As eleições nos Estados Unidos chamaram atenção para várias questões relacionadas ao país. Basta uma olhada nos jornais ou nas redes sociais para esbarrarmos em notícias sobre geopolítica, economia, política, racismo e outras questões relacionadas aos direitos civis no país que ainda se apresenta como Terra da Liberdade, embora já tenha sido bem mais livre, ou bem menos, a depender do ângulo que se olha e do conceito de liberdade usado pelo observador.
Para ajudar nas discussões, apresento nesse post alguns
números relacionados à economia americana. Os dados são todos do FMI e estão
disponíveis na versão de outubro de 2020 da base de dados do World Economic
Outlook (link aqui), não inclui 2020 por conta da pandemia e porque trabalho
com dados anuais e o ano ainda não acabou. Em cada uma das figuras a linha
mostra os dados desde 2001, para dar uma ideia de tendência, e as barras
mostram os dados no governo Trump.
Comecemos a história pelo lado fiscal. Durante o governo
Obama os Republicanos fizeram muitas críticas por conta da política fiscal, as
acusações giravam em torno da ideia que Obama, e Democratas em geral, gastava
demais. De fato, no começo do governo Obama o déficit primário como proporção
do PIB nos Estados Unidos deu um grande salto, uma tendência que vinha do
governo Bush e está muito relacionada à Crise de 2008. Porém, depois do pico de
11,3% do PIB em 2009, o déficit primário como proporção do PIB apresentou uma
trajetória de queda. No último ano do governo Obama o déficit primário foi de
2,4% do PIB, número que cresceu até chegar a 4,1% em 2019. Para 2020 a previsão
do FMI é que o déficit primário dos Estados Unidos será de 16,7% do PIB, mas aí
há de se considerar o efeito da pandemia.
O comportamento do déficit acaba refletido na dívida
pública. Após o salto significativo na sequência da Crise de 2008, de 64,7% do
PIB em 2007 para 103,3% do PIB em 2012, a dívida pública se estabiliza como proporção
do PIB no segundo mandato do Presidente Obama com um aumento em 2016. Durante o
governo Trump a dívida cresce mais que o PIB em todos os anos e chegou a 2019 na
faixo de 109% do PIB. Em 2020 a previsão é de que a dívida chegará a 131% do
PIB, mais uma vez a pandemia tem um efeito central no aumento. Em termos gerais
parece justo dizer que a situação fiscal dos Estados Unidos piorou no governo
Trump mesmo antes da pandemia.
Um dos grandes trunfos frequentemente citados pelos que
simpatizam com o Presidente Trump é o aumento do crescimento e a queda do
desemprego. A figura abaixo mostra o crescimento dos Estados Unidos. É fato que
nos dois primeiros anos do governo a taxa de crescimento do PIB americano
aumentou, mas houve perda de folego em 2019. A maior taxa de crescimento no
governo Trump foi 3% em 2018, número próximo aos 3,1% de 2015 ainda no governo
Obama. Para 2020 a expectativa é de queda de 4,3% no PIB americano.
O desemprego no governo Trump segue a tendência de queda iniciada
a partir de 2010 chegando a um mínimo de 3,7% em 2019. Olhando os dados fiscais
e desemprego fica a impressão de que havia um estímulo fiscal em uma economia com
baixo desemprego, uma estratégia que, como bem sabemos por aqui, pode ser
desastrosa no médio/longo prazo. Para 2020, por conta da pandemia, a previsão é
que desemprego fique em 8,9%.
A última variável que vou falar é a inflação. Em 2008, ano
da crise financeira, a inflação nos EUA caiu para 0,7%, nos primeiros anos do
governo Obama a inflação sobe até chegar a 3,1% em 2011. A partir daí,
concomitante a estabilização da dívida como proporção do PIB e na sequência da
queda no déficit primário, a inflação volta a cair chegando a 0,5% em 2014. Em
2016, último ano do governo Obama, a inflação foi de 2,2%, número que se
repetiu no primeiro ano do governo Trump. Em 2018 a inflação caiu para 1,9% e
no ano seguinte subiu para 2,1%, onde, segundo as previsões do FMI, deve ficar
em 2020.
O balanço do governo Trump, desconsiderando 2020, mostra uma
piora no quadro fiscal sem um aparente impacto significativo no crescimento que,
em média, foi de 2,5% nos três primeiros anos do Presidente Trump contra 2,4%
nos três anos anteriores e 2,5% nos três primeiros anos do segundo mandato do
Presidente Obama. O desemprego seguiu a tendência de queda. Onde a combinação
de estímulos fiscais e desempregos baixo levaria não temos como saber, a pandemia
mudou as trajetórias dessas variáveis, mas a experiência sugere que não seria a
um lugar bom. A inflação ficou controlada no governo Trump.
O que vai acontecer nos próximos anos? Só o tempo dirá.
Republicanos quando estão na oposição costumam impor resistência a políticas
que aumentem o déficit do governo, isso pode ajudar a reverter o aumento do
déficit e a estabilizar a dívida como proporção do PIB. Por outro lado, a
pandemia impôs gastos e poderá continuar impondo a depender do que vai
acontecer nos próximos meses ou anos. Arrisco dizer que só com uma vacina as coisas
começarão a voltar ao normal, mas não arrisco dizer quando a vacina vai
aparecer nem muito menos quando (e como) as pessoas serão vacinadas. A pandemia
também deve ditar o ritmo de crescimento, é razoável esperar que as economias
do mundo cresçam e criem empregos nos períodos seguintes à superação da
pandemia.
A inflação vai depender da parte fiscal. Os Estados Unidos testaram
o limite de endividamento na crise de 2008, deu certo, mas isso não quer que dizer
que não existe limite. Meu médico diz que eu tenho de emagrecer. Ele não sabe
dizer o peso máximo que posso ter sem algum problema sério, também não sabe
dizer o que vai acontecer se eu chegar nos 160kg e muito menos quanto tempo
posso ficar acima dos 150kg impunemente. Ele apenas me diz que em algum momento
meu peso vai cobrar um preço da minha saúde, eu, que apesar de já sentir alguns
sinais dessa cobrança não faço os ajustes necessários para perder peso,
acredito nele.
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