sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Crescimento e Inflação nos governos FHC, Lula e Dilma: Tem algo de errado no governo da presidenta!

De uns tempos para cá um esporte muito praticado no Brasil é comparar os governos do PSDB e do PT. Vou entrar no jogo, mas vou usar uma abordagem ligeiramente diferente, meu ponto é que Lula e FHC fizeram governos com muitas semelhanças e Dilma destoou dos dois. Na realidade a inflexão começou no segundo mandato de Lula, despontou com o PAC e ganhou força com o combate a crise, mas só se revelou claramente como uma agenda de contra reformas no governo Dilma.

Para fins de análise vou usar taxa de crescimento e inflação, duas variáveis que sempre estão entre as mais citadas nas páginas de economia dos diversos jornais e nos discursos de críticos e defensores (ainda existe algum?) da política econômica de Dilma. Nos dois mandatos de FHC a economia cresceu a uma taxa média de 2,31% ao ano, nos dois mandatos de Lula cresceu a uma taxa de 4,05% ao ano e no mandato de Dilma, considerando 2011 e 2012, cresceu a uma taxa de 1,8% ao ano. A inflação média dos oitos anos de FHC foi de 9,25% ao ano, nos oitos anos de Lula foi de 5,79% ao ano e nos dois anos de Dilma foi de 6,17%. Os números de Lula e FHC são conhecidos e foram temas de debates na campanha de 2010. A campanha de Lula, como era de se esperar, explorou o fato que Lula governou com maior crescimento e menor inflação que FHC. A campanha de Serra também explorou este fato, mas por razões que desconheço e espero que algum dia alguém me explique.

Agora que estamos longe da próxima campanha podemos contextualizar um pouco mais estas comparações. Vou inserir dois fatores na análise: (i) Lula governou em um período onde todos os países emergentes cresceram mais do que no período FHC e (ii) Dilma só governou por dois anos da amostra (1995 a 2012) e não se pode comparar dois anos com oito anos, mas é possível comparar estes dois anos com os primeiros dois anos de FHC e Lula. A figura abaixo ilustra o primeiro fator.




Note que durante os anos de FHC as economias emergentes como um todo cresceram menos do que os anos de Lula e Dilma. Para colocar em números os países emergentes cresceram a uma taxa média de 4,2% no primeiro mandato de FHC, 4,5% no segundo mandato de FHC, 7,4% no primeiro mandato de Lula, 6,3% no segundo mandato de Lula e 5,2% nos dois anos de Dilma. Ocorre que as economias emergentes incluem um grande número de países que são bastante heterogêneos entre sim, os países emergentes da Ásia, China à frente, crescem a taxas absurdamente altas e que países como o Brasil dificilmente vão conseguir acompanhar pelo simples fato que não são tão pobres como a China e não estão dispostos a aceitar um governo autoritário que priorize o crescimento. Falei sobre isto em momento de loucura nacional onde alguns acreditaram que estávamos começando um período de crescimento Chinês.

Um conjunto de países mais comparáveis são os países da América Latina. Em termos de PIB per-capita o Brasil não se destaca nem como muito rico nem como muito pobre e em termos políticos o Brasil segue o padrão do Continente de estar tentando construir uma democracia após passar por uma ditadura focada no crescimento econômico. Claro que existem diferenças importantes entre os países da América Latina, mas, na falta de um conjunto perfeito de comparação, é o conjunto que vou usar. A figura acima mostrou a comparação governo a governo, para evitar o tédio vou consolidar os governos Lula e FHC. No governo FHC o Brasil cresceu a uma taxa de 2,31% e a América Latina cresceu a uma taxa de 2,23%, no governo Lula o Brasil cresceu a uma taxa de 4,05% e a América Latina cresceu a uma taxa de 4,12%. Pode-se então afirmar que tanto sob Lula quando sob FHC a economia brasileira cresceu a mesma taxa que a América Latina. Nos dois anos de Dilma o Brasil cresceu a uma taxa de 1,8% ao ano e a América Latina a uma taxa de 3,79% ao ano, mais que o dobro do Brasil!

Mas é bom evitar conclusões apressadas. Note que nos primeiros mandatos de FHC e de Lula o Brasil cresceu menos que a América Latina, mais ainda, olhando ano a ano nos inícios dos primeiros mandatos de FHC e Lula o Brasil cresceu bem menos que a América latina. Seria então um padrão crescer menos que a América Latina nos dois primeiros anos de governo e recuperar depois? Por quê? A teoria dos ciclos políticos pode apresentar uma resposta sofisticada a esta pergunta, não segurei este caminho. Tomarei uma rota mais simples e vou tentar mostrar porque FHC e Lula “forçaram” uma recessão nos primeiros anos de seu governo. Para isto vou colocar inflação na história.

FHC iniciou seu primeiro mandato em 1995, no ano anterior o Brasil tinha começado uma tentativa séria de acabara com a hiperinflação que desgraçava o país desde a década de 1980. Em 1994 a inflação no Brasil foi de 916,4%! FHC tomou posse com um grande objetivo: acabar de vez com a inflação. Em 1995 a inflação foi de 22,4% ao ano caiu para 1,65% em 1998 e voltou a subir até o pico de 12,5% em 2002 (último ano de seu mandato). De ponta a ponta FHC reduziu muito a taxa de inflação do Brasil e isto teve um custo. Lula recebeu o país com uma inflação de 12,5% ao ano. Um número baixo para os padrões da década de 1980, mas muito alto para os padrões civilizados que o Brasil buscava no início do século XXI. Assim como FHC, Lula foi obrigado a priorizar o combate à inflação no início de seu governo. De fato a inflação sob Lula começou a cair, chegou a um mínimo de 3,1% em 2006 e terminou em 5,9% em 2010. A figura abaixo ilustra esta história.




