segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Se quer ganhar confiança aprenda a fazer discursos... e evite mentiras óbvias

Gosto de política e de história, creio que por isso gosto de ler sobre grandes discursos feitos por estadistas de primeira linha e mesmo por políticos menores. Dos grandes estadistas tenho preferência por dois:  Abraham Lincoln e  Winston Churchill. O primeiro liderou o Norte na Guerra Civil Americana no século XIX, um conflito que mudou a história da humanidade e "criou" os EUA como o país que veio a se tornar a grande potencia do século XX. O segundo liderou as forças da liberdade contra a tirania nazista que aliada à tirania comunista ameaçava dominar a Europa. Longe de mim cobrar de algum de nossos políticos a grandeza de Lincoln ou de Churchill, até porque não vivemos nada parecido com as situações dramáticas que eles enfrentaram. Porém, os grandes discursos que fizeram podem (devem) servir de referência para que outros políticos criem seus próprios discursos e para que nós possamos avaliar os discursos de nossos políticos.

Tratei do assunto quando Dilma fez o discurso na seqüência das manifestações de 2013. Dilma foi a televisão pedir união e fez um discurso apagado que não surtiu efeito algum e que duvido muito que alguém lembre de algum trecho sem recorrer à internet ou outros arquivos. Na época falei que longe de mim cobrar de Dilma a grandeza de Lincoln e que as manifestação eram nada comparadas à Guerra Civil Americana, mas que qualquer político que fosse fazer um discurso a uma nação dividida deveria antes buscar inspiração no discurso da Casa Dividida de Lincoln, segue trecho do discurso:

"A house divided against itself cannot stand. I believe this government cannot endure, permanently, half slave and half free. I do not expect the Union to be dissolved — I do not expect the house to fall — but I do expect it will cease to be divided. It will become all one thing or all the other. Either the opponents of slavery will arrest the further spread of it, and place it where the public mind shall rest in the belief that it is in the course of ultimate extinction; or its advocates will push it forward, till it shall become lawful in all the States, old as well as new — North as well as South."

Abaixo a tradução que achei na Wikipédia:

"Uma casa dividida contra si mesma não pode permanecer. Eu acredito que este governo não pode suportar, permanentemente, ser metade escravo e metade livre. Eu não espero a divisão da União - Eu não espero ver a casa cair - mas espero que ela deixe de ser dividida. Ela terá que se tornar toda uma coisa ou outra.
Ou os adversários da escravidão irão deter a propagação da mesma, e a opinião pública deve repousar na crença de que deva ser extinta definitivamente, ou seus defensores irão estendê-la adiante, até que ela se torne legal em todos os Estados, velhos ou novos - Norte como no Sul."

Percebam que Lincoln não esconde os problemas vividos pelo governo dos Estados Unidos, porém não é um discurso pessimista, pelo contrário, é um discurso que mostra confiança em uma tarefa difícil mas necessária para o país.

Considerem agora o discurso que Churchill fez em 1940 a respeito da II Guerra Mundial. Era um momento critico. O exército alemão parecia invencível, a URSS de Stalin era aliada de Hitler, os Estados Unidos mantinham a política de não intervir militarmente, de fato a Inglaterra estava sozinha contra a ameaça nazista. Vejam o trecho mais conhecido do discurso:

"Even though large tracts of Europe and many old and famous States have fallen or may fall into the grip of the Gestapo and all the odious apparatus of Nazi rule, we shall not flag or fail. We shall go on to the end. We shall fight in France, we shall fight on the seas and oceans, we shall fight with growing confidence and growing strength in the air, we shall defend our island, whatever the cost may be. We shall fight on the beaches, we shall fight on the landing grounds, we shall fight in the fields and in the streets, we shall fight in the hills; we shall never surrender, and if, which I do not for a moment believe, this island or a large part of it were subjugated and starving, then our Empire beyond the seas, armed and guarded by the British Fleet, would carry on the struggle, until, in God's good time, the New World, with all its power and might, steps forth to the rescue and the liberation of the old."

