O Brasil tem um banco de desenvolvimento que está entre os
maiores do mundo, até onde pude apurar só perde para o da China, para que o
leitor tenha ideia do tamanho do BNDES basta ter em mente que o BNDES empresta
por ano mais do que o Banco Mundial, um banco que financia investimento em
praticamente todo o mundo (link aqui). Com um banco de desenvolvimento tão
grande tendo como objetivo financiar o investimento no Brasil era de se esperar
que a taxa de investimento no Brasil se destacasse da taxa de investimento de
outros países. A guisa de exemplo a China, que possui o maior bando de desenvolvimento
do mundo, também tem uma das maiores taxas de investimento do mundo.
Tendo isso em mente fui buscar nos dados do FMI a taxa de
investimento entre 2011 e 2014, últimos cinco anos, de 170 países com dados disponíveis
e calculei a média da taxa de investimento de cada país nos cinco anos selecionados,
o objetivo de fazer a média de cinco anos é amenizar distorções causadas por um
só ano que tenha sido muito bom ou muito ruim para o investimento. No que segue
chamarei de taxa de investimento do país a média das taxas de investimento do
país entre 2011 e 2014. Olhando os dados a presença do BNDES não se reflete em
uma alta taxa de investimento no Brasil, pelo contrário, nossa taxa de
investimento é inferior à média da taxa de investimento dos países da amostra.
Enquanto a taxa de investimento média do mundo é de 24,03% e taxa de
investimento mediana é de 22,76% a taxa de investimento do Brasil é de 20,1%,
ou seja, não apenas estamos distantes da média como estamos na parte de baixo
da amostra, dito de outra forma, mais da metade dos países do mundo tem taxa de
investimento maior que a do Brasil.
A figura abaixo mostra a taxa de investimento dos diversos
países do mundo e qual a proporção de países com cada taxa. Repare que nossa
taxa de investimento, próxima ao 20 na figura, está junto da de vários países e
não se destaca em relação à taxa de investimento de outros países, no contexto
do gráfico se destacar seria ter uma taxa de investimento mais para direita.
Alguém poderia argumentar que a taxa de investimento média-baixa do Brasil é
explicada pela renda per capita brasileira que também é média baixa. Tal
argumento teria dois problemas básicos: a relação entre taxa de investimento e
PIB per capita não é significativa e a renda per capita do Brasil não é exatamente
média baixa. Segundo os dados do FMI em 2014 nossa renda per capita foi de US$
11.572,70, de fato estamos abaixo da média que é de US$ 14.370,80, porém nossa
renda per capita está acima da mediana que é de US$ 6.230,60. De toda forma a
presença do BNDES e principalmente o tamanho do BNDES deveria fazer com que
nossa taxa de investimento fosse alta dada nossa renda per capita, não é o
caso, para que o leitor tenha uma ideia a China tem uma renda per capita US$
7.571,5 e uma taxa de investimento de 46,7%.
Certamente existem outros fatores além da presença de um
banco de desenvolvimento gigantesco que explicam a alta taxa de investimento da
China, porém alguém poderia defender a existência de tal banco de
desenvolvimento apontando que o banco é um dos fatores que explicam a taxa de
investimento chinesa. Aqui no Brasil tal argumento não se aplica pelo simples
fato que não temos uma taxa de investimento alta. A figura abaixo mostra a
relação entre PIB per capita e taxa de investimento, lembre-se que não se trata
de uma relação significativa, o ponto laranja é o Brasil e o ponto verde é a
China., repare que enquanto a China claramente se destaca pela alta taxa de
investimento o Brasil está no meio de um aglomerado de países dos quais nenhum
tem um banco comparável ao BNDES para chamar de seu.
Seria o caso de dizer que sem o BNDES nossa taxa de
investimento fosse ainda menor? Talvez fatores culturais possam explicar a
baixa taxa de investimento no Brasil e, assim sendo, o BNDES está de fato
colaborando para elevar o investimento nacional. É difícil contrapor argumentos
desse tipo, países sempre tem especificidades que podem ser usadas para justificar
determinadas características. Governos fazem isso o tempo todo para justificar
performances ruins comparadas ao resto do mundo, curiosamente os mesmos
governos adoram comparar países quando as estatísticas parecem favoráveis.
Deixemos os governos de lado e voltemos ao argumento original, uma maneira de
abordar o problema é comparar com países semelhantes ao Brasil. No caso escolhi
os países do grupo América Latina e Caribe da base de dados do FMI. Fazendo o
gráfico entre taxa de investimento e PIB per capita apenas para esse grupo de países,
continue lembrando que a relação não é significativa, vemos novamente que o
Brasil não se destaca.
Como explicar que temos uma taxa de investimento mais para
baixa quando temos um dos maiores bancos de desenvolvimento do mundo? O que
está sendo feito com o dinheiro que o BNDES usa para financiar o investimento
no país? Uma resposta tentadora seria apontar para corrupção, mas não seria uma
boa resposta no sentido que deixaríamos sem explicação porque somos mais
corruptos que outros países. Prefiro seguir o argumento que o BNDES está apenas
substituindo o financiamento privado, tese que também é defendida pela OCDE
(link aqui). O investidor pode pegar o dinheiro no mercado ou pode pegar o
dinheiro no BNDES. Se pegar no mercado nacional vai pagar taxas de juros bem
mais altas que a cobrada pelo BNDES que atualmente é 7% (link aqui), repare que
a taxa cobrada pelo BNDES é menor do que a inflação prevista para 2015 e ligeiramente
superior a inflação prevista (até agora) para 2016. Se pegar o dinheiro no
exterior o investidor estará sujeito a riscos cambias. A escolha é fácil, as
condições do BNDES são tão atrativas que fazem com que os investidores via de
regra peguem o dinheiro no BNDES para financiar um investimento que, creio eu,
seria realizado do mesmo modo se não houvesse BNDES. Claro que posso estar
errado de forma que não haveria investimento sem o BNDES, nesse caso seria
preciso explicar porque outros países conseguem investir tanto ou mais do que o
Brasil sem ter um BNDES.
