Como não poderia deixar de ser tirei o sábado para ler
Complacência, o livro recentemente lançado por Fabio Giambiagi e Alexandre
Schwartsman. Logo no prefácio, escrito por Eduardo Loyo, fical claro o papel
central da produtividade no argumento dos autores, afinal um dos motes do livro
é pedir uma obsessão nacional com produtividade. Como não gostar de um livro
que propõe esta obsessão nacional? Afinal desde o final da década de 1990 tenho
levantando esta bandeira, em uma época onde havia outros caminhos para crescer
eu estava entre os que alertavam que sem um crescimento da produtividade
qualquer crescimento teria vida curta. Não posso avaliar se o livro alcançou o
objetivo de se comunicar com o público leigo em economia, mas por ter lido o “livro
inteiro num impulso, num fim de semana” posso dizer aos autores que algum
objetivo do livro foi alcançado. Nesta condição aplico ao livro o conselho de
Leibniz sobre elogios e vou ao ponto: o livro é excelente, muito bom mesmo. É
leitura obrigatória para todos que participam do debate econômico no Brasil,
mesmo os iniciados em economia que já estão convencidos das teses dos autores
devem ler como forma de enriquecer seus exemplos e aprimorar a comunicação de
seus argumentos.
Logo de saída os autores fazem o diagnóstico da economia
brasileira e mostram como o fundo teórico que dá suporte às ideias econômicas
do PT antecipava as mudanças que foram feitas na política econômica. Desta forma
o leitor percebe que era inevitável que chegássemos a este ponto. Não que os
autores neguem as conquistas da última década, pelo contrário, tais conquistas
são discutidas em um capítulo específico. Porém, mesmo que o governo petista
tenha méritos como o de transformar um programa desconhecido e irrelevante com
o estranho nome de IDH-14 no que veio a ser o bolsa-família, os autores mostram,
com números, que não houve uma mudança de comportamento na economia brasileira
em 2003. O que vimos na última década foi a continuidade de um processo que
começa no final da década de 1980 e a consequência “inevitable”, agora digo eu,
do processo de reformas que se intensificou nos anos 1990. Isto mais uma ajuda
providencial do resto do mundo que nos brindou com a elevação dos preços das commodities
e a redução dos juros internacionais. Mas os autores insistem, com razão, que
isto não apaga os méritos locais, quem duvida que olhe para Venezuela e
Argentina que receberam as mesmas bênçãos internacionais.
A próxima fase do livro traz uma sequência de capítulos
tratando do que os autores consideram os principais desafios para retomada do
crescimento: baixa poupança, excesso de gasto público, problemas no balanço de
pagamentos, produtividade, falta de infraestrutura e as deficiências na
educação. Não são capítulos estanques, pelo contrário, os temas de cada
capítulo aparecem em outros como que antecipando ou ajudando a recordar cada
tema e a relação entre eles. Quem me acompanha aqui no blog ou no FB sabe que
minha lista é mais modesta: produtividade, educação, infraestrutura e ambiente de
negócios. Mas não se enganem, ao abrir cada tema discutido pelos autores é
possível a proximidade das agendas. É claro que não são idênticas. Eu daria menos
peso a poupança e ao gasto público, o que necessariamente me força a jogar mais
peso na produtividade. Afinal, se queremos poupar pouco e ter um governo que
gaste muito, tudo indica que queremos, temos de ser muito produtivos. É o que
venho chamando do dilema de escolher entre Alemanha ou China. A primeira opção
permite poupança baixa e estado de bem-estar, mas exige altíssima
produtividade. A segunda opção dispensa a elevada produtividade, mas exige
poupança alta e não permite um estado de bem-estar. A aposta no Brasil de ter
um estado de bem-estar com poupança baixa, nos moldes da Alemanha, e crescer
com base em preços baixos e câmbio desvalorizado, no estilo chinês, é
impossível. Não creio que minha avaliação se distancie muito da dos autores,
até porque nunca é demais lembrar que parte do sucesso alemão se deve a
reformas que reduziram gastos e flexibilizaram o mercado de trabalho por lá.