Novamente a tradução da Wikipédia:

"Muito embora grandes extensões da Europa e antigos e famosos Estados tenham caído ou possam cair nos punhos da Gestapo e de todo o odioso aparato do domínio nazista, nós não devemos enfraquecer ou fracassar. Iremos até ao fim. Lutaremos na França. Lutaremos nos mares e oceanos, lutaremos com confiança crescente e força crescente no ar, defenderemos nossa ilha, qualquer que seja o custo. Lutaremos nas praias, lutaremos nos terrenos de desembarque, lutaremos nos campos e nas ruas, lutaremos nas colinas; nunca nos renderemos, e se, o que eu não acredito nem por um momento, esta ilha, ou uma grande porção dela fosse subjugada e passasse fome, então nosso Império del além-mar, armado e guardado pela Frota Britânica, prosseguiria com a luta, até que, na boa hora de Deus, o Novo Mundo, com toda a sua força e poder, daria um passo em frente para o resgate e libertação do Velho."

Churchill não esconde os perigos, não tenta vender uma confiança sem fundamentos, pelo contrário, fala de lutar até o fim, reconhece a possibilidade que a Inglaterra seja subjugada mesmo se negando a acreditar que a possibilidade venha a se tornar um fato. Com este discurso (na realidade foram três grandes discursos, além desse teve o do "sangue, suor, trabalho e lágrimas"  e o do "melhor momento") Churchill ajudou a recuperar a confiança dos ingleses e tornou possível a mudança de rumo que levou à derrota final do nazismo.

Toda esta conversa a respeito de discursos marcantes veio para que eu tentasse passar ao leitor como estou contrariado com o discurso de Joaquim Levy feito hoje para uma platéia de empresário. Segue o trecho que me incomodou a ponto de fazer este post:

"Não há nada de problemático na economia brasileira. Ainda há inúmeras vantagens no país, como nosso capital humano. Temos certeza de que temos condições de fazer essa reengenharia da nossa economia sem grande dificuldade. No ano passado, o governo fez alguns ajustes em programas de transferência, e atacou situações em que havia distorções para garantir sua efetividade conhecida pela população."

Ao contrário de Churchill e Lincoln o discurso de Joaquim Levy começa negando sequer a existência dos problemas. Se não temos problemas então por que nos impor sacrifícios? É uma pergunta legítima. Por que eu vou pagar mais impostos? Por que o jovem empregado vai ter de ficar mais tempo no emprego para receber seguro desemprego? Por que um terço dos recursos das universidades federais estão bloqueados (link aqui)? Por que os caminhoneiros estão bloqueando as estradas (link aqui)? Por que as viúvas vão ter suas pensões reduzidas? Por que os moradores da maior cidade do país estão sendo obrigados a poupar água? Por que tudo isto se "não há nada de problemático na economia brasileira"? Faria sentido Chruchill negar que a Inglaterra estava ameaçada e depois pedir o sacrifício dos ingleses? Faria sentido Lincoln negar que a União estava ameaçada e depois pedir o sacrifício dos americanos?

Não satisfeito em afirmar que não temos problemas o ministro segue dizendo que podemos fazer a "reengenharia da nossa economia sem grandes dificuldades". Hoje a noite o ministro que afirmou que não temos problemas e que não temos grandes dificuldades para fazer a reengenharia de nossa economia vai jantar com políticos do PMDB para pedir apoio as medidas do governo. Se eu estivesse na reunião levaria este trecho do discurso e perguntaria qual a razão dos sacrifícios pedidos.

Negar a existência dos problemas não foi o pior que o ministro fez. Sendo um economista brilhante é possível veja soluções fáceis para nossa economia e esteja nos impondo os sacrifícios por alguma razão que desconheço. Talvez por culpa de FHC, vai saber. Entre as duas frases que comentei o ministro coloca o capital humano como uma vantagem do país. De que país ele está falando? Do Brasil? O ministro ignora que nosso ensino é constantemente mal avaliado nas avaliações internacionais? O ministro ignora que não temos uma universidade entre as melhores do mundo? É assustador, mas ou o ministro está mentindo descaradamente ou não tem a menor ideia sobre o que está falando. É assim que o ministro quer ganhar a confiança do mercado? É assim que o ministro acredita que vai ganhar nossa confiança?

Não sei se vocês lembram de um porta voz do Iraque que durante a invasão americana dava declarações garantindo que o Iraque estava vencendo a guerra e destruindo as tropas invasoras. Era patético. É triste constatar que em uma escala com os discursos de Churchill como valor máximo e as declarações do tal porta voz iraquiano como valor mínimo a fala de nosso ministro está muito mais próxima do mínimo do que do meio da escala.





