nos supermercados pelo Brasil, ainda assim a inflação acumulada no ano medida pelo IPCA está em menos de 1%, para ser preciso em 0,7%. Se “tudo” fica mais caro como pode a inflação estar tão baixa? Isso acontece porque a inflação é uma média de preços e, por incrível que pareça, nem tudo está ficando mais caro.
Essa é uma questão que aparece todo ano, mas neste ano
ganhou mais força por conta da pandemia. Com as medidas de isolamento o padrão
de consumo mudou de forma que estamos consumindo mais alimentos, grupo com
grande aumento de preços, e menos transportes, grupo com queda de preços, o
resultado é que a inflação do que realmente consumimos fica maior do que a
inflação captada pelo IPCA. O fenômeno acontece em outros países, Alberto
Cavallo, da Harvard Business School, avaliou as mudanças no consumo em vários países
e constatou que, via de regra, a inflação do que consumimos na pandemia é maior
do que a inflação medida com cestas de consumo tradicional (link aqui).
Se detalharmos o IPCA fica mais fácil entender o fenômeno. Para
calcular a variação dos preços o IPCA considera nove grupos: Alimentação e
bebidas (peso 20,05); Habitação (peso 15,64), Artigos de residência (peso
3,74); Vestuário (peso 4,45); Transportes (peso 19,64); Saúde e cuidados
pessoais (peso 13,62); Despesas pessoais (peso 10,70); Educação (peso 6,39) e Comunicação
(peso 5,8). O peso de cada grupo representa o quanto os bens e serviços do grupo
pesam no orçamento de uma família média de acordo com o público alvo do índice
que são famílias com renda de um a quarenta salários mínimos que vivem nas
regiões metropolitanas selecionadas. A figura abaixo mostra a variação dos
preços de cada grupo no acumulado do ano.
Em 2020 os preços do grupo Alimentação e bebidas aumentou 4,91%, é muito, para comparação a meta de inflação para todo o ano de 2020 é de 4%. Por outro lado, o grupo de transportes teve queda de 3,46% no acumulado do ano, ou seja, está mais caro comer e está mais barato sair de casa. Ocorre que continuamos comendo e estamos saindo bem menos de casa, por isso o aumento de preços percebido, alguém pode dizer relevante, é maior que o medido pelos índices de preços aos consumidores como é o caso de IPCA.
Para ilustrar melhor o fenômeno a figura abaixo mostra o aumento
de preços acumulado no ano para cada subgrupo do IPCA. O maior aumento ocorreu
em Joias e bijuterias que é um subgrupo com peso baixo, apenas 0.21, no
orçamento, a maior queda ocorre em Móveis e utensílios que tem peso 1,70 no orçamento.
Se consideramos os subgrupos mais relevantes o que tem mais impacto é Transportes
(peso de 19,64) que teve queda de preços de 3,46% em 2020, o que puxa o IPCA
bem para baixo. Por outro lado, o subgrupo com segundo maior peso é Alimentação
no domicílio (peso 14,07) com aumento de 6,10% no acumulado do ano. É esse
aumento preços que sentimos nos supermercados.
Desagregar mais do que subgrupos talvez atrapalhe mais do
que ajude no ponto desse post, os interessados podem checar os dados do IPCA do
IBGE para os 51 itens e 377 subitens do IPCA. Aqui vou abrir os itens do grupo “Alimentação
e bebidas” e os subitens do grupo “Transporte”. A escolha dos grupos foi por ocuparem
os extremos, maior aumento e maior queda de preços. A razão de um ser avaliado
por itens e outro por subitens é que o primeiro tem 17 itens e 168 subitens
enquanto o segundo tem 3 itens e 28 subitens.
No grupo Alimentação e bebidas o maior aumento de preços no
acumulado do foi de 20,77% ocorreu no item “Tubérculos, raízes e legumes”,
seguido por 18,87% no item “Cereais, leguminosas e oleaginosas” e 13,86% no item
“Frutas”. O único item do grupo com queda de preços no acumulado do ano foi “Carnes”
com queda de 1,89%, desta forma se o leitor for vegetariano o aumento de preços
está ainda pior do que para quem como carne. A figura abaixo ilustra esses
dados. Só para atiçar a curiosidade do leitor informo que o subitem com maior
aumento de preços no ano foi “Manga”, crescimento de 61,63%, a maior queda foi
no subitem “Abacate”, 22,49%, seguido por “Filé-mignon” com queda de 18,44%, a
turma do churrasco talvez queria saber que a “Alcatra” e “Contrafilé” tiveram
queda de 12,31% e 8,31%, respectivamente, no acumulado do ano.
No caso do grupo “Transportes” dos itens tiveram queda de
preço e um teve aumento no acumulado do ano. As quedas ocorreram em “Transporte
público”, 12,57%, e “Combustíveis (veículos)”, 6,61%, enquanto o aumento ocorreu
em “Veículo próprio” e foi de 0,96%. Como o grupo não tem muitos subitens deu
para listar a variação de preços acumulada no ano para cada um dos subitens, o
resultado está na figura abaixo. A grande queda de preços, 57,86%, ocorreu no
subitem “Passagem aérea” seguida pela queda de 23,89% em “Transporte por
aplicativo”. Também tiveram quedas de preços o etanol, os seguros voluntários
de veículos, o óleo diesel, o aluguel de veículos, os ônibus interestaduais, a
gasolina, o gás veicular e os automóveis usados. Os preços dos pneus aumentaram
5,5% no acumulado do ano, até aí sem grandes problemas, mas os aumentos de
preços no metrô, 4,74%, transporte escolar, 4,13%, e ônibus intermunicipais,
3,14%, podem ter mais impacto nos bolsos de várias famílias.
Como o leitor pôde observar os preços dos diversos bens e
serviços que compõem o IPCA tiveram comportamentos distintos neste ano, até
aqui nada demais, o que parece ter causando confusão é a mudança de cesta de consumo
por conta da pandemia que não está sendo devidamente considerada nos pesos do
IPCA. Outra preocupação legítima é se o aumento de preços em alguns grupos vai acabar
chegando nos outros grupos. É normal que os diferentes preços tenham comportamentos
distintos, ainda mais diante de um choque tão forte quando a pandemia de
Covid-19. Destes movimentos que aparecem as variações nos preços relativos que
guiam o mercado. Se a política monetária for bem conduzida a história acaba
aqui sem maiores consequências, do contrário pode ocorrer uma corrida de preços
que alimenta um processo inflacionário. A disparada dos preços no atacado (ver
aqui), que não entram em índices de preços aos consumidores como o IPCA, pode
ser muito mais perigosa para acionar um processo inflacionário do que a forte subida
nos preços dos alimentos, mas nada que uma boa política monetária não possa
resolver. A bola está com Roberto Campos e a turma do Banco Central, alô rapaziada,
prestem atenção que o jogo é sério e a tal capacidade ociosa sozinha não vai
dar conta de garantir o resultado.
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