Senti falta de um capítulo dedicado ao ambiente de negócios,
é verdade que os autores tratam do relatório “Doing Business” do Banco Mundial,
mas apenas para discutir a complexidade do sistema tributário. Creio que o tema
merecer mais espaço e deveria estar casado com a questão da produtividade. A
abordagem que os autores fazem para produtividade está muito fincada em capital
humano e inovação. Como creio que em países em desenvolvimento a chave está na adoção
eu dedicaria mais tempo para relacionar o problema de produtividade com o das
barreiras à entrada impostas pelo ambiente institucional. Talvez o campo de
bocha do condomínio de luxo a que os autores se referem esteja no lugar de uma
lan-house (não imagino que exista demanda para uma em um condomínio de luxo,
mas não pensei exemplo melhor) onde os jovens do condomínio poderiam adotar, e
até criar, novas tecnologias.
Depois desta maratona que, graças ao estilo leve com
abundância de referências a frases de efeitos de diversas personalidades, pode
ser enfrentada em ritmo de cem metros rasos, vem o capítulo sobre o mito das
importações. Neste os autores mostram as falácias envolvidas nas teses que apresentam
importações como um perigo que rouba nossos empregos. Nem o fato de Brasil ser um
dos países mais fechados do mundo desmonta nossa paranoia xenofóbica, que dirá
explicar os atuais processos globais de produção, mas todo esforço para mostrar
que o perigo não vem de fora é válido. Da minha parte já tinha falado aqui no blog do mito da indústria de transformação. É bem diferente do mito que os
autores tentam desmistificar, mas como costumam aparecer nos mesmos discursos
eu aproveitei para fazer meu comercial.
Na sequência os autores tratam do voluntarismo de governo, particularmente
presente nas intervenções no setor elétrico (o governo vai mudar a matriz de
preços relativos do Brasil!) e na tentativa de reduzir juros na marra, ambas
desastrosas. Os capítulos seguintes tratam de incentivos e ausência de regras
claras com referências às instituições na linha de Acemoglu e Robinson. Aqui
cabe um parênteses para tratar do imbróglio entre poupadores e bancos que está
no STF. Os autores não subscrevem o discurso de que se o STF deve julgar de
acordo com os efeitos econômicos da decisão, argumentam apenas que os bancos
estavam seguindo uma norma imposta pelo executivo, o que é verdade. Como já me
manifestei a respeito do assunto gostaria de colocar dois pontos no debate: (i)
o longo tempo que a ação está na justiça é devido a uma série de recursos
impetrados pelos próprios bancos visto que as decisões iniciais foram
favoráveis aos poupadores, talvez seja o caso de ver este exemplo também como
um caso onde o complexo sistema legal brasileiro prejudica quem tem menos poder
econômico e/ou menos interesses me jogo; (ii) em caso de vitória dos poupadores
será sinalizado para os bancos e a sociedade em geral que o poder executivo não
é feitor de engenho, no futuro regras como as que causaram este problema podem
ser questionadas pelos próprios bancos no momento que o executivo tentar
impô-las, há juízes em Brasília e isto é bom. Findo o parênteses voltemos ao
livro que segue falando do pré-sal, onde os autores apontam para os riscos da
maldição dos recursos naturais e eu acrescento falando que pior que a maldição
dos recursos naturais é a maldição dos recursos naturais que não existem e/ou
que a exploração não é economicamente viável. O último problema tratado é o da
previdência. A comparação com a tia louco é muito boa, acompanho previdência
desde o final dos anos 1990. Desisti de debater sobre o assunto, o problema
demográfico está colocado e é visível, não tem como fugir dele. Ficar debatendo
código de receita e despesa diante desta questão é como debater a cor da sala
diante de um tsunami.
O último capítulo faz um apanhado geral e justifica mais uma
vez a necessidade da obsessão com a produtividade. Com feliz título de “O Fim
da Vida Fácil” o capítulo relembra os principais desafios discutidos no livro e
deixa aos leitores com o desafio de escolher entre o caminho da camaradagem e tapinha
no ombro e o caminho da produtividade e da competitividade. Os autores citam
Gabriel García Márquez e sua Macondo logo no início do livro, peço licença para
terminar este comentário com referências ao mesmo autor. Estaremos condenados “desde
sempre e para sempre” ou teremos “outra chance sobre a terra”? Este é o dilema
que temos de enfrentar sobre pena de sermos parte das “estirpes condenadas a
cem anos de solidão”. Esta é a mensagem que entendo que o livro quer passar e
que eu subscrevo completamente.
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