4 comentários:

  1. Meu caro Roberto Ellery,
    Concordo inteiramente com o seu julgamente severo do discurso do ministro da Fazendoca petista, e eu seria até mais severo, dizendo claramente que ele está mentindo, e zombando da nossa inteligência, o que é lamentável.
    Você fez muito bem em trazer os dois discursos de Lincoln e de Churchill à nossa lembrança, e ficam como registros históricos de dois momentos dramáticos da história dos respectivos países. São realmente magnifícios.
    Eu apenas acho que a nossa situação empalidece tremendamente em face dos problemas terríveis que eles enfrentavam.
    Por mais que pareça que estamos na pior, acredito, sinceramente, que o Brasil ainda não piorou o suficiente para legitimar, e justificar, aos olhos sobretudo dos legisladores, a necessidade imperiosa de reformas. Infelizmente, vamos ter de piorar mais um pouco -- o que não vai deixar de acontecer com a ajuda dos parlamentares, dos sindicatos, dos petralhas, do próprio poste que nos governa -- para que, do fundo do poço (mas sempre tem mais fundo), esses energúmenos consintam finalmente na necessidade de reforma.
    Mas, começo a achar que o Ministro do Bradesco não está à altura do desafio: se é para aumentar impostos, eu que não sou economista também sei fazer e qualquer um faria, sobretudo os companheiros, que vão aproveitar para colocar mais algumas maldades contra os "ricos".

    Por outro lado, não tenho certeza que a Guerra Civil americana, a Secessão, tenha sido decisiva para os destinos da humanidade. Foi um marco na história política dos EUA, mas o Norte, industrializado, prevaleceria mais cedo ou mais tarde, e os EUA, com guerra ou sem ela, estavam a ser grandes e a se tornarem a potência que foram, e teriam sido mais cedo, sem ela, pois a Reconstrução consumiu recursos, além de aprofundar (inclusive com a cumplicidade do Norte) o apartheid e a segregação, que foram crescendo justamente DEPOIS da guerra civil, e se tornaram odiosos quando justamente os EUA ascendiam ao poder mundial. Quando eles aparecem como a nova grande potência, na 1a. Guerra, o mesmo Wilson que posava de internacionalista e democrata, legitimava o apartheid em nivel federal, o que aprofundou ainda mais a segregação no Sul, com KKK e linchamentos a granel.
    Quanto a Churchill, concordo absolutamente: foi o momento decisivo nos destinos da nossa civilização, pois muita gente, na GB e nos EUA, recomendavam uma composição com Hitler, ou seja, a submissão.
    Meus parabens pela postagem. O abraço do

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  2. Esse discurso de Churchill é o melhor da História da humanidade.

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  3. Professor, com todo o respeito, vc está sendo desonesto neste aspecto: "Por que as viúvas vão ter suas pensões reduzidas?".

    É publico e notório a injustiça nas regras da previdência.
    Então seria sensato da sua parte separar o joio e o trigo das medidas anunciadas.

    Por tudo no mesmo saco empobrece o debate...
    Vc quer realmente isso?

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    1. A pergunta só será desonesta se partir de um fato errado que eu tenha conhecimento que é errado. Não é o caso. O governo propôs uma redução nas pensões das viúvas, se você conseguir me provar errado eu assumo o erro na pergunta. Não creio que você conseguirá provar, a seqüência de seu comentário sugere que você está ciente da redução.

      Considerando que a pergunta isolada do contexto é perfeitamente honesta (salvo se você me provar que não há uma proposta de reduzir pensões e que eu sabia disto) coloque agora a pergunta no contexto. Vou ajudar. Suponha que após a derrota para Alemanha Felipão tivesse dito que a seleção brasileira não tinha nenhum problema. Não seria justo alguém perguntar "Por que a seleção perdeu?". Por mais óbvia que fosse a resposta a pergunta se justifica não pela ignorância da resposta mas pelo fato do responsável negar a existência de qualquer problema, o que por conseqüência nega a existência do problema específico que levou à derrota ou, no caso dos post, a tomada da medida.

      Negar a existência de problemas é que empobrece o debate.

      P.S. Você usou do anonimato para fazer uma acusação grave, minha resposta está dada. A conversa acaba aqui.

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