Hoje o jornal O Globo publicou uma reportagem mostrando que
o apoio do BNDES para construtoras executarem obras em países como Cuba,
Venezuela e Angola custa aproximadamente R$ 1,1 bilhão por ano aos
trabalhadores brasileiros (link aqui). A reportagem tem por base um estudo do
Insper que leva em conta a diferença entre os juros que o governo paga para
pegar os recursos e os juros que o BNDES cobra das empresas. Um outro estudo
citado na reportagem, desta vez da FEA/USP de Ribeirão Preto, afirma que as
operações do BNDES desrespeitam a Constituição.
Como de costume empresários, governo e governistas de plantão
reagiram atacando os autores dos estudos e o jornal que divulgou os estudos. O
BNDES mostra que é adepto da economia sem restrições e ignora a existência de subsídios
alegando que os recursos são oriundos do FAT. Luciano Coutinho afirma que é importante
financiar as exportações de serviços, não lembro de ninguém dizendo que não é,
mas não explica porque cabe ao BNDES financiar tais exportações e porque com
juros tão baixos, no lugar de explicar ele preferiu acusar de desonestidade
intelectual os que criticaram a ação do BNDES. Aparentemente na economia sem
restrições se algo é importante deve ser financiado não importa o custo e de
preferência com o dinheiro do contribuinte.
Não ficou por aí, Delfim Netto, o eterno porta voz da
indústria paulista, czar econômico da ditadura, especialista em jogar crises
para o futuro, mentor da crise da década de 1980 e avô da hiperinflação
resolveu entrar na briga e acusar complexo de vira-latas os que criticam o
BNDES. Melhor complexo de vira-lata do que complexo de poodle, diria eu se
desfrutasse o status de ser considerado genial a despeito do que eu digo ou do
que eu faço, mas não tenho e não almejo ter tal status, apenas economistas que
nos conduziram a grandes crises e/ou inflação descontrolada merecem tamanha
consideração. Ao pedestal consagrado a iluminados da estirpe de Delfim,
Beluzzo, Bresser e Mantega prefiro a rua onde entre latas e vira-latas me
pergunto sobre o quão adequado é usar o dinheiro do povo para financiar as
exportações. Já não me refiro apenas as exportações de serviços, penso nas
exportações em geral que são alvos de programas como o BNDES Exim (link aqui) citado por
Delfim Netto.
Talvez por ser míope eu não chegue a dizer que “exportar é o
que importa” como diz Delfim no encerramento do texto no Valor Econômico (link
aqui), mas que exportar importa não sou eu quem vai negar. Se exportar importa
e se economistas dentro e fora do governo estão cientes disso é de se esperar
que exista um esforço para facilitar a vida de quem exporta, não falo de
financiar os que se enquadram em critérios estabelecidos pelo BNDES ou por
outros braços. Não que eu duvide da seriedade e justiça de tais critérios, é
que me incomoda a coincidência entre as empresas beneficiadas por tais critérios
e as empresas que costumam financiar campanhas, coisa de neoliberal mal-humorado.
Falo de medidas que facilitem toda e qualquer exportação independente de
avaliações e coisas do tipo.
Comecei olhando o quesito de comércio exterior no relatório Doing
Business elaborado pelo Banco Mundial (link aqui). Em uma lista de 189 países
ficamos na posição 123 no que tange ao comércio exterior. Talvez seja por conta
de bloqueios as importações, pensei eu, fui olhar a parte relativa as
exportações. Comecei pelo número de documentos necessários para exportar, no
Brasil são necessários seis documentos para realizar uma exportação, a média da
OCDE é de 3,8 e a média da América Latina e do Caribe é de 5,7. Não estamos tão
mal na foto, mas podemos melhorar, se a Itália consegue autorizar exportações
com três documentos e a França com dois não há porque nos contentarmos com
seis. Depois olhei o tempo em dias para exportar, mais uma vez não ficamos mal,
nossos exportadores precisam de 13,4 dias para exportar. A média da OCDE é de
10,5 dias e a média da América Latina e Caribe é de 16,8 dias, ficamos no meio
do caminho, devo confessar que imaginava que estivéssemos pior. Por fim fui
olhar o custo para exportar, de certa forma é a informação mais relevante posto
que engloba e resume as anteriores e outras que não foram listadas.
