O autor do relato que citei acima faz um questionamento que considero deveras relevante, mas que talvez me conduza a reflexões e a respostas diferentes das sugeridas pelo autor, vamos aos fatos. Copiei e colei abaixo o que considero o ponto central do relato:
A questão é que no RU tradicional a refeição custa R$ 2,50 para o aluno e por cada prato servido a empresa recebe um subsídio de R$ 7,19. Desta forma uma refeição no RU tradicional custa R$ 9,69 (os dados estão aqui) e uma refeição no RU-gourmet custa R$ 9,60! Como pode? Na discussão que segue o relato que citei aparecem bons argumentos para explicar o paradoxo: rendimentos decrescentes na produção das refeições, características do contrato e o fato de existir concorrência para o RU-gourmet são alguns exemplos. Menos do que entrar nas causas do diferencial de preços e serviços, para os interessados recomendo os comentários no post no Blog do Apolinário, quero tratar das consequências."Eu me servi: peguei arroz, arroz à piamontese, feijão, batatinhas fritas em cilindro e bife a cavalo (alcatra e não patinho como no RU “de baixo”). Pesei: peguei 445g de comida, o que a R$21,58 o kilo deu R$9,60."
Dada esta realidade como elaborar uma política de alimentação para os estudantes da UnB? O primeiro passo é definir o objetivo da política. Vou considerar que o objetivo é garantir alimentação para os estudantes pobres. Entendo que podem existir controvérsias quanto a este objetivo, focar políticas é um conceito que ainda incomoda. Aqui não tenho como deixar de fazer referência a como Maria Conceição Tavares, decana dos economistas de esquerda no Brasil, reagiu à chegada dos programas sociad focados no Brasil: ficou histérica! (para os que duvidam o link está aqui). Com o sucesso do Bolsa Família a tal reação hitérica contrária a estes programas continuou histérica, mas com sinal trocado. Qualquer um que ouse apontar alguma possível falha no programa virou inimigo do povo. De toda forma, se o leitor ainda fica ofendido com políticas focadas, a sugestão que vou dar pode ser adaptada para outras políticas.
Minha sugestão é simples. O primeiro passo consiste em acabar com o RU tradicional, não estou falando de privatizar, estou falando de acabar. A discussão sobre rendimentos decrescentes e/ou sobre escala que está no Blog do Apolinário oferece bons argumentos para argumentar que uma gestão privada não vai resolver o problema do RU. Pelo que está lá, por conta dos temperos e outras especificidades de cozinha, um prato tirado de uma comida feita para 5.000 pessoas é mais caro e menos saboroso que um prato tirado de uma comida feita para 400 pessoas. O segundo passo consiste em criar praças de refeição e outros espaços de forma que existam vários restaurantes nos campi da UnB, quanto maior o número e a variedade de restaurantes melhor. O terceiro passo é dar aos alunos pobres vales-refeição que, por força de contrato, devem ser aceitos por todos os restaurante que operem nos campi (poderia ser dinheiro no lugar dos vales, mas não quero abrir outro front de debates). Como sugestão o valor do vale seria de R$ 10,00.
Como a UnB tem cerca de 3.000 alunos classificados como pobres o custo desta política seria de R$ 30.000 por dia. Se supormos que o atual RU serve 6.000 refeições por dia com subsídio (a página do RU fala em 6.000 refeições por dia, mas nem todas são subsidiadas e algumas tem um subsídio maior, estou supondo que os dois casos extremos se cancelam) o custo da atual política é de R$ 7,19 x 6.000 = R$ 43.140 por dia. A UnB faria uma economia de R$ 13.140 por dia e os alunos pobres poderiam comer no RU-gourmet por R$ 9,60, com direito a sobremesa, e ainda teriam troco. Quem perde com a política que estou sugerindo? Em primeiro lugar perdem os estudantes que não são pobres e recebem subsídios para comer no RU, talvez daí venha a maior fonte de resistência a esta sugestão. Em segundo lugar perde a empresa concessionária do RU se for o caso dela ter lucros econômicos em decorrência do contrato e/ou do poder de monopólio sobre as refeições subsidiadas. Em terceiro lugar perde quem quer que obtenha algum benefício pelo fato de negociar estes contratos, por conhecer as pessoas que negociaram este contrato tenho confiança que este grupo é um conjunto vazio, mas é preciso considerar todas as hipóteses que teoricamente podem acontecer. Quem ganha com a política? Os estudantes pobres e a UnB, como a UnB é uma uma universidade pública também ganham os contribuintes, incluindo os muito pobres que não são alunos da UnB.
