O livro Capital in the
Twenty-First Century é certamente o livro do momento entre economistas e
demais interessados em temas como distribuição de renda, crescimento econômico e
economia política no sentido tradicional do termo. Não vou repetir o que outros
já fizeram com mais competência e comentar o livro. Para os interessados basta uma busca na internet para
encontrar tantas resenhas quantas queiram. Da resenha favorável feita por Paul
Krugman (link aqui) até os comentários mais críticos feitos por Gregory Mankiw
(link aqui) e passando por ninguém menos que Robert Solow (link aqui) é possível
encontrar comentários sobre o livro que atendam a todos os gostos, recomendo
que leiam todos e, se puderem, leiam o livro. Para os que preferem ler em português
a Folha de São Paulo publicou um texto do Paul Krugman sobre o livro (link
aqui) e tem as resenhas e os comentários de autores nacionais como Rodrigo
Constantino (link aqui) e Carlos Góes (link aqui).
Como podem perceber estou atrasado para fazer minha própria
resenha. Porém farei uma pequena provocação ao livro sobre um ponto que imagino
tenha chamado atenção de economistas que dedicam seu tempo para entender ou
pelo menos acompanhar a economia brasileira. Como ainda não vi ninguém trazer
este ponto, eu quero crer que desta vez não estou atrasado. Um dos resultados
que mais chamam atenção no livro é que o autor encontra uma condição que
caracteriza um processo de concentração de renda. A condição é que a taxa de
juros seja maior que a taxa de crescimento da economia. A lógica parte da
suposição que a taxa de juros representa de forma aproximada a taxa de
crescimento do capital. Se o capital cresce mais rápido do que a renda como um
todo então a renda dos capitalistas acaba ficando maior em relação à renda dos
trabalhadores. O resultado do processo é um aumento da concentração de renda.
Piketty argumenta que isto ocorreu no período anterior às Guerras Mundiais e
que está acontecendo novamente. Esta explicação para o processo de concentração
de renda foi criticada por Mankiw que, de forma bastante apropriada, lembrou
que a condição da taxa de juros ser maior que a taxa de crescimento, seguindo
Piketty passarei a chamar essa condição de r > g, nada mais é que a condição
para eficiência dinâmica.
Mas não estou escrevendo para repetir a crítica do Mankiw.
Estou escrevendo para lembrar que existe pelo menos um caso onde a condição r
> g foi observada por um período longo e ocorreu redução da desigualdade. O
caso somos nós, isto mesmo, o Brasil. A taxa de juros ficou acima da taxa de
crescimento da economia em todos os anos desde 2003 (na realidade também era
antes de 2003, escolhi o período posterior a 2003 por ser o período que a queda
na desigualdade foi mais festejada e comentada), porém em todos os anos o índice
de Gini, que mede a concentração de renda, caiu em relação ao ano anterior. A
figura ilustra este fenômeno.
As barras azuis mostram a diferença entre a taxa de juros e
a taxa de crescimento, r – g, e a linha vermelha mostra o índice de Gini. A
menor diferença entre r e g aconteceu em 2010. Durante três anos a diferença
ficou acima de 10% e na maior parte dos anos ficou acima de 8%. Mesmo assim a desigualdade
caiu. Alguém podia dizer que a queda da desigualdade decorreu de políticas de transferência
de renda patrocinadas pelo governo, seria como se o governo estivesse contrapondo
a tendência de concentração imposta pela condição r > g. O problema é que o
pessoal que estuda desigualdade e pobreza já nos mostrou que a maior parte da
redução da desigualdade ocorrida neste período foi devida a salário, também é
fato documentado que a participação da renda do trabalho aumentou no período.
Como fica a teoria de Piketty à luz dos dados brasileiros? A
teoria não se aplica ao Brasil? Alguma especificidade de nossa economia impediu
o resultado previsto de ocorrer? Existem outros países que seguem o mesmo
padrão que o Brasil? A teoria de Pikkety está errada? Dúvidas...
ADENDO
André Bueno Castro me cobrou no FB o uso da Selic e não de uma taxa real, ele está certo. Calcular juros reais é tarefa delicada, dentre as opções acessíveis para um post em um blog a mais razoável seria pegar a Selic no início de cada ano e descontar a inflação esperada para o ano, peguei um caminho mais simples e mais sujeito a críticas. Usei a Selic do final do ano, são os valores que estão na figura original, e descontei a inflação. Feito o ajuste o único ano com r- g <0 é 2010. A figura abaixo repete a figura do blog ajustada pela inflação.
A escolha do período não foi descuido nem preguiça, optei por evitar polêmica e peguei só o período pós-2003. Estritamente falando a queda do Gini começou em 1997, no período 1997 a 2003 a taxa de juros ficou bem acima da taxa de crescimento, na realidade os valores de r - g para 1997 e 1998 são tão altos que distorcem o gráfico. De toda forma para os que ficaram curiosos segue o gráfico para o período 1998 a 2012.
*Como os dados do Ipeada não apresentam o Gini para 2000, o valor do Gini deste ano é uma média entre o de 1999 e 2001.
