Não creio ser útil ou necessário lembrar meu rosário de
críticas ao desenvolvimentismo, o interessado pode pesquisas no blog que vai
encontrar esse tipo de material em abundância, de fato, uma das razões que
levou a criação desse blog foi tentar se contrapor a onda desenvolvimentista
que dominava até meados da década passada. Entretanto tem um ponto que Ciro Gomes
levantou ontem na entrevista na Globonews que é caro a muitos
desenvolvimentistas e que quero comentar nesse post. Menos do que uma crítica
ao desenvolvimentismo a questão que vou tratar é uma dúvida a respeito da viabilidade
da proposta.
Ciro Gomes em um dado momento afirmou que países não crescem
com poupança externa, na prática isso significa que se for presidente Ciro
pretende que nosso crescimento seja financiado com nossa poupança. O problema é
que a taxa de poupança no Brasil está na casa dos 16%, suficiente para
financiar o investimento atual, mas muita baixa para financiar o investimento
necessário para começar um período de crescimento sustentável. O leitor que
estiver pensando que isso é efeito da crise está parcialmente correto, mas mesmo
na época de bonança na virada da década a taxa de poupança no Brasil nunca
passou dos 20%, ainda baixa para financiar uma experiência asiática.
Desta forma quando Ciro Gomes, ou quem quer que seja, afirma
que vai fazer o Brasil retomar o crescimento e que esse crescimento não será
financiado por poupança externa o que está sendo prometido é um aumento expressivo
da taxa de poupança no Brasil. Como aumentar a taxa de poupança? Essa é a
questão do post. Tudo ainda fica ainda mais difícil quando quem promete o
aumento da taxa de poupança também promete manter ou aumentar a rede de proteção
social. É muito difícil conciliar uma ampla rede de proteção social com altas
taxas de poupança, isso acontece por vários motivos, dentre eles: (i) a
manutenção da rede de proteção social demanda gastos do governo e assim força a
poupança do governo para baixo, (ii) os gastos do governo são parcialmente
financiados por impostos retirados de famílias e empresas, os altos impostos
reduzem a renda disponível o que, tudo mais constante, deve levar a uma redução
na taxa de poupança, (ii) a rede de proteção social oferece seguros que substituem
a necessidade de poupar, para entender essa lógica considere que se você tem um
carro e adquire um seguro contra roubo não há razão para fazer uma poupança
para repor o carro em caso de roubo.
Os países da Ásia que conseguiram altas taxas de poupança de
forma a não necessitar de financiamento externo fizeram isso com uma baixa rede
de proteção social e com menos impostos que o Brasil. Por conta disso a poupança
desses países, pública e/ou privada, é alta. Aspectos culturais podem até ter
alguma relevância nessa história, mas incentivos econômicos importam. De fato,
mesmo as sociais democracias europeias, como a Alemanha citada por Ciro Gomes, possuem
baixas de taxas de poupança quando comparada à dos países asiáticos.
A figura abaixo mostra a taxa de poupança média entre 1970 e
2016 para países da Ásia, para o Brasil e para algumas sociais democracias europeias.
Note que os grupos são quase que perfeitamente separados com os países da Ásia
na parte de cima, taxas de poupança mais altas, e os países da Europa na parte
de baixo, taxa de poupança mais baixa. Apenas a Noruega quebra o padrão,
fenômeno que provavelmente está relacionado ao petróleo que, na Noruega dos últimos
dez anos a renda do petróleo correspondeu a cerca de 6,5% do PIB contra cerca
de 1,6% no Brasil. Repare que o Brasil está encaixado na turma da Europa e bem
fora da turma da Ásia.
Uma comparação dos países do Leste da Ásia e Pacífico (East
Asia & Pacific), área do Euro (Euro area) e Brasil ajuda a reforçar o ponto
que a taxa de poupança não é só função da renda, a figura abaixo faz essa
comparação. Na figura fica claro que a taxa de poupança no Brasil está longe da
taxa de poupança da Ásia, de fato desde a estabilização e do processo de
aumento do gasto social nossa taxa de poupança está abaixo da dos países da
Europa. Se fosse por renda média o Brasil (PIB corrigido por PPC de $14,077) deveria
estar mais próximo do Leste da Ásia e Pacífico ($15,778) do que da Área do Euro
($38,859).
De forma grosseira o Brasil deixa de financiar investimento
para financiar a rede de proteção social. Aqui não é uma questão de juízo de
valor, cabe a cada um decidir o que prefere e tentar influenciar (ou não) a
política na direção do que deseja. Pelo menos da maneira como eu vejo as coisas
a escolha entre taxa de poupança e rede de proteção social, principalmente em
um país de renda média ou média-alta, é um fato.
Se Ciro Gomes for eleito o caminho que ele propõe o levará a
uma encruzilhada, em algum momento ele vai ter de decidir se quer que o Brasil
siga o caminho do modelo asiático com altas taxas de poupança e baixa proteção
social ou se vamos seguir o caminho de reforçar a rede de bem-estar social do
país as custas de redução do investimento público e da poupança interna. No
fundo, sei que alguns não vão acreditar, esse é o dilema entre escolher o desenvolvimentismo
e o “neoliberalismo” do Consenso de Washington. Pode ser que alguém diga que é
possível fazer as duas coisas, de certa forma Lula e depois Dilma tentaram isso
a partir de 2006, deu muito errado. Talvez Ciro Gomes e seus economistas acreditem
que deu errado por falta de competência ou habilidade dos governos petistas, eu
acredito que deu errado porque não tinha como dar certo.
P.S. Se alguém estiver incomodado com o longo período da primeira figura talvez queira saber que eu fiz com períodos menores, em particular com o período das décadas de 80 e 90, mas não achei válido colocar no post pois acrescentam muito pouco para o objetivo do post.
Gostaria de fazer uma pergunta boba e que provavelmente não tem pé nem cabeça. Não seria o caso de rediscutirmos a forma de gestão desses instrumentos que arrecadam na forma de impostos ou que tenham natureza compulsória, como é o caso do FGTS, que é uma poupança forçada, o PIS/PASEP e outros? Um rendimento que não te paga a inflação é ofensivo.
ResponderExcluirNão seria hora de pensarmos num plano para criar empresas de gestão desses recursos, privatizando-as, exigindo dos bancos uma rentabilidade X, para tentar aumentar a taxa de poupança combinado com a reforma da previdência?