domingo, 14 de julho de 2013

Somos todos Buendía

Em boa hora a Globo trás de volta a novela Saramandaia. Não estou me referindo a passeatas nem muito menos a plebiscitos de ocasião, me refiro ao realismo mágico como expressão de um pensar latino-americano e, portanto, brasileiro. Assim como a Macondo de Gabriel García Márquez a Bole-Bole de Dias Gomes não obedece às leis da física, da biologia, da química nem das ciências em geral. Matriarcas vivem 120 anos, homens têm asas, notícias se perdem da noite para o dia, moças pegam fogo, mortos voltam à vida e por aí vai. Por não obedecerem às leis naturais que valem no resto do mundo Macondo e Boloe-Bole precisam de regras próprias, são mundos em si mesmas. Desta forma a experiência do mundo de nada vale para estas duas cidades.

Vargas Llosa em uma série de crônicas e ensaios (vários estão no excelente Sabres e Utopias) já mostrou como o realismo mágico reflete características profundas de nuestra América. Assim como o mundo não tem quase nada a ensinar a Macondo ou Bole-Bole, o Brasil, e a América Latina em geral, se recusam a querer aprender com o mundo. A discussão da reforma política desnuda esta característica.

Comecemos pelo financiamento público das campanhas. O argumento é interessante, como a remuneração do deputado em quatro anos de mandato é menor que o custo da campanha alguém tem que pagar a diferença. Naturalmente quem pagar a diferença vai querer algo em troca e nada garante que este algo será bom para maioria dos brasileiros. Assim o financiamento público das campanhas cortaria este mal pela raiz e, de quebra, nos livraria da corrupção por afastar os nobres candidatos a parlamentar das garras de empresários malvados e gananciosos. Tive a oportunidade de conversar com vários defensores desta reforma fazendo sempre a mesma pergunta: existe alguma evidência internacional que relacione financiamento privado de campanhas a corrupção? Não sei a resposta e, apesar das insistentes perguntas, continuo sem saber. Do pessoal do governo às representantes da UNE ninguém me deu a resposta (na verdade a representante da UNE foi quem chegou mais perto falando de um estudo da OAB mostrando a relação entre financiamento das campanhas e corrupção, mas não me falou de nenhum estudo internacional). Um estudo deste tipo é barato, não seria de se esperar que o governo ou ONGs que defendam a proposta fizessem um antes de defender a proposta?

Outro ponto que tenho visto é a proibição de reeleições consecutivas para o Congresso. A princípio a proposta me parece de uma ingenuidade absurda, conhecer os meandros da máquina pública exige tempo e dedicação, um Congresso formado por eternos neófitos seria a vítima perfeita de burocratas e lobistas de todas as espécies. Mas isto é só minha opinião, a chance que eu esteja errado é grande, pois não estudo este tema com a profundidade necessária. Procuro nos textos dos defensores da proposta algum estudo que mostre que esta prática funciona nas democracias mais bem sucedidas, não encontro nada. Não seria o caso de mostrar um destes estudos já na apresentação da proposta?

O mesmo vale para reeleição no executivo, voto distrital, orçamento mandatório e etc. Tirando as honrosas e conhecidas exceções todos estes temas são tratados como se fossem problemas exclusivos do Brasil, são como as formigas que saem do nariz do coronel ou a moça que come apenas areia.

Publicado originalmente no Facebook em 27/06/2013. 

2 comentários:

  1. Acho que nossa economia também vive sob um realismo fantástico. Boa sorte e vida longa ao Blog!

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    1. Concordo, precisamos acordar para realidade com máxima urgência. Muito obrigado.

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