domingo, 31 de julho de 2016

Algumas características dos países que cresceram muito e dos que cresceram pouco entre 1990 e 2014

Estava analisando a nova versão da Penn World Table (link aqui) e resolvi fazer uma comparação rápida entre os países que mais cresceram e os países que menos cresceram entre 1990 e 2014. Para comparação considerei apenas os países que tinham mais de cinco milhões de habitantes em 1990. Dentre as diversas variáveis disponíveis escolhi as que não apresentam, ou não deveriam apresentar, tendência para não ter problemas em usar médias em um período de mais de vinte anos. Infelizmente a PWT não tem anos médios de estudo, uma variável que eu gostaria de ter usado, a medida de capital humano da PWT considera anos de estudo e rendimento do capital humano, o que é padrão na literatura, mas como o efeito combinado destas duas variáveis exigiria cuidados que não caberiam nesse post optei por deixar de fora o capital humano. Também deixei de fora a taxa de crescimento da produtividade total dos fatores, para incluir esta variável eu teria de abrir mão de muitos países.

No final fiquei com cinquenta e oito países e considerei as seguintes variáveis: horas médias trabalhadas, taxa de investimento, tamanho do governo definido como a  proporção do consumo do governo no PIB e grau de abertura. Repare que não considerei o PIB per capita em 1990, alguns modelos sugerem que o PIB per capita do ano inicial é a variável mais importante para explicar a taxa de crescimento nos anos seguintes, outros dizem que o PIB per capita inicial não é tão importante, nenhum recomendaria deixar de fora o PIB per capita inicial para modelar taxa de crescimento. Como o objetivo do post é matar uma curiosidade minha e nem de longe é propor um modelo para explicar taxa de crescimento resolvi deixar de fora o PIB per capita inicial, assim espero que ninguém comente o post come se houvesse algum objetivo de propor um modelo capaz de explicar crescimento.

Para definir os grupos separei os países em quatro grupos do país de menor crescimento para o país de maior crescimento. Considerei como crescimento baixo os países do primeiro grupo e como crescimento alto os países do último (quarto) grupo. A tabela abaixo mostra a média de cada variável por grupo de países.


Grupos
Variável
Baixo
Alto
Horas médias trabalhadas por ano
1.885
2.024
Taxa de Investimento
16,77%
18,99%
Gasto do Governo/PIB
21,41%
18,21%
Grau de Abertura
17,75%
19,93%

Considerando a tabela acima podemos concluir que nos países que mais cresceram entre 1990 e 2014 as pessoas trabalharam mais, as empresas investiram mais, o governo consumiu menos em relação ao PIB e a economia foi mais aberta do que nos países que cresceram menos. Isso quer dizer que se um país trabalhar mais, investir mais, reduzir o tamanho do governo e se expor mais ao comércio esse país vai crescer mais? Não, ou seja, sim, mas não por conta da tabela acima. Existe uma literatura significativa a respeito de crescimento econômico que justifica que a resposta seja sim, como costuma ser o caso a resposta não é unânime, mas creio ser justo dizer que a maior parte da literatura suporta o que estou dizendo.

Para o leitor mais exigente apresento abaixo uma comparação da distribuição de cada uma das variáveis entre os países de alto crescimento e baixo crescimento. O retângulo mostra os valores medianos para grupo, abaixo do retângulo estão os 25% menores valores observados e acima do retângulo estão os 25% maiores valores observado, a linha em negrito dentro do retângulo representa mediana de cada grupo. Os pontinhos acima e abaixo das retas são valores extremos e a bola azul é a média de cada distribuição. O nome desse tipo de representação é boxplot, já usei outras vezes aqui no blog por ser uma maneira simples de representar características importantes de uma distribuição.

Comecemos com a distribuição de horas trabalhadas. Nos países que cresceram muito as pessoas trabalham em média 2014 horas por ano, nos países que cresceram pouco foram em média 1885 horas trabalhadas por ano. A figura abaixo mostra que também a mediana também foi maior nos países de alto crescimento. Note também que o caso extremamente alto que ocorreu nos países de baixo crescimento seria normal nos países de alto crescimento. Por fim repare que existem mais casos extremamente altos no grupo de países de alto crescimento do que no grupo de países de baixo crescimento.