Seria o BNDES apenas inócuo? Não. A verdade é que o fato do
BNDES emprestar dinheiro a 7% não quer dizer que o custo do dinheiro no Brasil
é de 7%, a diferença entre o que o BNDES cobra dos felizes financiados e o
custo do dinheiro acaba chegando no bolso dos pagadores de impostos. Muito da
crise fiscal que estamos passando decorre das manobras contábeis que o governo
usou para manter o esquema de financiamento barato tocado pelo BNDES. O problema
do custo do dinheiro é o mais facilmente mensurável, mas não é o único nem o
maior problema do BNDES. A existência de um banco gigantesco ofertando crédito
barato torna praticamente impossível desenvolver um mercado de capitais no
Brasil. Como um banco privado vai concorrer com um banco que empresta a juros
negativos? Como desenvolver outras linhas de financiamento, inclusive o mercado
de ações, com um gigante distribuindo dinheiro do pagador de impostos a juros
de pai para filho?
Além do problema fiscal e de dificultar a desenvolvimento de
outras alternativas para financiar o investimento o BNDES cria um sistema de
incentivos onde ter acesso aos financiamentos do banco acaba sendo mais importante
do que ter boas técnicas de gestão ou novas tecnologias. Suponha que dois empresários
pretendem fazer uma siderúrgica, melhor, um frigorífico, em condições normais
os dois buscarão financiamento que devem ter custos próximos um do outro (a
respeito da equivalência das fontes de financiamento das empresas ver aqui), a
competição se dará em conseguir produzir com a mesma qualidade e menor custo,
ou seja, se sairá melhor quem for mais eficiente. Em um ambiente assim a eficiência
é que determina quem se sairá melhor no mercado, o campeão será quem trabalha
melhor. Considere agora que um dos empresários pode conseguir um financiamento muito
mais barato do que o outro, chamemos o felizardo de empresário-amigo. Os juros
baixos darão uma enorme vantagem ao empresário-amigo, isso é particularmente
verdade em um país que tem juros altos como é o caso do Brasil, de forma que
mesmo sendo menos eficiente o empresário-amigo pode se sair melhor no mercado.
Empresários gostam de ganhar dinheiro e o caminho para ganhar dinheiro é o
mercado, se o mercado premia o mais eficientes os empresários buscarão eficiência,
mas se o mercado premia que tem acesso ao dinheiro do pagador de impostos os
empresários buscarão a melhor forma de acesso a esse dinheiro.
Como todos sabemos o melhor caminho para ter acesso ao
dinheiro do dito contribuinte é ter acesso aos políticos que controlam tal
dinheiro. Assim no lugar de contratar engenheiros para desenvolver novas
tecnologias e administradores para desenvolverem e implementarem novas técnicas
de gestão os empresários vão financiar políticos. A coisa toda é tão explícita
que empresários financiam políticos de partidos diferentes como forma de fazer um
seguro contra os resultados das eleições, não importa quem ganhe o acesso está
garantido. Que fique claro que não estou justificando a corrupção, longe disso,
questões ligadas a caráter nunca podem ser menosprezadas quando o assunto é o
comportamento humano. Estou dizendo que um ambiente onde os políticos definem
quem ganha no mercado é propício a formar uma aliança entre políticos e
empresários e que tal aliança tem efeitos desastrosos para o país. Digo ainda
que instituições como BNDES são muito propicias a criar tal ambiente, não só o
BNDES toda e qualquer instituição que permita ao governo definir os campeões do
mercado traz o risco de criar a indesejável aliança entre políticos e
empresários. Naturalmente a presença de uma ou mesmo um conjunto de instituições
do tipo do BNDES também não implica necessariamente que a aliança entre governo
e empresários-amigos existirá, tudo depende da existência de outras instituições
e até mesmo da ação de certos indivíduos.
O que posso dizer é que no Brasil entre 2011 e 2014 as
centenas de bilhões de reais que o BNDES usou para financiar o investimento de
alguns empresários não parecem ter afetado a taxa de investimento de forma significativa.
Também posso dizer que no Brasil a aliança entre governo e empresários-amigos
existe e que ambos se beneficiam de tal aliança, se não acredita em mim me
explique porque nossos empresários são tão generosos em doações eleitorais que
curiosamente são destinadas a vários partidos e políticos que defendem ideias
diferentes. Nesse sentido seria impossível terminar o post sem registrar que a
(recriação) do modelo onde o governo define quem será o campeão do mercado foi
o grande mal que os governos Lula e principalmente Dilma fizeram ao país, sem
reverter tal modelo estamos condenados a um crescimento medíocre cheio de altos
e baixos acompanho de crises fiscais, inflacionárias e/ou de balanço de
pagamentos.
Em essência meu amigo, devemos repensar nossas políticas "protecionistas", ela nos insere no pior dos dois mundos, a saber: nossa produtividade não cresce porque os "empresários-amigos" não precisam ser eficientes, e eles são muitos e enormes. Não bastasse o custo dessa ineficiência ser paga pelo contribuinte, nós estamos perdendo oportunidades conjunturais de crescer significativamente e de forma sustentável, além de sucatearmos nossa estrutura produtiva por não mudá-la na direção correta!
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