Qualquer comparação entre os países da Ásia e os países da
América Latina tem que levar em consideração a diferença entre a taxa de
poupança dos países das duas regiões. Sem poupança um país é obrigado a
recorrer ao mercado de capitais internacional para financiar o próprio
investimento. Alguns economistas acreditam que recorrer a poupança externa é um
problema, outros acreditam que não, mas poucos vão discordar que um país que
necessita de poupança externa perde vários graus de liberdade na condução da
política econômica, inclusive a capacidade de operar com câmbio como tanto
pedem os economistas novo-desenvolvimentistas e um monte de empresários. A
lógica foi explicada por Samuel Pessôa em recente artigo na Folha de São Paulo
(link aqui):
“O aumento da taxa de investimento, com uma taxa de poupança doméstica estável, gerou a contínua piora das contas externas –pela necessária absorção de poupança internacional– e a consequente valorização do câmbio. Ou seja, caso não houvesse a valorização do câmbio e a maior absorção de poupança externa, a inflação teria sido maior.
Houve naquele período fortíssimo processo de acumulação de reservas, que contribuiu para moderar o processo de valorização. No entanto, no Brasil a acumulação de reservas não é muito efetiva para impedir um processo de valorização do câmbio, pois, devido à baixa poupança do setor público, o Banco Central tem que emitir dívida doméstica para recomprar os reais que emitiu para adquirir as reservas. Nos países asiáticos, que praticaram políticas próximas das defendidas pelos novos-desenvolvimentistas, a elevada taxa de poupança permite que a acumulação de reservas não pressione a liquidez e a inflação domésticas.
Chegamos sempre ao mesmo ponto: controlar o câmbio sem que o setor público tenha posição fiscal extremamente sólida só redunda em inflação. Por outro lado, se houver forte aumento da poupança pública, o câmbio real desvalorizar-se-á naturalmente.”
A diferença entre a taxa de poupança dos países emergentes
da Ásia (não inclui a Coréia do Sul) e dos países da América Latina e Caribe é
ilustrada na figura abaixo. Nela estão as médias da taxa de poupança dos países
dos dois grupos entre 1980 e 2015, os dados são do FMI. Repare os países da
Ásia poupam mais do que os da América Latina em todos os anos analisados. Para que
o leitor perceba como o problema nos afeta a figura seguinte mostra a taxa de
poupança no Brasil e na China entre 1980 e 2015. Aqui se aplica a máxima de “quem
poupa tem”, inclusive tem condições de escolher entre um conjunto mais amplo de
políticas econômicas.
A diferença entre a taxa de poupança dos países emergentes
da Ásia e dos países da América Latina e Caribe também aparece quando levamos
em conta o PIB per capita de cada país. A figura abaixo mostra a relação entre
taxa de poupança e PIB per capita para todos os países em todos os anos da
amostra. É fácil perceber que os pontos laranjas (países da Ásia) estão acima dos
pontos verdes (países da América Latina e Caribe), mais fácil ainda se olharmos
para as retas, elas sugerem que para um dado valor do PIB per capita a taxa de
poupança nos países emergentes da Ásia é maior que nos países de nuestra
América.
Se dividirmos a amostra por grupos de PIB per capita é
possível que, dado um valor para o PIB per capita, a taxa de poupança nos
países da Ásia é maior que a dos países da América Latina é maior em todos os
grupos com exceção de um pequeno grupo de países muito pobres, ademais, só
olhando a figura e sem fazer testes, é possível que a exceção seja explicada
pelos pontos verdes que estão acima da nuvem de pontos verdes na figura do
canto superior esquerdo.
Se é fácil mostrar que os países da América Latina e Caribe
poupam menos que os países da Ásia, não é tão fácil explicar as razões da
diferença. Uma possível explicação, que leva mais em conta a experiência brasileira,
mas que pode ser adaptada para outros países da região, está ligada a tentativa
de construir um estado de bem-estar social por estas bandas. Grosso modo
podemos dizer que escolhemos entre comprar seguros e poupar. Se o seu carro
está no seguro não faz sentido ter uma poupança para o caso de o carro ser
roubado ou sofrer um acidente. Da mesma forma, se você tem um plano de saúde
você não tem muitas razões para ter uma poupança caso tenha de fazer um tratamento
em um hospital. De certa forma o estado de bem-estar social é uma forma de
garantir seguros para todos os indivíduos de uma sociedade e, sendo assim, de
reduzir a poupança da sociedade. Fique claro que tais seguros não são
gratuitos, longe disso, assim como você paga pelo seguro do seu carro e pelo
seu plano de saúde você paga pelo sistema de seguridade social, tal pagamento é
feito por meio de impostos.
Se um indivíduo paga, mesmo que indiretamente por meio de
impostos, para ter acesso a um sistema universal de saúde ou para garantir que
o filho tenha escola mesmo que ele fique sem renda é razoável que esse
indivíduo não faça poupança para tais situações. Não vou entrar aqui na questão
da justiça de tais seguros, quero apenas registrar que tais seguros existem e
que, existindo, afetam os incentivos existentes na sociedade. Também não estou
apresentando uma explicação científica para a questão, é verdade que existe
literatura a respeito de políticas sociais como forma de seguros, uma
literatura que, a despeito do desincentivo à poupança, enxerga potenciais
ganhos de bem -estar em políticas distributivas financiadas com impostos que
causam distorções (para um guia a respeito desta literatura ver aqui), porém,
para estabelecer a relação entre esta literatura e diferencias de poupança
entre países da América Latina e emergentes da Ásia seria necessário bem mais
que um post em um blog. O que estou fazendo é apenas levantar questões que podem
servir de base para explicar nossa baixa taxa de poupança.
Explicações acadêmicas à parte não é difícil intuir que a
garantias de direitos reduzem incentivos à poupança, até o Homer Simpson sentiu
necessidade de poupar para que Lisa pudesse ir para uma boa Universidade. Em
lugar onde as melhores universidades são “públicas, gratuitas e de qualidade” fica
bem mais difícil criticar Lisa por apostar o dinheiro jogando poker na internet
(link aqui)...
E com uma eventual taxa de poupança maior no Brasil, afetaria o setor de consumo, com as pessoas parando de consumir e poupando. Como soluciona-se essa equação??Ou apenas haveria um rearranjo do setor de serviços?
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