Note que entre 1995 e 2010 se observou um padrão de queda do produto (descontado o crescimento médio da América Latina) junto com queda da inflação. O padrão não é observado apenas no governo Dilma. Nos dois anos de Dilma observou-se uma redução significativa do crescimento em relação à América Latina sem que ocorresse uma queda da inflação. O que mudou de Dilma para FHC e Lula? Muita coisa, ao tomar posse Dilma deixou claro que seu compromisso era com o crescimento da indústria, até aí ainda vai, e que as políticas monetária (câmbio e inflação) e fiscal seriam usadas para incentivar a indústria. O foco saiu da estabilidade monetária e equilíbrio fiscal e passou para o desenvolvimentismo, o resultado da mudança foi clara: recessão sem redução de inflação. Espero que a presidente retorne ao caminho de FHC e Lula antes que seja muito tarde, mas temo que já seja muito tarde.

5 comentários:

  1. Robertão,
    Estou com 2 dúvidas, que não tem nada a ver com o post, e a única pessoa que conheço que pode acabar com elas é você.
    É sobre o modelo IS-LM e à curva de Phillips.
    Minhas duas perguntas são:
    Suposto: hipótese de expectativas adaptativas.
    1. Existe trade-off entre inflação e desemprego somente no curto prazo?
    2. No longo prazo, a curva de Phillips é vertical?
    Muito obrigado por qualquer resposta e desculpa aí a minha falta de vergonha na cara pela pergunta nada a ver.
    PS. Se você tiver um bom texto aí que explique esse assunto, por favor, envie para manelimgatao@gmail.com

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    1. Caro,

      A maneira mais simples de pensar a Curva de Phillips é uma relação do tipo:

      pi_t = pie_t - b(u_t - un) + v

      onde pi_t é a inflação no período t, pie_t é inflação esperada no período t, b é uma constante, u_t é a taxa de desemprego em t, un é a taxa natural de desemprego e v é um choque aleatório.

      A Curva de Phillips será vertical ou não a depender de pie_t. Em mundo onde todo mundo sempre acerte a inflação (previsão perfeita) temos que pie_t = pi_t e a taxa de desemprego será un + o choque. É o caso extremo de Curva de Phillips vertical. Em outro mundo onde a expectativas nunca se ajustem, pie_t = pie ~= pi, sempre haverá o trade-off entre inflação e desemprego. No primeiro mundo as pessoas são absurdamente racionais e sabem de tudo, no segundo mundo as pessoas são absolutamente estúpidas.

      Os casos extremos são úteis para ilustrar o mecanismo da Curva de Phillips, quanto mais as pessoas anteciparem (e se ajustarem, mas aí é outra conversa) a inflação menor será o trade-off, ou seja, mais vertical será a Curva de Phillips.

      Para responder sua pergunta vou colocar um mecanismo simples de expectativas adaptativas: pie_t = pi_t-1, a expectativa de inflação será igual a inflação passada. Neste caso a Curva de Phillips será dada por:

      pi_t = pi_t-1 - b(u_t - un) + v

      para simplificar façamos v=0. A Curva de Phillips poderá ser escrita como: pi_t - pi_t-1 = -b(u_t - un) > 0 se u_t < un. Para manter o desemprego abaixo de un não basta aceitar inflação alta, é preciso acetar inflação crescendo (pi_t > pi_t-1). Note que o trade-off será entre aceleração da inflação e desemprego e não mais entre inflação e desemprego.

      A existência de trade-off no longo prazo depende de como as pessoas antecipam a inflação e como se ajustam. Quanto mais antecipar e quanto mais se ajustar menor o trade-off. Acredito que 99% dos economistas concordam que se o BC anunciar um aumento da inflação para daqui a 20 anos este aumento não terá efeito nenhum no emprego, mas se for um anúncio para daqui a 1 ano haverá polêmica. É sempre possível argumentar que alguns preços não poderão se ajustar e haverá mudanças de preços relativos o que pode causar mudanças no emprego.

      Creio que o livro de macroeconomia do Mankiw é o melhor livro para um primeiro contato com este tema, mas qualquer bom manual de macroeconomia explica estas coisas.

      Abraço

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    2. Robertão,
      Ainda bem que você não disse: “com essa idade e ainda picareta, Manelim?”.
      Vou levar uns 180 dias pra digerir essa resposta.
      Pelo que (se) entendi, a resposta é DEPENDE para as duas perguntas.
      Vou dar uma olhada no Mankiw pra ver se digiro sua resposta em 120 dias.
      Abraços e muito obrigado de coração!

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  2. Roberto,

    Como utilizar o conceito da Curva de Phillips para comparar o Governo FHC com o Governo Lula?

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    1. Uma maneira seria comparar a inflação associada a um determinado nível de desemprego em cada governo, grosso modo, estou falando de comparar a "altura" de cada Curva de Phillips. Pretendo fazer algo do tipo no post sobre inflação na série comparando a Aliança do Pacífico e o Mercosul.

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