Quando pensamos em países pobres que estão tentando crescer é
comum lembrarmos dos países da Ásia, excluídos países avançados como Japão e Coreia
do Sul tais países são, em média, mais pobres que o Brasil e a média da América
Latina e Caribe. Ocorre que tais países estão crescendo mais rápido que nós e,
mantendo esse ritmo, em breve poderão repetir o feito da Coreia do Sul e os
outros “Tigres Asiáticos” nos deixando para trás. Seria mais uma confirmação da
tese dos economistas Harold Cole, Lee Ohanian, Alvaro Riascos e James Schmitz
(link aqui) que a América Latina é o caso mais difícil de explicar de fracasso
em termos de crescimento econômico? Por que mesmo usufruindo de relativa paz e
baixa intensidade de conflitos étnicos ou culturais não conseguimos crescer?
Estamos condenados a mais cem anos de solidão?
Estou entre os que acreditam que o maior problema da América
Latina é a baixa produtividade e que este fenômeno não é explicado apenas por problemas
de capital humano, não estou sozinho, os economistas que citei acima seguem
essa mesma tese. Caso tenha interesse no tema recomendo fortemente que leiam o
texto no link. Mas, como falo sempre de produtividade e tem gente que não gosta
muito do assunto vou destacar outras diferenças entre os países da América
Latina e do Caribe e os países emergentes da Ásia. Nesse post vou caracterizar
a aproximação na renda dos dois grupos de países e tratar da poupança e
investimento, em posts futuros farei outras comparações.
Os dados utilizados são do FMI (link aqui), selecionei as
variáveis já agregadas por grupos de países. Para uma lista dos países de cada
grupo ver aqui, vale registrar que na lista dos países asiáticos não estão
países considerados avançados como Japão, Coreia do Sul e Singapura. A figura
abaixo mostra o PIB per capita, corrigido por paridade do poder de compra, dos
países da América Latina e Caribe e dos países emergentes da Ásia, repare que
ainda somos mais ricos, mas a diferença está diminuindo.
Caso a aproximação da renda não tenha ficado visível a
figura abaixo mostra o PIB per capita dos países emergentes da Ásia como
proporção do PIB per capita dos países da América Latina. É fácil ver que tal proporção
cresce com o tempo. Em 1980, primeiro ano da amostra, os países emergentes da
Ásia tinham um PIB per capita que era aproximadamente 12% do PIB per capita dos
países da América Latina e Caribe, e, 1990 essa proporção tinha subido para
21%, em 2000 já era de 31% e em 2016, último ano da amostra, chegou a 70%. Se esta
proporção continuar subindo assim nossos netos, ou mesmo nossos filhos, vão
olhar para o Vietnã como hoje olhamos para Coreia do Sul, uma mistura de
admiração e inconformismo de porque não fizemos o mesmo.
Para quem gosta de taxas de crescimento a figura abaixo
mostra o que aconteceu em cada grupo de países entre 1980 e 2016. Repare que em
praticamente todos os anos do período analisado os países emergentes da Ásia
cresceram mais que os países da América Latina e Caribe. Não é período homogêneo,
aqui no Brasil durante este tempo tivemos o final do regime militar, a transição
democrática de Sarney, a crise política de Collor, o período reformista de FHC
e Lula, a guinada desenvolvimentista no segundo mandato de Lula, o governo
Dilma e a crise política de Dilma e Temer. Outros países do continente também
passaram por mudanças do tipo, alternando governos autoritários, reformistas e
populistas. Tivemos a crise da década de 1980, o boom das commodities e o
colapso dos regimes populistas. Porém, em todos estes períodos, não conseguimos
crescer consistentemente mais do que os países emergentes da Ásia. Qual o nosso
problema? Quais as virtudes deles?
Comecemos pelo suspeito usual. A figura abaixo mostra a taxa
de investimento nos dois grupos de países. Notem como a taxa de investimento subiu
nos países emergentes da Ásia e comparem com a trajetória de nossa taxa de
investimento. Enquanto eles saem de um patamar próximo a 30% e vão para um
nível próximo a 40%, nós ficamos estagnados em torno de 20%. Investir mais
significa mais capacidade de produção e, talvez mais importante, incorporar
novas tecnologias ao processo produtivo, claro, desde que o investimento seja
bem feito. Naturalmente investir mais também significa sacrifícios presentes em
nome da construção do futuro, os asiáticos poderiam ter um melhor padrão de
consumo se investisse menos, mas, muito provavelmente, não estariam crescendo
tão mais que a América Latina e Caribe se tivessem feito isso. Se nossos filhos
se perguntarem porque ficamos para trás talvez seja o caso de respondermos
dizendo que escolhemos pensar mais em nós do que neles.
Sempre que falamos em investimento pensamos em poupança.
Existe muito debate sobre se poupança determina investimento ou se investimento
determina poupança, eu estou entre os que acreditam que ambos são determinados
conjuntamente como costuma ocorrer com quaisquer quantidades demandas e
ofertadas que estejamos analisando. Porém, deixando de lado o debate teórico, é
fato que poupança financia investimento no sentido que para alguém investir é
preciso que exista poupança. Se todos consomem completamente a própria renda
não existe investimento. Claro que um país pode financiar seu investimento
pegando emprestado com cidadãos de outros países, é a chamada poupança externa,
mais uma vez o campo aqui é minado em termos de teoria, mas do ponto de vista
de financiar o investimento, que é o que interessa aqui, mais poupança, interna
ou externa, permite que sejam feitos mais investimentos. A figura abaixo mostra
a taxa de poupança nos países emergentes da Ásia e nos países da América Latina
e Caribe, repare que os asiáticos não apenas investem como poupam mais que o
latino americanos e os caribenhos. Notem que eles são mais pobres que nós, logo
dizer que somos pobres e por isso não poupamos não é um bom argumento.
A questão da taxa de poupança é particularmente relevante
para os desenvolvimentistas. É fácil olhar para países asiáticos e falar do
câmbio, ocorre que câmbio é preço, e, como todo preço é determinado por vários
fatores que interagem no mercado. Um destes fatores é a poupança. Se um país
poupa o suficiente para financiar seu investimento talvez não precise atrair
poupança externa, quando acontece o contrário, caso do Brasil e de boa parte da
América Latina, o país precisa atrair capital externo, ou seja, precisa atrair
dólares, isso aumenta a oferta de dólares e age no sentido de valorizar a moeda
local. Levando isso em conta é um espanto que tantos economistas que se dizem
desenvolvimentistas tenham se omitido, ou mesmo aplaudido, o aumento dos
gastos, particularmente dos gastos públicos da década anterior.
Voltando a atenção para o Brasil é válido registrar que
sofremos de dois males quanto ao nosso investimento. Não apenas investimos
pouco como também investimos mal, o aumento na taxa de investimento que ocorreu
na década passada poderia ter ajudado muito no crescimento desta década. Não
foi o que aconteceu, no lugar de empresas sustentáveis investimos nas tais campeãs
nacionais, no lugar de infraestrutura de transportes ou energia investimos em
estádios. Deu no que deu, mas isso é assunto para outro post.
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