Ainda não consegui ler os 42 volumes apresentados pela CNI (link aqui) com as propostas da indústria para as eleições de 2014, mas pelo sumário
executivo e pela descrição das propostas já é possível fazer alguns comentários a respeito das linhas gerais das propostas da indústria. Devo confessar que fui
surpreendido de forma positiva pelo documento. É claro que não poderia faltar
alguma referência ao câmbio e ao custo do trabalho, mas no contexto do documento
a referência ficou marginal, quase que apenas para constar. Para que o leitor
tenha uma ideia a palavra câmbio aparece apenas cinco vezes nas 266 páginas do
sumário executivo. No lugar de propor uma desvalorização da taxa de câmbio a indústria
brasileira propõe uma mudança na política fiscal que leve a uma taxa de câmbio
mais competitiva. Ao descrever o que a indústria espera poder afirmar em 2018 o
documento diz:
“A política fiscal evoluiu de forma a aumentar a taxa de investimento no PIB, trazer a taxa de juros a níveis mais próximos do internacional e concorrer para uma taxa de câmbio mais estável e competitiva.” (pg. 15).
Não é exatamente o que eu e outros economistas com o tal
viés liberal temos dito? Preço não se determina, quando muito o governo pode
mudar incentivos que levem a algum efeito no preço. Mesmo essa última opção
apresenta riscos de não acontecer o que o governo pretende, por exemplo, um
ajuste fiscal permite reduzir juros e pode levar a uma desvalorização do Real. O
ajuste fiscal também pode reduzir a demanda por importações via redução da
renda. Mas também é possível que depois do ajuste a economia brasileira fique
mais atrativa e passe a receber mais capital mesmo a uma taxa de juros menor. O
que vai acontecer só o tempo dirá, mas o inegável é que ao não insistir na intervenção
direta no câmbio como panaceia para resolver os problemas da indústria o documento
da CNI mostra um gigantesco amadurecimento do setor industrial brasileiro.
Espero que esse amadurecimento chegue ao governo.
Outra ausência que deve ser registrada é o apelo ao
protecionismo. Não se vê no sumário executivo um discurso de que é preciso
proteger a indústria nacional do malvado competidor externo. Pelo contrário, a
documento fala em multilateralismo e em proteção da competição. Assim como no
caso do câmbio ao não colocar a proteção como salvação da indústria o documento
mostra que a CNI avançou mais no sentido de entender os mecanismos de incentivo
que operam na economia do que boa parte dos desenvolvimentistas dentro e fora
do governo.
Na realidade é possível afirmar que o texto da CNI oficializa
o abandono do desenvolvimentismo por parte da CNI. O documento é claramente
reformista, as preocupações com incentivos são marcantes no texto. Os grandes
tópicos do documento deixam isto bem claro, são eles: tributação, relações do
trabalho, ambiente macroeconômico (aqui vale a pena destacar que o tópico se
divide em política fiscal e previdência, não tem um para política monetária
e/ou cambial), educação, infraestrutura, segurança jurídica e burocracia,
eficiência do estado, desenvolvimento de mercados, inovação e produtividade e,
por fim, financiamento. Diga o leitor se esta lista parece mais com o discurso
desenvolvimentista de controle de preços, especialmente câmbio e juros, ou com
o mantra reformista que tantas vezes eu coloquei aqui no blog: ambiente de
negócios, educação e infraestrutura. O único item que destoa da agenda que eu
defendo é o de financiamento, como sabem os que acompanham o blog e/ou meus
comentários no FB eu não considero que falta de capital para financiar o
investimento seja um problema no Brasil, mas ao olhar como se divide o tópico
de financiamento é possível perceber que menos que um apelo ao
desenvolvimentismo o tópico é um apelo às reformas, os itens do tópico são: financiamento
à inovação e mercado de títulos privados. O primeiro merece melhor análise
antes de qualquer comentário, o segundo é muito bem vindo, principalmente se o
mercado de títulos privados reduzir o ativismo de BNDES. A figura abaixo
(retirada da página 18 do sumário executivo) ilustra o abandono do discurso
desenvolvimentista e a adoção do discurso reformista.
Não posso e não pretendo esconder minha satisfação com o
novo tom da indústria nacional, no futuro pretendo ler todos os 42 volumes e
quando for possível e interessante comentá-los aqui. Até lá vou aderir ao
refrão da moda e mandar um beijinho no ombro para os desenvolvimentistas de
plantão.
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