Por que então não implementar esta política? Porque muito provavelmente os três grupos que, pelo menos potencialmente, perdem com a política tem mais poder de pressão que os grupos que ganham com a política. O ganho para o contribuinte é muito pequeno para que se mobilizem a favor desta política. O ganho para os alunos pobres talvez seja significativo, se valer as reclamações constantes sobre a comida do RU que leio no FB o ganho certamente é relevante, mas os estudantes pobre são poucos, a UnB tem em torno de 40.000 alunos, e os setores mais articulados deste grupo costuma apoiar as demandas dos estudantes não pobres. O apoio é particularmente forte nos casos que envolvem bandeiras caras à extrema esquerda.
Não é o único caso onde uma coincidência de interesse entre setores da classe média beneficiados por uma dada política, empresários que obtém lucros econômicos por conta desta política e servidores do estado que podem obter rendas desta política (insisto, não creio que isto ocorra no caso específico que estou tratando) forja uma aliança capaz de manter em vigência uma política que é contra os interesses dos mais pobres. A UnB não é diferente do Brasil e portanto sofre dos mesmos males trazido pelo capitalismo de compadres. Um liberal chato é muito mais inconveniente do que se imagina.
Concordo com a proposta, professor. Mas estou intrigado com a comparação do Apolinário: R$ 9,60 por 445g contra R$ 9,69 por "x"g de comida. São preços realmente comparáveis? Na minha época, não havia limite para a quantidade/peso de comida que podíamos servir no bandejão. Hoje há?
ResponderExcluirTambém achei alto o preço do RU, mas não conheço os detalhes para avaliar. Quanto ao limite não sei dizer, a verdade é que nunca fui ao RU da UnB.
ExcluirNão tem limite no RU. Pode comer quantas vezes quiser. A comida ´´e mto boa. Já comi bacalhau e feijoada. Não é brincadeira.
Excluirabraço
Não pode comer quantas vezes quiser não, mas pode, de fato, comer quantos gramas de comida quiser quando se servir.
ExcluirMas, uma vez servido, não pode voltar à fila (tem gente que faz, mas não pode).
E sim, seu questionamento é válido, anônimo, é necessário descobrir qual a média de gramas/prato no RU para ver se a comparação faz sentido estrito.
Contudo, a minha no intenção blog não era dizer que exatamente o mesmo peso de comida equivale a exatamente o mesmo preço, mas sim dizer que em ambos os casos é possível almoçar argumentavelmente bem com o mesmo valor que a UnB recebe, R$9,69
Opa, obrigado por elogiar meu blog na sua publicação, fico verdadeiramente feliz por isso.
ResponderExcluirContudo, tenho de discordar da sua proposta de vouchers por duas razões, sendo a segunda acredito que principal.
(1) Você considerou a esfera estritamente econômica. Contudo, é interessante pensar o que é o projeto de uma Universidade, de existir bibliotecas, espaços estudantis e um restaurante da Universidade onde todos almocem e se integrem. Esse projeto de integração, de vivência universitária é importante ser verificado. Isso não é um sonho ou desejo exclusivamente meu ou das Universidades Públicas brasileiras. Isso é um fato que ocorre nas maiores e melhores universidades privadas do mundo, inclusive o subsídio - por conta dessa vivência universitária, veja: Oxford[1], MIT[2] e relatos da galera no Ciência sem Fronteiras mundo afora
(2) Você considerou o custo do RU da UnB (R$9,96) como base para financiar seu voucher de R$10 por pessoa que você considerou justo.
