Com a divulgação dos números do PIB ganhou espaço uma tese
que diz que o crescimento está sendo puxado pelo setor privado. Para defender a
tese tanto o pessoal do governo como analistas de mercado mostram que o
crescimento do consumo das famílias e do investimento foi maior que o
crescimento do consumo do governo que encolheu este ano. Quanto a tese tenho
pouco a dizer, o que me incomoda é o argumento usado para defender a tese.
De saída o argumento implica que é a demanda que puxa o PIB,
uma tese mais próxima da abordagem keynesiana do que da abordagem de Chicago
onde é a oferta que puxa a demanda. Aqui é preciso tomar cuidado, os termos
oferta e demanda se referem a conceitos macroeconômicos, os conceitos de oferta
e demanda, mesmo quando seguidos de agregado, usados em microeconomia são diferentes
dos usados em macroeconomia. Logo é perfeitamente possível acreditar que a
demanda precede a oferta, em termos microeconômicos, e que a oferta puxa a
demanda em termos macroeconômicos.
Um segundo problema é confusão entre consumo do governo e
tamanho do governo, nem todo gasto do governo é consumo do governo. Por
exemplo, o PIB é calculado como a soma do valor agregado e os impostos (entram
apenas os impostos não incluídos no valor da produção e são excluídos os subsídios),
este ano o valor agregado, que corresponde a cerca de 86% do PIB, aumentou 0,9%
e os impostos aumentaram 1,3%. Dito de outra forma, os impostos cresceram mais
do que o valor agregado mesmo com o consumo do governo caindo. A coisa fica
ainda mais complicada quando consideramos as estatais, que não entram nas contas
nacionais como governo, e o uso de crédito dos bancos públicos para direcionar
a produção do setor privado.
Uma terceira questão é que não é novidade alguma que o
crescimento do consumo do governo seja menor que o crescimento do consumo das
famílias e que o crescimento do investimento. De fato, desde 1996, esse
fenômeno ocorreu em 1996, 1997, 2000, 2006, 2007, 2008, 2010, 2011, 2013 e 2018.
O crescimento do consumo das famílias foi maior que o crescimento do consumo do
governo nesses anos e também em 2005, 2009, 2012, 2014 e 2017, ou seja, em 10
dos 23 anos da amostra o consumo do governo cresceu menos que o investimento e
o consumo das famílias e em 15 dos 23 anos o consumo do governo cresceu menos
que o consumo das famílias. Em 2004 o crescimento do investimento foi maior que
o crescimento do consumo do governo que foi pouco maior que o crescimento do consumo
das famílias. Em apenas sete anos (1998, 1999, 2001, 2002, 2003, 2015 e 2016) o
crescimento do consumo do governo foi maior que o crescimento do consumo das
famílias e do que o crescimento do investimento. Quatro destes anos foram no
governo FHC, apenas dois em governos do PT e o último foi 2016 que começou com
a Dilma e terminou com o Temer. A figura abaixo mostra a taxa de crescimento do
consumo das famílias, consumo do governo e do investimento entre 1996 e 2018.
O atual governo tem feito um esforço considerável para
implementar uma agenda de reformas que aumente o papel do setor privado na
produção e no investimento, uma agenda que infelizmente foi abandonada lá por
2006 e foi retomada em meados de 2016 no governo Temer. Os frutos desse esforço
ainda vão demorar um bocado para aparecer, entendo que exista uma tentação para
mostrar resultados, mas é preciso tomar cuidado. Dizer que o setor privado puxa
o crescimento deve estar relacionado a contribuição do setor privado para fazer
o bolo e a capacidade do setor privado escolher o sabor, o tamanho, a forma e o
recheio do bolo, o que os números das contas nacionais mostram, quando muito, é
que o governo está consumindo uma fatia menor do bolo.
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