Uma crítica comum ao processo de abertura á que isso é coisa de neoliberal entreguista e que todos os países do mundo protegem suas empresas de forma que não há razão para não fazermos o mesmo. Com isso em mente resolvi dar uma olhada nos dados de tarifas aplicadas à importação de manufaturados que estão disponíveis no Banco Mundial. Comecei olhando para América Latina e Caribe, como de costume trabalhei com valores médios de cinco anos (2014 a 2018) e países com mais de cinco milhões de habitantes.
É isso mesmo, temos a maior tarifa média do grupo. Argentina,
Venezuela. Bolívia e mesmo Cuba praticam tarifas menores do que as nossas. Será
que alguém dizer que os irmãos Castro e o bolivarianismo são regimes
ultraliberais e entreguistas ou que nossas empresas enfrentam agruras maiores
que as enfrentadas por empresas argentinas ou bolivianas? Se considerarmos a
média ponderada no lugar da média simples, como na figura abaixo, apenas a
Venezuela tem tarifa média maior que a nossa. Em outro post (link aqui) mostrei
que o Peru foi o país da América Latina com maior crescimento no século XXI, talvez
não seja por acaso que o Peru seja o país da região com menor tarifa média
aplicada a produtos manufaturados.
Fiquei inconformado com a ideia de que, com exceção da Venezuela
a depender da medida utilizada, somos o país com maior tarifa média da América
Latina e Caribe. Os países da américa-latina são todos neoliberais entreguistas?
Até Cuba? Até Morales? Resolvi então olhar outro grupo em que o Brasil se
encontra: os países de renda média-alta segundo o Banco Mundial. Esses países
certamente sabem proteger as indústrias que lá produzem. A figura abaixo mostra
o resultado para média simples.
De novo ficamos com a maior tarifa média! Não pode, isso só
prova que a média simples não é uma boa medida. A figura abaixo mostra a tarifa
calculada com médias ponderadas, novamente só a Venezuela na nossa frente.
Seria Maduro o único governante que sabe a importância de proteger a indústria
local?
Não me dei por vencido. O leste da Ásia é a região que
cresce e atrai novas indústrias, logo aqueles países devem ser uma boa
referência. A figura abaixo mostra a tarifa média no Brasil e nos países do
Leste da Ásia e do Pacífico.
Mais uma vez ficamos em primeiro! Sem países exemplares como
Argentina, Venezuela e Bolívia ficamos sozinhos na lista de países com tarifas
médias acima de 10%. Outra vez desconfiei do uso de médias simples e joguei minhas
esperanças nas médias ponderadas. Como pode ser visto na figura abaixo, no
critério de médias ponderadas também estamos na frente dos países do Leste da
Ásia e do Pacífico. Seria também essa região um antro de governo neoliberais e
entreguistas?
Quase sem ânimo algum e pronto para reconhecer resolvi olhar
para todos os países com dados disponíveis e mais de cinco milhões de
habitantes. Com o critério de média simples encontrei apenas três países com
tarifa maior que a do Brasil: Camarões, Etiópia e Chade. Pensei em fazer alguma
referência àqueles memes com “chad” da internet, achei melhor deixar quieto e
dar uma conferida no critério de média ponderada. Finalmente! Foi a primeira
lista que o Brasil não estava em primeiro ou segundo lugar, como é complicado
fazer figuras com cerca de cem países ou regiões vou listar os doze países onde
a tarifa média ponderada aplicada a produtos manufaturados é maior do que a
nossa: Chade, Camarões, Etiópia, Nepal, Bangladesh, Paquistão, Benim,
Venezuela, Togo, Senegal, Quênia e a República Democrática do Congo.
O leitor pode estar pensando que abusei da ironia nesse
post, talvez eu tenha mesmo, mas foi uma forma de tentar chamar atenção para a
necessidade urgente de discutirmos a abertura da economia e o quão fora da
realidade é o discurso que as empresas instaladas no Brasil não resistirão a
tarifas mais baixas. Temos nossos problemas, é fato, mas outros países também
têm os seus e punem menos seus residentes com tarifas para dificultar a compra
de produtos mais baratos e/ou de melhor qualidade produzidos no exterior.
Em tempos de reformas e combates a privilégios, pelo menos
nos discursos oficiais, é mais do que necessário discutir o fim do privilégio
de não enfrentar a concorrência de produtos vindos de outros países. Não faz sentido
manter mais de duzentas milhões de pessoas reféns de empresas que alegam não
conseguir sobreviver com alíquotas semelhantes as aplicadas na Colômbia, no México
ou mesmo em Cuba.
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