O IBGE divulgou as contas nacionais referentes ao segundo trimestre de 2020 (link aqui). Como esperado, os efeitos da Covid-19 na economia aparecem de forma clara nos números do PIB. Não apenas na queda de 9,7% do PIB em relação ao trimestre anterior, a maior queda da série iniciada em 1996, como na revisão dos dados do primeiro trimestre que mostraram que a queda do PIB daquele trimestre em relação ao anterior foi de 2,5% e não de 1,5%. Para o leitor ter uma ideia do tamanho do estrago causado pela Covid-19, a maior queda registrada na série era de 3,8% ocorrida no quarto trimestre de 2008 por conta da crise financeira. No ranking das quedas a pandemia tem o primeiro lugar, 9,7% neste trimestre, e o terceiro lugar, 2,5% no primeiro trimestre deste ano.
O impacto da pandemia torna difícil, talvez impossível,
analisar os dados do segundo trimestre na perspectiva da dinâmica de crise e recuperação
que costumo usar nos posts sobre contas nacionais. O máximo que pode ser feito
é mostrar o tamanho da crise, avaliar como os diferentes setores da economia foram
afetados e como o tombo do PIB foi distribuído entre os componentes na despesa,
especialmente consumo das famílias, consumo do governo e investimento.
A figura abaixo mostra o crescimento da economia desde 1996, as
barras mostram o crescimento em relação ao trimestre anterior (com ajuste
sazonal) e a linha mostra o crescimento acumulado em quatro trimestres. No
acumulado houve uma queda 0,9%, mas a última barra dá uma noção relativa do
tamanho da queda de 9,7% no segundo trimestre. É fácil observar na figura como a
queda de 9,7% destoa do resto da série, mesmo que a economia volte a crescer
nos próximos trimestres será necessário algum tempo para termos ideia do
tamanho do impacto da crise causada pela pandemia na economia como um todo.
Quem acompanha o blog sabe que faço a discussão pelo lado da
produção, a análise da despesa, preferida por vários colegas de profissão, é
interessante para entender como foi a distribuição do PIB. É certo que é
importante saber essa divisão, na parte final do post trato do assunto, mas,
creio eu, faz mais sentido começar analisando de onde veio o que foi produzido.
A
figura abaixo mostra o crescimento dos grandes setores da economia. No
acumulado de quatro trimestres a agropecuária, que no segundo trimestre de 2020
respondeu por 8,5% do valor agregado e 7,6% do PIB, cresceu 1,5%; o setor
de serviços, 72,1% do valor agregado e 64,4%
do PIB, teve uma queda de 2,2%; finalmente, a indústria, que responde por 19,5%
do valor agregado e 17,4% do PIB, teve uma queda de 2,6%. As características
específicas da agropecuária fizeram com o que setor “escapasse” da pancada que
a epidemia deu na economia. Na comparação com o trimestre anterior a
agropecuária cresceu 0,4%, a indústria teve uma queda de 12,3% e nos serviços a
queda foi 9,7%.
No acumulado de quatro trimestres a construção teve
queda de 1,6%. Na indústria de transformação a queda foi de 5%. Ao contrário de
outros períodos onde a queda na indústria de transformação podia ser vista como
parte da arrumação de casa após a sequência de investimentos questionáveis, para
dizer o mínimo, da primeira metade da década., esta queda reflete o impacto brutal
da pandemia no setor A indústria extrativa teve crescimento de 4,7%. Na
comparação com o trimestre anterior a construção teve queda de 5,7%, a
indústria extrativa teve queda de 1,1% e na indústria de transformação a queda
foi de 17,5%.
Nos serviços o maior crescimento novamente ficou por conta do
setor de atividades financeiras, de seguros e serviços relacionados que cresceu
2,5% no acumulado de quatro trimestres. Também foi registrado crescimento de
1,8% no setor de informação e comunicação e de 1,6% nas atividades imobiliárias.
Administração, defesa, saúde e educação públicas e seguridade social teve queda
de 2,3%. A figura abaixo mostra o crescimento no setor de serviços. Na
comparação com o trimestre anterior apenas e atividades financeiras, de seguros
e serviços relacionados e atividades imobiliárias tiveram crescimento de 0,8% e
0,5%, respectivamente.
Por fim, passemos a análise pelo
lado da demanda, ou seja, como foi distribuída a produção do país. O investimento,
a parte do produto destinada a criar mais produto no futuro, teve queda de 2,1%
no acumulado em quatro trimestres. Em tempos normais isso seria preocupante,
pois sugeriria redução da capacidade de produção nos próximos períodos e pouca
confiança no futuro da economia, em tempos de pandemia o resultado pode ser
visto como um adiamento do investimento para o pós-pandemia.
O consumo das famílias caiu 2,5% e
o consumo do governo caiu 2,4%, ou seja, a fatia do bolo que vai para as
famílias caiu pouco mais do que a fatia que vai para o governo, cabe lembrar que
parte do consumo do governo se dá para ofertar bens públicos às famílias.. As
exportações caíram 2,8% e as importações caíram 1,8%. Na comparação com o
trimestre anterior o investimento caiu 15,4%, o consumo das famílias caiu 12,5%,
o consumo do governo caiu 8,8%, as exportações subiram 1,8% e as importações caíram
13,2%.
Os números das contas nacionais mostram que a pandemia do coronavírus
interrompeu o processo de lenta recuperação que vínhamos seguindo desde 2017.
Se essa interrupção será temporária ou se é o começo de uma nova crise mais
duradoura só o tempo vai nos mostrar. Se o governo conseguir manter o
compromisso com as reformas e com o esforço de ajuste fiscal, ainda mais
difícil por conta dos gastos para enfrentar a pandemia, voltaremos ao cenário
de 2019 com a recuperação lenta e segura, e possível um pico de crescimento em
2021 por conta da recuperação do choque de 2020, mas nada de muito impressionante.
Se o governo partir para políticas de estímulos turbinadas por planos como o
Pró-Brasil, Casa Verde e Amarela e uso de estatais podemos até ter bons números
para o PIB em 2021, mas começaremos outra caminha em direção ao abismo. Caminhada
que será ainda mais dolorosa se o governo abandonar de vez o compromisso com o
lado fiscal seja por conta de demandas corporativas como os aumentos e benesses
para militares ou em razão de programas interessantes como o Renda Brasil. A
sorte está lançada.
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