ADENDO
André Bueno Castro me cobrou no FB o uso da Selic e não de uma taxa real, ele está certo. Calcular juros reais é tarefa delicada, dentre as opções acessíveis para um post em um blog a mais razoável seria pegar a Selic no início de cada ano e descontar a inflação esperada para o ano, peguei um caminho mais simples e mais sujeito a críticas. Usei a Selic do final do ano, são os valores que estão na figura original, e descontei a inflação. Feito o ajuste o único ano com r- g <0 é 2010. A figura abaixo repete a figura do blog ajustada pela inflação.
A escolha do período não foi descuido nem preguiça, optei por evitar polêmica e peguei só o período pós-2003. Estritamente falando a queda do Gini começou em 1997, no período 1997 a 2003 a taxa de juros ficou bem acima da taxa de crescimento, na realidade os valores de r - g para 1997 e 1998 são tão altos que distorcem o gráfico. De toda forma para os que ficaram curiosos segue o gráfico para o período 1998 a 2012.
*Como os dados do Ipeada não apresentam o Gini para 2000, o valor do Gini deste ano é uma média entre o de 1999 e 2001.
Parabéns, Roberto, pela percepção. Talvez sem querer tenhas observado uma falha na metodologia do festejado autor. Publicarei amanhã em meu Facebook.
ResponderExcluirBruno Marciano
Eu não recomendo a leitura. Um besteirol infinito.
ResponderExcluirkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
ExcluirRoberto,
ResponderExcluirNo segundo parágrafo, nessa frase - "Esta explicação para o processo de concentração de renda foi criticada por Mankiw que, de forma bastante apropriada, lembrou que a condição da taxa de juros ser maior que a taxa de crescimento," não tem lago que vc esqueceu de colocar?
Porque logo em seguida vc começa "seguindo Piketty passarei..."
Ficou estranho, reconheço. Talvez o aposto tenha ficado muito grande e tenha comprometido o entendimento da frase. Assim fica mais claro:
Excluir"Esta explicação para o processo de concentração de renda foi criticada por Mankiw que, de forma bastante apropriada, lembrou que a condição da taxa de juros ser maior que a taxa de crescimento nada mais é que a condição para eficiência dinâmica. Seguindo Piketty chamarei a a condição de r > g."
Abs.
E os 278% de aumento do salário mínimo, queda record do desemprego e elevação da renda média do Brasil Pós-Lula? Além dos efeitos do Bolsa Família?
ResponderExcluirExistem muitas possíveis explicações. O objetivo do post não foi questionar as razões para queda na concentração de renda no Brasil, o objetivo foi questionar se r > g é uma condição para aumento de concentração de renda.
ExcluirProfessor Ellery, será possível usar o comportamento recente da economia brasileira como teste para as idéias de Piketty (r>g => aumento de desigualdade) considerando a "contaminação" do comportamento dos salários no Brasil por políticas governamentais (aumento do salário mínimo, aumentos para o funcionalismo, bolsa família reduzindo a oferta de trabalho)?
ResponderExcluirÉ possível, mas não é tão simples. Ocorreu um aumento no salário médio e não apenas no salário mínimo. Como não ocorreu um aumento no desemprego é razoável supor que o aumento do salário não foi forçado. Neste caso seria possível conciliar r > g com aumento da participação da renda do trabalho vis-a-vis a do capital sem necessariamente recorrer a intervenção do governo. O desafio é explicar o aumento do salário médio acima da produtividade do trabalho sem gerar desemprego.
ExcluirPô, a matéria do Rodrigo Constantino não é para ser levada a sério, é pura ideologia descontrolada de quem não leu e não gostou. Os argumentos em economia têm que ser mais robustos. Viu a matéria que saiu na Piauí sobre a teoria dele no Brasil? Um dos problemas do modelo dele é tartar de uma economia fechada.
ResponderExcluirhttp://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-92/tribuna-livre-da-luta-de-classes/o-homem-capital
Mas aí eu coloco link para resenhas do Solow, do Krugman e do Mankiw e você vai olhar a do Constantino?
ExcluirNão vi a matéria da Piauí, vou olhar. A resenha do Carlos Goes, no Mercado Popular, está boa. Até agora foi a melhor que li em português, porém não li muitas.
Professor, só agora me veio uma coisa na cabeça: o índice de Gini que vc usou mede a desigualdade na renda total ou só na renda do trabalho? Se for só da renda do trabalho complica, porque pelo que eu entendi (ainda não li o livro, só resenhas) o busílis do Piketty é que a renda do capital cresce muito quando r>g. Então se o Gini for construído só com renda do trabalho não vai captar mesmo. Abs.
ResponderExcluirÉ uma boa questão. Em tese o índice de Gini pega todas as rendas, ocorre que ele é calculado a partir da PNAD e existem várias críticas quanto à capacidade da PNAD de medir a renda do capital. Isto porque a PNAD é uma pesquisa por amostragem domiciliar que pergunta a renda e muitas vezes as pessoas não reportam a renda do capital. Por outro lado é o único indicador que temos. Quando escrevi o post não tinha pensado nisto, por isto não fiz referências. A discussão apareceu em outro post no grupo Economia do FB, é uma discussão relevante. Porém uma coisa é certa, se a concentração de renda no Brasil está aumentando muito do que foi escrito sobre a economia brasileira das últimas décadas terá de ser repensado.
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