segunda-feira, 21 de outubro de 2019

Impacto da pesquisa e PIB per capita: estamos mal quando consideramos nosso PIB per capita?


Já comentei aqui no blog a respeito do trabalho do professor Marcelo Hermes do Instituto de Biologia da UnB no qual ele desafia a ideia que houve uma melhora significativa no desempenho da produção acadêmica nacional e mostra que o impacto da pesquisa realizada no Brasil é baixo. Grosso modo o professor Marcelo Hermes usa indicadores de qualidade para contrapor indicadores de quantidade normalmente usados para avaliar o desempenho da academia no Brasil. Quem tiver interesse pode ler alguns artigos para jornal disponíveis aqui, aqui e aqui.

Os números apresentados pelo Marcelo Hermes são fortes e costumam impressionar, mas, chato que sou, resolvi checar se o impacto de nossa produção científica é mesmo tão ruim quando levamos em conta o PIB per capita do Brasil. Uma maneira bem preliminar para avaliar esse ponto é fazer uma regressão entre o impacto da pesquisa e o PIB per capita, grosso modo essa regressão vai dizer qual seria o impacto da pesquisa se considerarmos apenas o PIB per capita. É claro que é uma forma bem superficial de abordar a questão, deixa de lado questões relevantes como o quanto cada país gasta com pesquisa ou a qualidade do ensino em cada país e ainda nem falei dos problemas estatísticos relacionados a regressão. Mesmo assim creio que o exercício é válido para o blog, afinal oferece mais informações que apenas listar os países por impacto e destacar um ou outro país.

Para o PIB per capita peguei os dados do Banco Mundial corrigidos por paridade de poder de compra. A medida de impacto foi mais complicada, usei o CWTS Leiden Ranking para 2019 (link aqui) e considerei uma medida que calcula a proporção de artigos publicados por professores da universidade que estão entre os dez mais citados da área no ano e o total de artigos publicados. Não tenho um motivo forte para a escolha, mas vale dizer que o professor Marcelo Hermes usa esse critério em alguns textos e é o indicador que aparece na página do ranking. Na sequência agrupei os dados por país e calculei a média, desta forma meu indicador pega a média do impacto das universidades do país que constam no ranking.

A primeira figura mostra o resultado para todas as áreas de conhecimento. O impacto da pesquisa brasileira fica abaixo da reta, ou seja, é menor que o esperado se considerarmos apenas o PIB per capita e fica abaixo da área azulada que representa o intervalo de confiança de 95% em torno do valor estimado. Embora não seja um desastre, repare que ficamos melhores que Argentina, México e Japão, o resultado corrobora a tese que o impacto da pesquisa realizada no Brasil é baixo.



Como os dados permitem reproduzir o exercício acima por área de conhecimento resolvi checar os desempenhos de cada área. A primeira foi de biomédica e ciências da saúde (Biomedical and health sciences). O desempenho do Brasil nessa área é um pouco pior que o geral, ainda assim ficamos acima do México, embora colados na Argentina e abaixo do Japão.




A segunda área avaliada foi ciências da vida e da terra (Life and earth sciences). Nessa área o desempenho da pesquisa realizada nas universidades brasileiras, embora fique abaixo do esperado, fica dentro do intervalo compatível com nosso PIB per capita.




Na área de matemática e ciência da computação (Mathematics and computer science) o desempenho do Brasil é praticamente igual ao desempenho esperado para o nosso PIB per capita. Continuamos acima de Argentina. México e Japão e encostamos no Chile e na África do Sul.




A área de física e engenharias (Physical sciences and engineering) repete o padrão encontrado nas ciências da vida e da terra com um impacto abaixo do previsto pelo PIB per capita, porém dentro do intervalo de confiança.




A última área com dados disponíveis é a de ciências sociais e humanidades (Social sciences and humanities). Mais uma vez estamos dentro do intervalo de confiança, mas ficamos abaixo do valor previsto. O impacto da pesquisa brasileira nessa área ficou acima de Argentina, México e Japão e muito próximo do Chile.




A análise por áreas mostra que em apenas uma área, biomédica e ciências da saúde, a pesquisa realizada nas universidades brasileiras ficou fora do intervalo previsto considerando apenas o PIB per capita do país. Não é um resultado para comemorar, mas está longe de um desastre. Um refinamento da análise que considere o gasto por pesquisador, a inserção das universidades locais em redes internacionais de pesquisa ou a qualidade do ensino básico no país deve ser capaz de jogar luz em pontos importantes que passaram batido nesse post. Até lá creio que devemos pensar em reformas que levem a um aumento do impacto da pesquisa realizada em nossas universidades, porem com cuidado para não jogar o bebê fora junto com a água do banho.


Um comentário:

  1. Oi Roberto, como vc obteve os valores de impacto dos países usando o Leiden? Eu so consigo achar por universidade. Grande abraço!

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