Contudo, eu acho que o jeito mais eficiente para reduzir custos, para horror dos liberais, é através de um restaurante comunitário público. E falo isso embasado em exemplos públicos e privados, vamos lá:
- Os Restaurantes Comunitários do DF (Rorizão) tem o custo, em cada refeição vendida, não de R$9,96 como é o caso do RU, mas apenas R$3,90. A pessoa paga R$1 e o governo completa com R$2,90. [3]
- Os Restaurantes Populares "Bom Prato" do Governo de São Paulo, tem refeições com o custo de R$4,00. A pessoa paga R$1 e o governo subsidia R$3. [4]
- O refeitório da PUC-PR (privada), possui refeição a R$4, com suco. Essa refeição, de acordo com a Universidade, não tem subsídio mas também não dá lucro, os pratos são vendidos a preço de custo (R$4) como um serviço prestado à quem estuda na PUC [5]
Ou seja, é argumentável que com um custo de R$4 por refeição é possível ter um refeitório eficiente - público e privado - a custos muito mais baixos do que os atuais e do que a sua política proposta de vouchers. Afinal, um voucher de R$3 para almoçar não serve para ninguém, contudo, se for possível para o governo gastar R$3 por refeição em um restaurante popular, essa parece a opção mais eficiente.
[1] https://www.wolfson.ox.ac.uk/internal/catering
[2] http://studentlife.mit.edu/house-dining-review/financial-stability
[3] http://www.sedest.df.gov.br/seguranca-alimentar/restaurantes-comunitarios.html
[4] http://www.desenvolvimentosocial.sp.gov.br/portal.php/bomprato
[5] http://www.gazetadopovo.com.br/vida-universidade/nocampus/conteudo.phtml?id=1231882
Vou colar abaixo a resposta que colecionei no FB. Abs.
ExcluirRoberto Ellery João Paulo Apolinário Passos. Desculpa a demora em responder, passei a tarde na UnB e nem cheguei perto de computadores. Seu relato está mesmo muito bom e merece os elogios, quanto as conclusões imaginei que fossem diferentes das suas, o que é bom. Quanto ao seu primeiro ponto não vejo o RU como condição necessária ou suficiente para integração da comunidade. Um campus com vários restaurantes em locus como praças de alimentação de Shopping Center pode até ajudar mais na integração, além do que existem outros espaços de integração. Por exemplo, na universidade onde estudei quando não era inverno era comum ver pessoas fazendo performance, lanchando e até brincando com cachorro nas áreas verdes do campus, a maior concentração ficava em um trecho que não era tão diferente da área entre o ICC e a reitoria. O segundo ponto eu realmente tenho pouco a falar, não tenho a menor idéia da tecnologia de produção de alimentos, todos os argumentos contra a escala que falei eu vi na área de comentários do seu blog. Porém, de forma geral, acredito que cedo ou tarde todo processo de produção esbarra em rendimentos decrescentes.
E assim cai por terra novamente a falácia do maldito socialismo.
ResponderExcluirTe pergunto, Roberto, quanto de dinheiro público economizaríamos devolvendo à iniciativa privada todos os profissionais de saúde e educação, afrouxando um pouco a regulamentação dos setores de saúde e educação privados de modo a estimular o aumento da concorrência e concedendo um bolsa-saúde para todos os brasileiros e um bolsa-educação para todos os brasileiros em idade escolar (até o ensino médio)?
Sei que não dá pra implementar isso no país inteiro da forma como eu digo, mas por que não fazer um experimento-piloto em 1 cidade de 100 mil habitantes?
A gente tem este modelo estatista há 200 anos e até hoje não deu certo. Por que tanto medo em experimentar algo NOVO?
Porque tem gente muito poderosa ganhando muito dinheiro com o velho...
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