De acordo com os dados do Banco Mundial o custo para
exportar no Brasil é de US$ 2.322,8 por container. Para que o leitor tenha uma
noção de grandeza o mesmo custo é US$ 895,6 no Extremo Oriente e Pacífico, US$
1.100,4 na OCDE, US$ 1.307,0 no Oriente Médio e na África, US$ 1.299,1 na
América Latina e Caribe, US$ 2.117,8 na Ásia do Sul, US$ 2.439,5 na Europa e
Ásia Central e US$ 2.930 na África Subsaariana. É fato que várias características,
inclusive geográficas, podem influenciar o valor do custo de exportação. Ciente
disso e não querendo cometer injustiças resolvi olhar os números com mais
cuidado.
Cruzei os dados do Banco Mundial com os da Penn World Table
8.0 e limitei a amostra a países com mais de 10 milhões de habitantes, a amostra
ficou com 66 países. Dividi a amostra em quatro partes onde a primeira parte
contém os países onde mais barato exportar e a última parte contém os países
onde é mais caro exportar, o Brasil ficou na última parte, para ficar na
terceira parte o custo de exportar deveria cair para US$ 2.292, para que ficássemos
na metade de baixo o custo deveria cair para US$ 1.297,5 e para ficar na
primeira parte, os países onde exportar é mais barato, o custo deveria cair
para US$ 911,25. Um tanto inconformado com nossa posição resolvi checar em quais
países o custo de exportar é maior do que o nosso, são eles: Chade, Colômbia,
Etiópia, Iraque, Cazaquistão, Mali, Nepal, Níger, Rússia, Ruanda, Sudão,
Uganda, Uzbequistão, Zâmbia e Zimbábue. Da América Latina só na Colômbia o
custo de exportar é maior que no Brasil, entre os BRICS só na Rússia. Para que
o leitor visualize nossa posição coloquei a figura abaixo com todos os países
da amostra. Creio que podemos melhorar.
Para terminar o exercício aproveitei que já tinha cruzado os
dados com a PWT e fui ver a relação entre exportações e PIB per capita. Como
esperado o PIB per capita não explica o custo de exportar, mas a relação é
significativa. Na tentativa de fazer um gráfico mais claro retirei os países
com custos de exportação acima de US$ 4.000 (eram os outliers de acordo com o
boxplot, antes de reclamar lembre que não estou escrevendo um paper, estou
fazendo um post para um blog), a figura abaixo mostra custo de exportar e PIB
per capita para os países que sobraram na amostra.
O gráfico mostra que países mais ricos tendem a ter menores
custos para exportar (ou seria o contrário, países com menores custos para
exportar são mais ricos?), mas isso não explica nosso alto custo para exportar.
Se fosse depender do PIB per capita, o que não é uma boa hipótese, o custo para
exportar no Brasil deveria ser próximo a US$ 1.500. Marquei no gráfico o Chile,
que costuma ser referência para América Latina, e a China, que costuma ser
referência de país grande e populoso que cresce e exporta muito, ambos estão
abaixo da reta.
Termino o texto com a dúvida que apareceu no meio do texto.
Por que não estamos buscando reduzir o custo de exportação com a mesma ênfase que
buscamos financiar as exportações? Quando ainda estava no Ceará lembro de um
colega que trabalhava com exportação de castanhas comentando que a tonelada de
castanha no Ceará era mais barata do que na Índia, mas que a da Índia chegava
mais barata em Miami, uma olhada no mapa mostra o absurdo da situação. Se o
estudo do Insper estiver certo, não vejo um bom motivo para acreditar que não
está, só o BNDES gasta R$ 1,1 bilhão por ano para financiar apenas as
exportações de serviços. Quanto gastaríamos para cortar na metade nosso custo
de exportar? Reduzir tais custos não seria uma estratégia mais eficiente e com
menos riscos de ser capturada pelo compadrio entre grandes empresários e
políticos do que os financiamentos do BNDES? Será que nossos governantes
preferem manter o compadrio? Será? Será?
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