A próxima variável é a taxa de investimento. Repare que os países que cresceram mais também investiram mais, nenhuma surpresa, repare também que vários países do grupo de crescimento alto tiveram valores extremos para taxa de investimento. Por conta disso o leitor talvez queira ver as densidades, a figura seguinte atende a curiosidade do leitor. Repare que os países de baixo crescimento (em laranja) são mais frequentes nas baixas taxas de investimento, à medida que a taxa de investimento aumenta as barras laranjas vão ficando maiores, depois ocorre uma pequena reversão, e nas taxas mais altas de investimento as barras laranjas praticamente desaparecem.







Na sequência vem o consumo do governo como proporção do PIB. Repare que dessa vez é o grupo de crescimento baixo que está cheio de valores extremos altos, ou seja, vários países onde o governo gasta demais em comparação com o da amostra. A figura seguinte é equivalente à do caso anterior, porém agora repare que são as barras verdes que desaparecem nos valores mais altos deixando apenas as barras laranjas, apenas países do grupo de baixo crescimento tiveram governos consumindo mais de 50% do PIB.







A última variável é o grau de abertura. Talvez essa tenha sido a variável mais confusa, ambas as distribuições apresentaram muitos valores extremos, alguns países do grupo de crescimento baixo apresentaram valores para o grau de abertura maiores que os dos países de crescimento alto. Porém ainda vale que tanto a média quanto a mediana do grupo de países de alto crescimento são maiores que as do grupo de países de baixo crescimento.


O post não permite dizer que o segredo do crescimento seja trabalhar muito, investir muito, ter um governo menor e abrir mais a economia, porém definitivamente o post mostra que os países que cresceram mais, em média, trabalharam mais, investiram mais, tinham governo menores e economias mais abertas. Cada um que tire suas conclusões.

4 comentários:

  1. A primeira tabela mostra o oposto do que você disse para horas trabalhados e taxa de investimento. Os países que menos cresceram trabalharam mais e investiram mais, conforme sua tabela.

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    1. Estava errado na tabela, muito obrigado por avisar. Já corrigi.

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  2. Parabéns por mais um belo texto.Estou cada dia mais confuso do que realmente leva uma nação ao crescimento.Tudo leva crer que estes fatores que citastes tem tudo haver.No livro do A. Sacchida diz que o que leva o crescimento são as instituições-liberdade econômica.Há uma teoria das instituições extrativistas e inclusivas, e por aí vai.Gosto muito de olhar para nações que foram devastadas e hoje são potencias mundiais como Japão e Alemanha por exemplo.Quando comparamos Coreia e Brasil é só triteza.Qual o segredo dessas 3 nações que deram certo e o segredo do nosso fracasso?De outro lado, se não sei o que leva ao crescimento, sei de um exemplo fadado ao descrescimento:O Brasil.
    Abraços!!!

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  3. Países ricos tendem a trabalhar menos, a ter Estados enormes, e não necessariamente investem muito. Ainda assim têm produtividade altíssima, o que é resultado do capital humano e de instituições eficientes. Países de renda média podem ter arranjos distintos, como estados grandes e alto investimento, embora trabalhem mais. E apresentam níveis diversos de crescimento, o que normalmente depende do tipo de instituições e da qualidade (não da quantidade) do Estado e de sua relação com o setor privado.
    Enquanto isso, países de renda muito baixa provavelmente trabalham muito, investem muito como proporção do PIB, têm Estados minúsculos e provavelmente podem conviver com taxas médias de crescimento altíssimas no médio prazo.

    Controlando para a renda, certamente esse seria o resultado. Isso quer dizer que o bom mesmo é ser a somália?

    Embora o post argumente e lembre, corretamente, que não dá para propor nem de perto algo como um modelo de crescimento sem considerar a renda per capita inicial, a conclusão insinua que países que trabalham mais e tem estados menores tendem a crescer mais. Cá pra nós, a insinuação é fraca e não se sustenta. O nó da questão estava exatamente nas variáveis que deixaram de ser consideradas.

    O nome disso em lógica é petição de princípios. Aliás, tecnicamente nem isso. Pois a conclusão contraria argumentos que estavam explicitamente no texto.

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