sexta-feira, 7 de abril de 2017

"Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal: Ainda vai tornar-se um imenso Portugal!"

Esta semana a BBC Brasil repercutiu uma reportagem da The Economist a respeito de Portugal, a chamada da BBC Brasil dizia: “Portugal está superando crise econômica sem recorrer a fórmulas de austeridade, diz Economist” (link aqui). Não consegui ler a reportagem da The Economist, logo não posso falar a respeito do que escreveu a prestigiada revista inglesa que, não obstante o prestígio, fez aquela capa com o Cristo Redentor decolando. Porém acompanhei o ajuste em Portugal o suficiente para ficar intrigado com a matéria. Neste post vou apresentar alguns dados ao leitor na tentativa de mostrar o que aconteceu e está acontecendo em Portugal e o que podemos tirar de lição da experiência da terrinha.

Como de costume os dados usados são do FMI e estão disponíveis na internet (link aqui). A figura abaixo mostra a evolução do PIB per capita português. Repare que a trajetória de crescimento para quando da Crise de 2008, depois da crise ocorre uma queda no PIB per capita e, em 2014, a trajetória de crescimento é retomada. Curioso é que segundo a reportagem da BBC Brasil: “Portugal chegou a ensaiar um forte pacote de austeridade entre 2011 e 2014.”, ou seja, segundo a reportagem da BBC Brasil o crescimento retornou durante o período da política de austeridade. De fato, a política de austeridade foi revertida com a chegada de António Costa, do Partido Socialista, ao poder, isto aconteceu em 2015. A valer a leitura da reportagem da BBC Brasil, as datas em que ocorreram os eventos descritos e os dados de PIB per capita o candidato socialista pegou a economia já crescendo.





Deixemos para lá a reportagem e olhemos mais para os dados. A figura abaixo mostra o gasto público em Portugal. Em 2010, ano anterior ao início do ajuste, o governo português gastou € 93,24 bilhões, em 2012 o gasto chegou a € 81,72 bilhões, uma queda de mais de 10%. Em 2016, último ano da série que estou usando, o gasto foi de € 85,92 bilhões, ainda menor que antes da crise. Não sei para os jornalistas que fizeram a reportagem e para parte da turma que andou comentando, mas para mim uma queda de mais de 10% do gasto em dois anos e mais de cinco anos depois o gasto continuar abaixo do que estava pode ser visto como uma política de austeridade.




A figura abaixo mostra o gasto como proporção do PIB. Repare que de 2011 a 2012 o gasto caiu mais do que o PIB, indo de 51,8% do PIB em 2010 para 48,5% do PIB em 2012 mesmo com a economia em recessão. Na sequencia o gasto volta a subir em relação ao PIB e, depois da volta do crescimento, o gasto retoma a trajetória de queda em relação ao PIB. Vale notar que mesmo em 2014 o gasto como percentual do PIB ficou abaixo do observado em 2010.




Temos o que aprender com Portugal? Antes de responder olhemos para os dados e comparemos o dito ajuste fiscal duríssimo que aconteceu no Brasil com o que vimos de Portugal. A figura abaixo mostra os gastos do governo brasileiro em reais entre 2002 e 2016, como estou preocupado com trajetória e não com níveis preferi manter os dados nas moedas locais para não me preocupar com efeitos de ajustes por câmbio ou paridade de compra. A figura abaixo mostra o gasto público no Brasil. Repare que, ao contrário de Portugal, aqui não tivemos queda de gasto, nem perto.




Por conta das diferenças entre a dinâmica do Euro e do Real alguém pode reclamar da comparação de gastos em moeda local, olhemos então para a comparação do gasto como proporção do PIB. Repare que desde 2014, quando o governo brasileiro reconheceu que era necessário fazer um ajuste fiscal, o gasto como proporção do PIB está sempre subindo. O máximo que conseguimos fazer foi diminuir a velocidade de crescimento, é isso que estamos chamando de ajuste fiscal duríssimo.




A comparação me parece deixar claro houve um ajuste fiscal em Portugal, que o crescimento de Portugal voltou durante o período do ajuste fiscal e que mesmo com a política expansionista de António Costa o governo português está gastando menos do que gastava antes do ajuste tanto em euros como em proporção do PIB. Deste lado do Atlântico não foi possível identificar nada parecido com o ajuste fiscal português. Aparentemente há muito mais do que mar a nos separar.
Concluo sugerindo que nos inspiremos no exemplo português, pelo menos na fase de ajuste. E você? O que acha de seguirmos o exemplo da terrinha?

P.S. Agradeço ao Henrique Raineri, do grupo Economia no FB por ter apontado um erro na primeira figura e na análise do PIB per capita, de fato copiei errado o código da série e acabei trabalhando com valores nominais, peço desculpas aos leitores. O erro já foi corrigido, a conclusão principal permanece: o PIB per capita voltou a crescer ainda durante período de austeridade, só que em 2014. Vale registrar que António Costa, do Partido Socialista, tomou posse em novembro de 2015.

5 comentários:

  1. “...depois da crise ocorre uma queda no PIB per capita e, em 2012, a trajetória de crescimento é retomada.”
    Segundo a base de dados que você utilizou, o crescimento é retomado apenas em 2014. Mesmo o PIB per capita a preços correntes, que não é o correto, volta a crescer em 2013 e, não, em 2012.

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  2. Acredito que a tendência, já que o governo atual português é de cunho socialista, é de aumento nos gastos públicos. Talvez vejamos o clássico aumento de consumo característico das políticas keynesianas, seguidos pela depressão que vem sempre cobrar a conta depois.

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    1. É por isso q economia é um ciclo...

      No brasil, ao fechar o ciclo nao foi feito o ajuste, e nao foi preparado o novo ciclo.

      O mesmo pode acontecer com portugal ? claro q pode...

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  3. A austeridade, pura e simples, não resolve nada. Apenas reduz o rendimento dos mais desfavorecidos e beneficia a concentração de riqueza, tornando a economia uma espécie de religião fanatizada pelo sofrimento.

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  4. Entendo que o que houve, na verdade, foi um jogo de palavras. O Governo do PS diz que "acabou a austeridade", mas o Orçamento de Estado aumentou significativamente o valor das cativações. Grosso modo, as cativações são gastos orçados que só podem ser executados mediante aprovação do Ministro. Ora, então se o Ministro segurar as aprovações, os gastos serão menores. Como as cativações foram recorde em Portugal no último ano, temos uma austeridade encapotada.

    Na minha opinião, a cativação é mais grave porque faz com que os serviços públicos não desempenhem as suas atividades tendo em conta uma menor disponibilidade de recursos à partida.

    Mas para o Governo é mais fácil dizer oficialmente que não houve austeridade, porque faz um contraponto ao Governo anterior e angaria a simpatia popular. É como dizer que não faz privatizações e realizar leilão de concessões.

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